Por que tentar silenciar a educação popular na EJA de Porto Alegre

Fernanda dos Santos Paulo*
A Educação Popular é o principal fundamento da Educação de Jovens e Adultos de Porto Alegre, sendo referência da práxis curricular dessa modalidade desde sua origem – o ano de 1989, ano que a Administração Popular assumiu a gestão da cidade pela primeira vez. A EJA, no caso particular dessa cidade, a partir de 1988, sobretudo por conta da atual Constituição Federal (Art.208), ampliou o direito à educação em se tratando do Ensino Fundamental, incluindo pessoas que não tiveram acesso na idade própria (público da EJA). Isto é, o Estado deve ofertar a educação pública, obrigatória e gratuita. Diante dessa conjuntura política e jurídica, muitos municípios passaram a ofertar essa modalidade, incluindo esse direito (conquistado) nas suas legislações em âmbito municipal, consubstanciadas pelas nacionais. Acerca disso, recordemos que a EJA é um direito subjetivo, com três grandes funções: 1) a reparadora; 2) a equalizadora; e, 3) a qualificadora.
A EJA da Rede Municipal  de  Ensino  de  Porto Alegre, desde 1989,  passou  a ser denominada como SEJA (Serviço de Educação de Jovens e Adultos). Desde o início da oferta dessa Modalidade, a organização do ensino efetiva-se por Totalidades, sendo assim organizada: das Totalidades 1 a 3 (alfabetização) e das 4 a 6 (pós- alfabetização). O conjunto compreende todo ciclo da segunda etapa da educação básica (ensino fundamental). A organização em Totalidades abrange uma concepção de educação não fragmentada, não elitista e não conservadora, incluindo uma metodologia do trabalho interdisciplinar e avaliação emancipatória, práticas embasadas por uma proposta político-pedagógica inspirada no/pelo ideário da Educação Popular. Isso significa bem mais do que muitos desavisados e desinformados vem compreendendo do sentido e significado dessa concepção que orienta a EJA.
Isto posto, para conduzir o leitor aos cinco passos para tentar silenciar a educação popular na EJA de Porto Alegre, primeiro apresento o que é Educação Popular. Para tanto, faço referência ao Paulo Freire (1989), que a define como mobilização, organização e capacitação das classes populares (científica e técnica), visando  transformar a realidade, numa estreita relação entre escola e vida política.
De acordo com os referenciais da Educação Popular e do SEJA, os sujeitos da EJA são protagonistas do processo de ensino-aprendizagem.  Nesse sentido, realizar o levantamento  de  demandas da realidade é uma exigência do trabalho político-pedagógico nos princípios da Educação Popular. Baseado nas pesquisas participantes, é possível conhecer o público da EJA, fazendo visita nas comunidades, escutando os moradores, registrando falas das pessoas da  comunidade e do contexto (falado ou visto) que a escola se insere. Porém, nas últimas semanas (julho/2017), contrariamente do que dispõem  as legislações educacionais vigentes, a gestão municipal (PSDB) desrespeitou e desmantelou  a concepção da EJA do município de Porto Alegre.
A primeira forma de silenciamento da Educação Popular de POA é o descumprimento da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBN), de 1996, que, segundo consta no art. 4º, tratando da oferta da EJA e de suas características peculiares, afirma que o Estado deve garantir aos estudantes condições de acesso e permanência na escola. Sendo assim, como que pessoas moradoras do bairro Lomba do Pinheiro, especificamente na Quinta do Portal, terão condições (tempo, dinheiro, motivação, etc.) para se deslocar até o bairro Santana, onde está localizado o Centro Municipal de Educação dos Trabalhadores Paulo Freire?
Essa pergunta refere-se a uma forma de tentativa de silenciamento da Educação Popular na EJA, pois ao centralizar a oferta em uma escola central, além de não garantir ao público da EJA condições de acesso, desconsidera a realidade dos sujeitos que compõem essa modalidade. A segunda forma de silenciamento da Educação Popular na EJA é ignorar a sua historicidade, no tocante às lutas populares que fazem parte das conquistas presentes nas legislações educacionais (ECA, CF, LDBEN, CNE/CEB, Parecer n.º 11/2000, PME, PNE, etc.). A terceira é a suspensão das matrículas da EJA nas escolas municipais, centralizando-as no Centro Municipal de Educação dos Trabalhadores Paulo Freire.
Posteriormente, é a negação dos dados reais da situação de Porto Alegre, em relação às pessoas que não possuem o ensino Fundamental completo (mais de 300 mil pessoas). Isso significa o mascaramento da realidade concreta, pelo desconhecimento ou recusa dela, abdicando da leitura do contexto social, cultural e econômico de bairros que possuem alto índice de baixa escolaridade, como é o caso da Lomba do Pinheiro. Por último, isto é, a quinta forma de silenciamento da Educação Popular na EJA, trata-se do projeto Marchezan Júnior, o qual se guia pela teoria do Estado mínimo para as comunidades periféricas e máximo para o mercado, cujas políticas agravam as desigualdades sociais através da retirada dos direitos conquistados, desconsiderando as três funções da EJA: reparadora (restauração  de  um direito negado), equalizadora (acesso e permanência na escola) e qualificadora (educação de qualidade social).
Essas formas de fazer politica e educação  são, radicalmente,  contrárias a concepção de Educação Popular com viés crítico e fundamentada por uma sociedade  inspirada pela justiça social, pois “é preciso não esquecer uma coisa: educação popular e mudança social andam juntas”  (FREIRE, 1989, p.62). Então, dizemos, em nome de inúmeras educadoras populares e de vários Movimentos Populares, não ao silenciamento da Educação Popular na/da EJA de POA-RS! Exigimos formas, ferramentas e recursos para manter a Educação Popular construída por diferentes sujeitos, participantes da política educacional.
* Educadora popular (Aeppa-MEP- membro do FEEJA-RS, moradora da Lomba do Pinheiro-POA)

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