Geraldo Hasse
Para um pobre mortal situado na base da pirâmide social, é afrontoso ver os senhores magistrados aceitarem o benefício do auxílio-moradia alegando que é legal e que uma recusa, ostensiva ou discreta, seria mal vista pela categoria. Nisso, ao contrário da lenda, a magistratura não foi lerda. Até onde se sabe, nenhum juiz teve coragem de recusar o auxílio- moradia, o mais recente privilégio da categoria funcional mais bem remunerada do país.
A mordomia habitacional dos magistrados é acintosa quando se pensa que essa casta é protegida constitucionalmente por três invejáveis garantias: indemissilidade, inamovilidade e irredutibilidade dos salários.
Essa trinca de “ades” foi institucionalizada para que os magistrados fiquem teoricamente livres de perseguições políticas e de tentações corruptivas, podendo assim se dedicar à administração da justiça e à busca do bem comum. Entretanto, bem remunerados e com a carreira garantida, muitos deles se deixam seduzir pelo brilho fácil das entrevistas e palestras.
No momento, os mais picados pela mosca azul do poder são o juiz Sergio Moro, o ministro Gilmar Mendes e a nova presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Carmen Lúcia.
Por mais meritocrático que seja, o sistema do Judiciário abriga e cultiva privilégios incompatíveis com o estágio de (sub)desenvolvimento do Brasil.
Seria muito mais justo se o dinheiro do auxilio-moradia fosse aplicado em favor da segurança do patrimônio público — escolas, creches e postos de saúde – frequentemente depredado por gente sem noção de direitos e deveres sociais. Mas quem vai dizer – “Eu passo, não vou aceitar”?
Como estão no topo da escala salarial do funcionalismo, eles poderiam dispensar benesses que afrontem o espírito democrático. Seriam aplaudidos pela população. No entanto, o que se vê é a maioria dos magistrados fazendo força para entrar para o clube da elite pensante, aquela que só pensa em si.
Além de não ter coragem de corrigir distorções como as férias de 60 dias, que agridem a cidadania, a maioria dos magistrados adota como seu o estilo de vida da classe dominante, ignorando o fato de que a maioria dos brasileiros está digerindo o trauma do impedimento presidencial e o triste espetáculo da Operação Lava Jato.
Na vida pública, o exemplo ético é fundamental. Sem ele, não se constrói um país equilibrado e feliz.