Ao reduzir o salário mínimo aprovado pelo Congresso, o governo mostra as garras
GERALDO HASSE
Foi ingenuidade do colunista escrever, dias atrás, que o Brasil só irá pra frente quando curar as unhas encravadas que dificultam sua caminhada para o futuro.
Logo depois da publicação da última coluna, na qual foram listadas oito unhas encravadas (as desigualdades de renda, o desemprego, o desmazelo ambiental etc.), o autor se deu conta de que havia esquecido de falar de outros dois problemas crônicos: o engessamento da dívida pública e os brutais desníveis da previdência social, ambos concorrendo para manter o status quo que faz do Brasil um país escrachadamente injusto.
Seria hora de relaxar (afinal, é verão e parte do país está em férias), dando-se um tempo para que o novo governo mostre suas intenções, seus projetos etc e tal. Mas logo no primeiro dia o presidente Bolsonaro assina um decreto garfando R$ 8 do novo salário mínimo recém-aprovado pelo Congresso. Assim, em vez de ultrapassar a barreira dos R$ 1.000, o SM retorna para R$ 998.
Alguns comentaristas lembraram que no seu primeiro canetaço o capitão-presidente tirou da mesa do trabalhador, a cada mês, dois quilos de arroz e ½ kg de feijão, sob a alegação de que assim o governo (e as empresas) economizará bilhões em despesas vinculadas ao SM, como pensões e aposentadorias.
Resta-nos agora esperar que o governo seja igualmente duro na hora de cortar rendimentos dos estabelecidos nos andares de cima do Edifício Brasil.
Eu daria um crédito de confiança ao governo Bolsonaro se ele iniciasse o desmanche do esquema de realimentação do endividamento público que favorece o sistema bancário e todos os seus cúmplices internos e externos. Dobraria o crédito se ele cortasse privilégios do funcionalismo no âmbito da previdência social.
Acredita-se que o novo presidente não tem discernimento suficiente para compreender como funcionam os mecanismos de acumulação de capital, além de outros aspectos da dinâmica financeira e suas consequências na vida social, mas ele não é tão burro que não possa perceber o que está fazendo.
Pode-se atribuir ao ministro Paulo “Posto Ipiranga” Guedes o ímpeto de cortar 8 reais do salário mínimo, mas a responsabilidade do ato é presidencial. Com seu primeiro decreto, Bolsonaro lesou 67 milhões de trabalhadores, 10 milhões a mais do que os votos que recebeu na eleição de 27 de outubro. Se continuar nesse ritmo, no dia 1 de maio terá liquidado a maior parte do seu capital eleitoral.
LEMBRETE DE OCASIÃO
“O dinheiro fala mais alto. O salário mínimo apenas cochicha.”
Millor Fernandes