O PT foi um rio que passou em nossas vidas

Geraldo Hasse
Chega de chorar sobre o leite derramado; é preciso construir o pós-Temer.
A um ano das eleições gerais para os cargos de presidente, governador, senador e deputados federais e estaduais, é hora de admitir que ficou irremediavelmente para trás  o ciclo virtuoso do petismo, marcado pelo crescimento da economia, a expansão das exportações agrícolas e a inclusão socioeconômica de largas camadas da população.
Resultado de uma mentalidade de acolhimento das demandas e necessidades dos pobres, tivemos com o PT o aumento do salário mínimo, a valorização do funcionalismo federal, a expansão dos ensinos técnico e universitário, a ampliação do SUS, incluindo o programa Mais Médicos, o Bolsa Família, o Minha Casa Minha Vida, o Luz Para Todos, o Brasil sem Miséria e a adoção de quotas para negros e índios na universidade.
Tirando as realizações transitórias, o partido pagou o preço cobrado pelos seus aliados à esquerda, ao centro e à direita. Algum dia um compositor dirá, como Paulinho da Viola ao cantar sua escola de samba: “Foi um rio que passou em nossa vida…”
Descontada a emoção contida em cada vitória, o petismo não tirou nota 10 em nenhum dos quesitos básicos.
Já se concluiu que a expansão dos salários gerou consumo, principalmente. Se o frango foi a âncora do real sob Fernando Henrique Cardoso (1994-2002), o consumo de iogurte foi o símbolo da inclusão social sob Lula (2003-2010).
Faltou um plano capaz de aprofundar as conquistas populares. Esse o maior erro do PT – a falta de ambição de longo prazo.
Por exemplo, o aumento do número de universidades e escolas técnicas não foi acompanhado pelo incremento da qualidade do ensino.
O Minha Casa Minha Vida, executado com baixo padrão de qualidade, ficará na história como um sinal concreto de desprezo das construtoras e da indústria de material de construção pelos pobres – tudo isso com financiamento da Nossa Caixa.
Embora tivesse como objetivo de fundo a manutenção das crianças em creches e escolas, o Bolsa Família acabou estigmatizado como um programa de estímulo à vagabundagem de pais e mães beneficiados, que teriam se contentado com o peixe, desprezando a chance de usar a vara de pescar.
O Mais Médicos, programa auxiliar do SUS, escancarou o elitismo da classe médica brasileira, obrigando o governo a contratar estrangeiros, sobretudo cubanos.
De cada programa se pode dizer, talvez, que faltou tempo para avaliações e correções de rumo, mas não se pode negar também que, como presidente de honra da Escola de Samba Unidos do PT, Lula exagerou na dose da soberba, deixando a comissão de frente descolar-se das alas partidárias perdidas na cacofonia do carnaval.
Quando se referiu ao tsunami financeiro de 2008 como uma marolinha, Lula agiu como o pai de família que, diante do temporal, diz aos filhos: “Não é nada, já vai passar”. Paternalismo que lembra outro chefe brasileiro.
Em 1977, em plena degringolada da economia brasileira, o general-presidente Ernesto Geisel disse em pronunciamento de TV que o Brasil era uma ilha de prosperidade num oceano convulsionado pela crise do petróleo.
Cinco anos depois, em agosto de 1982, faltou dinheiro para fechar o caixa do Banco do Brasil em Nova York –o país estava quebrado e a ditadura militar na reta final. Mas “os chefes civis da Revolução” seguiram manipulando os cordéis até colocar na presidência o chapa-branca José Sarney, arenista convertido ao PMDB. Por incrível que possa parecer, Sarney tinha um slogan voltado para o atendimento das carências populares: “Tudo Pelo Social”, que oferecia tíquetes alimentares para famílias pobres.
A história mostra que há sempre um oportunista pronto para montar no cavalo do poder. No caso do PT, esse personagem se chama Michel Temer. Com cara de sonso, ele se alojou na vice-presidência e ficou à espera do momento oportuno.
Recapitulando: o impacto da crise financeira internacional de 2008 foi retardado por cinco anos graças ao boom das exportações de commodities e a medidas anticíclicas que acabaram criando a ilusão de que o Brasil estava livre dos problemas enfrentados por outros países.
Lula levou a crise com a barriga e Dilma fez o mesmo com um pouco mais de dificuldades, até que perdeu a capacidade de manobra e foi alvo do processo de impeachment articulado pelo PMDB e ex-aliados do petismo.
Agora, com um ano e meio no governo, Temer não tem popularidade, mas manipula as rédeas do poder com a ajuda desenvolta de políticos de larga folha corrida. Tem o beneplácito do Supremo Tribunal Federal e o apoio do Congresso. Se precisar, compra políticos com a distribuição de verbas para atender a emendas parlamentares. “Meu governo acabou com a maior recessão da história do Brasil”, disse ele no dia 26 de outubro, após passar horas no hospital, abatido por uma crise nervosa enquanto o Congresso discutia se atendia ou não um pedido de investigação contra o presidente e dois dos seus ministros.
E assim chegamos ao final de 2017, com o Brasil ensaiando a saída da estagnação econômica dos últimos três anos e meio. A inflação baixa, os juros descendentes e o alto nível das reservas cambiais garantem que os fundamentos econômicos estão em níveis satisfatórios para quem se guia por tais indicadores materialistas.
O Mercado está contente? Pior pra gente!
O estrago feito pelo ajuste das contas do governo soma 14 milhões de desempregados e acumula graves problemas de segurança pública, enquanto o Tesouro Nacional está penhorado ao sistema bancário nacional, por sua vez pendurado em credores/investidores internacionais.
Para comprar gasolina e seguir viagem, o comandante não hesita: hipoteca o navio, privatiza os portos, leiloa usinas hidrelétricas e terceiriza a gestão dos aeroportos. É pouco? Venda-se o pré-sal, que foi visto pelo PT como uma espécie de poupança nacional.
Entretanto, para quem quer um pouco mais em favor das pessoas e principalmente da maioria da população, que é pobre, o Brasil de Temer registra uma assustadora involução social cujas origens remontam às manifestações preconceituosas de pessoas das elites e das classes médias revoltadas com a presença dos pobres em aeroportos, shoppings, universidades etc.
De cima para baixo, essa onda de raiva empalmou a classe média e segmentos da população manipulados por pastores de religiões emergentes na seara do conservadorismo e do patrimonialismo bem representados no Congresso por maiorias formadas ao sabor de interesses fisiológicos.
LEMBRETE DE OCASIÃO
“O Brasil vender o pré-sal é como o cara que vende a máquina de costura da mãe”
Luciano Palma, no Facebook

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