O referendo e a cassação de Zé Dirceu

Esta semana (24 a 28/10)  ficará na História do Brasil como um marco da inabilidade do time de lideranças que comanda o processo político no Congresso Nacional. Dois erros vão marcar estes dias: o primeiro está por vir, a cassação iminente do deputado José Dirceu (PT-SP) na quarta-feira; o outro se deu no domingo, com o resultado do plebiscito das armas. Ambos demonstram como o parlamento brasileiro perde o contato com a realidade, daí resultando todo seu processo de desgaste que levará à extinção do modelo político-eleitoral vigente no País.
A questão do desarmamento foi derrotada nas urnas porque o Congresso ingenuamente deixou-se levar pelos eslogans do “politicamente correto”, alardeados pelas minorias globalizadas. A proposta sucumbiu, não obstante o horror que a violência provoca em todas as camadas da população, porque a percepção da sociedade insurgiu-se contra a patrolagem desses grupos barulhentos.
O eleitor politizado percebeu o referendo como uma manobra diversionista para abafar a crise e se insurgiu votando contra o Congresso; nos meios populares a proposta sucumbiu porque as gentes das periferias sentiram-se prejudicadas. Neste caso, sabe todo o jornalista que teve experiência de reportagem geral e que botou o pé nos barros de vielas das favelas, que ali o cidadão depende unicamente de si mesmo para sua defesa pessoal.
O caso da inevitabilidade da cassação do deputado José Dirceu é diferente, mas pega o Legislativo na outra perna. A tese é que o sistema, no regime democrático, não se pode usar instrumentos de exceção para fins que não sejam irrefutavelmente legítimos. Neste caso, embora os deputados estejam pressionados pela opinião pública insuflada pela mídia, há um nítido sinal do uso abusivo do poder de suprimir direitos.
A imunidade parlamentar é um direito do eleitor. Ela só pode ser rompida se o representante exorbitar. Os cassados nas últimas legislaturas foram depois processados criminalmente ou ficou provado que agiram para enxovalhar o decoro naquele mandato, como no caso dos anões do Orçamento. Tudo em cima de provas provadas, para não deixar dúvidas dos motivos que levaram ao rompimento da imunidade. Assim mesmo, se o acusado renuncia, extingue-se o processo, pois a contravenção política limita-se ao periodo do mandato. Esta é a questão formal, regimental.
O mecansmo para retirar do cenário mandatários politicos sem legitimidade, seja qual for a razão, é a urna. Ali devem cair os incompetentes de qualquer natureza. Fora isto, é a exceção. Não se pode comparar a degola do ex-ministro com os processos contra demais petistas indiciados, mesmo daqueles que limpidamente se envolveram em irregulariades na operação do sistema eleitoral vigente, até então aceitas pelos usos e costumes.
Sabe-se que dinheiros foram aqueles. Muitos nomes que apareceram nas listas de Marcos Valério estavam repassando recursos que o PT e outros partidos aliados deviam para fornecedores. Julgavam estar num espaço de uma lei para “inglês ver”, pagando atrasados de honorários a seu pessoal de televisão contratado para as campanhas nos municípios em que seus candidatos perderam as eleições em 2004. Enredaram-se na credulidade de que costumes universalmente aceitos não podem ser punidos pela lei descartada pelo desuso. Na letra da Lei, pode-se dizer que receber dinheiro de caixa dois não seria conduta decorosa.
O processo contra Dirceu é diferente, pois, claramente, desenvolve-se sob pressão de seus desafetos de todas as áreas, dispostos a ajustar contas antigas e recentes. Dirceu , desde que pisou na primeira vez uma bancada parlamentar, ainda na Assembléia Legislativa de São Paulo, tem sido um algoz implacável de seus adversários. Entretanto, o exemplo histórico de um parlamentar com esse perfil, o deputado carioca Carlos Lacerda, nunca teve seu mandato ameaçado pelos adversários do binômio PSD/PTB, embora tivese levado tiros e sofrido a censura radiofônica da Lei Rolha. Só perdeu seus direitos políticos numa penada do executivo durante o regime militar.
Aqui está o problema básico: o funcionamento pleno da democracia não admite que se tire de cena sem motivos cabais um político com um perfil tão alto. Se for esmagado, Dirceu encontrará novos espaços para se manter ativo na vida cívica. O expurgo efetivo de tal figura somente seria viável se pudessem prendê-lo, exilá-lo ou bani-lo. Uma simples cassação politica, sem que isto prossiga num processo criminal ou civel, que respaldasse a supressão da imunidade ( e do mandato), abala fortemente as garantias do eleitor e o próprio sistema democrático.
Isto é o que se entende estar ocorrendo, reforçando-se a cada declaração dos parlamentares da Comissão de Ética, que dizem ser um processo que dispensa as provas provadas para sua condenação. Dirceu coloca-se como vítima de uma perseguição política, como mais uma condenação de sua história pessoal. E o Congresso abre um precedente perigoso, que, é provável, seja revertido na Justiça. Mais pacifica seria sua renúncia, submetendo-se depois às urnas, como o fizeram outros cassáveis. Ao persistir, Dirceu inova, prometendo usar toda sua força por fora do sistema. Será mais um desafio para o timoneiro do PT.
José Antonio Severo, especial para o JÁ

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