GERALDO HASSE
Ao se apossar do poder com um apetite de jejunos e uma imensurável falta de espírito público, o grupo predador da democracia em ação no Planalto não demorou a colocar na agenda uma série de projetos que atingem em cheio a maioria da população brasileira, agora e no futuro.
Os dois primeiros projetos estão quarando ao sol de Brasília e aguardam o momento de entrar em pauta diante de deputados e senadores:
>· A reforma da Previdência Social está em discussão a toque de caixa no Congresso; fala-se que o governo quer a aprovação em março
>· A flexibilização da legislação trabalhista, em discussão há anos, já tem maioria de votos parlamentares
Os outros dois projetos malignos rolam nos bastidores e configuram o que outrora se chamava entreguismo e atualmente se considera “integração na modernidade global”:
>· Alienação da independência energética mediante a venda sem licitação de áreas da maior descoberta da Petrobras: o Pré-Sal
> Esvaziamento do BNDES, do Banco do Brasil e a da Caixa Econômica Federal, abrindo espaço para a atividade de grupos financeiros privados nacionais e internacionais
Restam dúvidas sobre o que Michel Temer e seus ministros pretendem fazer com os fundos de pensão de empresas estatais e com o FGTS; tudo somado, temos aí um ativo de mais de R$ 1 trilhão.
Para o mal ou para o bem, há ameaças de que intervenha nessa área o Ministério Público Federal, como parte da Operação Lava Jato, que há três anos assombra executivos estatais, políticos e empresários com as investigações sobre propinas em contratos de prestação de serviços.
Somando todos os projetos explícitos e os enviesados, fica claro que o governo Temer está na coordenação do maior esforço jamais feito no Brasil para a alienação da soberania nacional.
Se tiver sucesso, a missão temerária poderá coroar-se com a adoção do dólar como moeda brasileira e a colocação de listras horizontais ianques na bandeira nacional.
Se buscarmos o denominador comum dos projetos adotados como seus pelo governo Temer, veremos que eles atendem a interesses globais associados a organizações empresariais brasileiras, especialmente bancos, federações patronais e redes de comunicação alinhadas com o conceito do estado mínimo – alinhamento mais oportunista do que ideológico, é bom lembrar; enquanto a economia ia bem em anos recentes, as cadeias de mídia estavam alinhadas com o desenvolvimentismo, a inclusão social e outras “bondades” governamentais.
Agora jornais, revistas, emissoras de rádio e TV apóiam medidas antiaposentados, antitrabalhadores e antinacionais que buscam a extinção de direitos consagrados internacionalmente.
Espanta, por outro lado, a falta de reação popular via centrais sindicais, universidades, igrejas e a cidadania em geral.
Também chama a atenção o amplo conformismo do Congresso.
Ameaçada pela Operação Lava Jato, boa parte dos parlamentares adotou como tática de sobrevivência a saída antidemocrática: queima as pontes com seus eleitores, mas salva os próprios patrimônios fazendo uma aliança estratégica com os financiadores de suas campanhas.
Enquanto isso, a reforma política fica em segundo plano.
Diante desse conjunto de circunstâncias negativas, restaria aos cidadãos o recurso à Justiça, mas que esperança: enredada numa teia de leis contraditórias, a senhora J. é frequentemente forçada a adotar saídas ditadas por conveniências políticas.
Na instância suprema, uma das saídas mais comuns é omitir-se e/ou postergar as decisões. Dessa forma, em último caso, o julgador acaba sendo o Tempo, que vai liquidando inexoravelmente juízes e réus, sem discriminação nem preferências.
O que está acontecendo que ninguém se mexe?
Vai para quatro anos que começou (junho de 2013) a explosão social contra o aumento de R$ 0,20 nas passagens de ônibus urbanos. As manifestações de revolta foram manipuladas por grupos políticos que acabaram criando o caldo de cultura favorável ao impeachment da presidenta eleita, afastada definitivamente em 31 de agosto passado.
De 2013 para cá, mais do que dobrou o número de desempregados formais no Brasil. São agora 12,3 milhões numa população economicamente ativa de 100 milhões. Esse número (12,3 milhões de trabalhadores) não diz tudo, já que contabiliza apenas as pessoas que, segundo a pesquisa do IBGE, procuraram emprego nos últimos 30 dias.
Estão fora da estatísticas os milhares, milhões que não procuram vagas pois já cansaram ou perderam a esperança e se conformam em fazer bicos no mercado informal de trabalho ou se encostaram em algum membro da família.
Há notícias de que no Nordeste aposentados rurais “ajudam” total ou parcialmente uma dezena de parentes, entre adultos e crianças. Nesse sentido, a reforma da Previdência proposta pelo governo significa uma tragédia em dois atos.
Primeiro, vai diluir os benefícios dos que se valem da previdência pública para sobreviver quando já lhes faltam forças para trabalhar.
Segundo, vai privilegiar a previdência privada, fazendo com que a segurança dos aposentados se torne um negócio lucrativo para alguns e arriscadíssimo para milhões.
LEMBRETE DE OCASIÃO
Desde a falência da Varig, causada por uma mistura de má administração privada e leniência governamental, estão na chuva dez mil contribuintes do Aerus, fundo previdenciário dos aeronautas, que brigam na Justiça para receber seus benefícios