Quer saber para onde caminha o Brasil? Basta observar a Petrobras, conhecida mundialmente pela sigla BR.
Carne e unha, o governo e sua maior empresa mudaram a tripulação – às custas de “um golpe parlamentar-midiático”, diz o PT; ou “pela via constitucional”, segundo os novos mandatários capitaneados por Michel Temer, que colocou no comando da nave-mãe da economia brasileira o economista Pedro Parente, fiel escudeiro de FHC, rei dos tucanos.
Dividindo tarefas como tripulantes da grande nave BR, tucanos (PSDB) e pardais (PMDB) navegam com a empáfia dos velhos lobos do mar. Tome-se como referência o anúncio do governo federal publicado no dia 5 de outubro em página inteira de todos os grandes jornais.
O título “Vamos Tirar o Brasil do Vermelho para Voltar a Crescer” é nada menos do que um agressivo manifesto político. O conteúdo da mensagem lista 19 itens acusando os governos petistas de irresponsabilidade fiscal. A peça publicitária esquece que alguns atos dos governos Dilma (2011-2016) foram assinados pelo então vice-presidente Temer, que ficou quieto no milharal enquanto não mudavam os ventos.
Os famosos “erros do PT” foram aprovados pelos políticos e aplaudidos pelos empresários, que se beneficiaram da política de desonerações criada para amortecer a crise econômica vinda de fora. Quando a conta chegou em forma de desemprego, inflação e recessão, toda culpa recaiu sobre o PT, que restou praticamente sem aliados. Finda a coalizão PT-PMDB, começou a coalizão PMDB-PSDB. Por quanto tempo? Sabe-se lá, mas não é de graça que o PMDB fica no centro do espectro político — é o lugar mais cômodo para fazer alianças à esquerda e à direita.
O fato indiscutível é que, depois de uma década de “socialismo à moda PT”, o governo Temer deu início a um ciclo de “endireitamento” do Brasil. Aqui e ali já se veem os primeiros movimentos da campanha eleitoral de 2018, quando os brasileiros vão ter de escolher um novo presidente. O segundo turno em várias cidades é um “thriller” do longa que seremos obrigados a ver nos próximos anos.
Há no ar um inequívoco cheiro de velha república. Já estão se agitando no paddock os tucanos Aécio, Alckmin e Serra. Se ao trio AAS de tucanos forem adicionados os pardais de todo o Brasil, não há dúvida de que estamos à mercê de uma guinada reacionária similar à praticada em 1964 pelos militares em favor dos que abominavam as reformas prometidas por João Goulart. A ditadura durou 21 anos mas preservou a Petrobras e outras estatais. E agora?
Vejam o que está fazendo a Petrobras para sair do buraco em que se meteu com a presunção de que podia tudo como controladora de uma das maiores reservas mundiais de petróleo, o pré-sal. Nos últimos três anos, acumulou prejuízos de R$ 1 bilhão por quinzena após meter-se em canoas furadas como a construção em Pernambuco de uma refinaria-gigante para processar petróleo da Venezuela. A parceria binacional Brasília-Caracas fracassou e a BR ficou sozinha na parada. A refinaria já está operando, mas o orçamento inicial de R$ 5 bilhões foi parar entre R$ 18 e R$ 21 bi, resultado de uma escandalosa mistura de corrupção, incompetência e megalomania.
Na busca do equilíbrio entre receitas e despesas, a empresa lançou um programa de desligamento voluntário que foi encerrado com pouco mais de 11 mil adesões e vai custar R$ 4 bilhões, uma montanha de dinheiro para nós pobres cidadãos e um quase-nada para a rainha da economia brasileira, que fatura coisa de R$ 1 bilhão por dia.
Enquanto isso, para tocar o barco, a fabulosa estatal brasileira vai vendendo sua participação em empreendimentos secundários como a petroquímica, o varejo de combustíveis e até algumas áreas de extração de petróleo, que sempre foi a razão de ser da BR. É exatamente aí que mora o perigo.
Segundo a lei aprovada pela Câmara dos Deputados na noite de 5 de outubro (63 anos e dois dias depois da criação da Petrobras), a BR está na iminência de perder a primazia na exploração das jazidas do pré-sal. Caindo o regime de partilha do pré-sal e voltando o regime de concessão, caberá ao Conselho Nacional de Política Energética dizer se a estatal terá ou não preferência na exploração das diversas áreas em que foi dividido o pré-sal.
“Está pelada a coruja”, diz um ditado sulino. Ou, seja, o assunto está liquidado, não tem mais retorno. Pelo menos no atual ciclo conservador: dos 15 membros do CNPE, nove são ministros.
Não é nada, não é nada e a nossa poderosa BR é comparável a um transatlântico em mudança de rota. Daí se poder dizer que a estatal é um simulacro do Brasil. Ou vice-versa.
O país e sua maior empresa estão atolados em dividas, mas ambos não escondem ter um plano de viagem rumo à desestatização da economia, ou à privatização de ativos estatais.
A única coisa capaz de reverter o processo de perda da soberania nacional na pira neoliberal é o protesto popular, mas em nome de quê ou de quem, se a maioria dos empresários, executivos e políticos não inspira confiança?
LEMBRETE DE OCASIÃO
“Meus amigos, não sou criança. Além do mais, conheço muito bem os milicos, sou um deles há mais de 30 anos. Por isso é que lhes digo: a coisa (a ‘coisa’ era a rebelião militar em Minas) não dura mais que 15 dias.”
Brigadeiro Francisco Teixeira, comandante da III Zona Aérea, do Rio de Janeiro, no dia 1 de abril de 1964, ao receber correligionários do presidente João Goulart que buscavam proteção contra o golpe
(“JANGO, um Depoimento Pessoal”, de João Pinheiro Neto, Mauad Editora, 2008)