As muitas questões ilegais do Plano Diretor de Porto Alegre, na visão de Adeli Sell

Adeli Sell aponta as questões ilegais que o Plano Diretor de Porto Alegre proposto pela Prefeitura traz em sua concepção.

Higino Barros

Plano Diretor é uma exigência legal para municípios acima de 20 mil habitantes e deve ser, obrigatoriamente, revisto a cada dez anos.

Com os eventos climáticos há mais razões para atualizá-los. No entanto, a Prefeitura e
Porto Alegre entrega sua proposta com mais de cinco anos de atraso.
E não sem grandes polêmicas.
Entrevista com o professor Adeli Sell, conhecedor da cidade, foi vereador por mais de 20 anos. Atualmente, é sócio da DOMINUS, uma consultoria para Câmaras e Prefeituras.

JÁ – Por que este atraso de mais de 5 anos no envio de uma proposta de revisão do Plano
Diretor?
ADELI – As desculpas são muitas. Marchezan é quem deveria ter enviado. Contratou
consultorias. Não lhe agradaram os resultados. Daí, a desculpa foi o período eleitoral. Veio o
primeiro governo Melo, mais consultorias, novas divergências. A desculpa foi a pandemia.
Novas desculpas por causa das enchentes. E assim estamos com um plano que chega á Câmara
contestado, em primeiro lugar pelo Ministério Público, num documento bem consubstanciado,
assinando ilegalidades. Rejeitado por entidades de engenheiros, arquitetos, urbanistas e
ambientalistas, de várias matizes.

JÁ – O senhor mencionou a questão das aéreas de risco, este mapeamento tem que fazer parte
do Plano Diretor?
ADELI – Entre os vários debates suscitados para a elaboração de novos Planos Diretores e suas
reformulações, após os eventos e infortúnios climáticas de 2023 e 2024 no Rio Grande do Sul, aquele que desponta é a obrigatoriedade legal de constar no Plano Diretor o Mapa de Risco dos eventos climáticos.
Vou repetir: o mapa é obrigatório.
Juristas têm apontado para a necessidade dos Planos Diretores seguirem o ordenamento jurídico pátrio, a começar pela Constituição Federal e pelo Estatuto da Cidade.
Alertam eles, como os urbanistas que a regularização do uso e ocupação do solo são matérias que só podem constar na lei do Plano Diretor e jamais em lei municipal separada do mesmo.
Vou enfatizar: planejamento urbano é um instituto jurídico previsto na Constituição Federal de 1988 e regulamentado no Estatuto da Cidade.
Dito isto, no caso específico de Porto Alegre, a minuta do poder executivo, apresentada à Câmara Municipal, não contém quaisquer elementos das áreas de rico. Não é
porque não os tenha. Pelo contrário, pois o mapa foi entrega à Prefeitura Municipal de Porto
Alegre em 2023, portanto antes das inundações de maio de 2024.
Talvez o medo de “réu confesso” tenha feito o Executivo optar por mais uma manobra, mas que não passou dos olhos atentos dos órgãos de fiscalização de controle, como foi o caso da nota expedida pelo Ministério Público Estadual.
JÁ – O senhor poderia explicitar esta questão legal, formal, o que deve ter no Plano Diretor,
pois os leigos não fazem ideia, não é?
ADELI – O Plano Diretor é um instrumento legal fundamental para o planejamento e desenvolvimento urbano “de um município”. “De um município” quer dizer de todo o seu território. A finalidade é óbvia: planejar (por isso “plano”) e se é “pano diretor” quer dizer que
é um documento legal que vai direcionar o futuro local.
Aqui, os gestores atuais optaram por dividir o planejamento urbano em duas leis: a lei
do plano diretor e a lei de uso ocupação do solo. Não há vedação, em princípio, para essa cisão, segundo um documento orientador do Ministério Público Estadual.

E o Ministério Público no documento citado, enviado ao prefeito, é claro quando diz que, “entretanto, as minutas preparadas pelo Poder Executivo Municipal incorrem no
equívoco de regular na lei de uso e ocupação do solo matérias que só podem constar na lei do
plano diretor”.
Lendo e estudando o Direito Brasileiro, vamos ter a certeza que não há margem para
tergiversações.

O planejamento urbano, vou repetir, é um instituto jurídico previsto na Constituição
Federal de 1988 e regulamentado no Estatuto da Cidade.
A Constituição previu que o planejamento urbano deve ser feito por meio do Plano Diretor. O que deve constar na lei do plano diretor não pode estar em outra lei, sob pena de invalidade. Há na proposta claro vício de inconstitucionalidade.
A lei do Plano Diretor deve ser um documento único, abrangente, coerente e igualitário que trate do planejamento urbano na totalidade do Município.

JÁ – Nos acompanhamos este tema desde sempre, e não tinha um plano do Centro e um do IV
Distrito?
ADELI – Pois então, nós já tínhamos apontado como errôneo nos chamados “planos” de duas
regiões, repetindo: Centro Histórico e IV Distrito.
Ademais, deve ser feito num processo legislativo que promova a participação, a reflexão e a deliberação de toda a população local sobre o planejamento da política urbana.
Neste sentido, é uma afronta uma única audiência pública para toda a cidade, um espaço urbano tão díspar como é a capital Porto Alegre.
Se a cidade tem oito regiões de planejamento urbano deveríamos ter no mínimo oito audiências preliminares, uma por cada região de planejamento. E outros por segmentos, para analisar os corredores ecológicos, econômicos, culturais etc. A implementação prática dos
corredores será assegurada por meio de diversas ações e instrumentos.
O Poder Executivo municipal fragmentou o planejamento urbano do ponto de vista territorial. O artigo 40, § 2º, do Estatuto da Cidade, prescreve que “O plano diretor deverá
englobar o território do Município como um todo”. Apesar disto, o Poder Executivo apresentou um Plano Diretor que não engloba nem o Bairro Arquipélago, composto pelas ilhas do Lago Guaíba, e tampouco a zona rural, definida em lei. Ou seja, fragmentou-se o planejamento urbano ao deixar de fora territórios, em evidente afronta à norma legal.
JÁ – Desculpa, mas temos que voltar ao tema do clima, poderia nos explicar mais? Então, sem
o mapa das áreas de risco o Plano Diretor não só ficaria capenga, como não teria base legal?
ADELI – É intolerável esta posição de omissão dos gestores locais, pois está sendo desvirtuado
o § 1º do artigo 1º da própria minuta de Plano Diretor prevendo que “O PDUS (plano
diretor urbano sustentável) abrange a totalidade do território do município”, enunciado e
depois desconsiderado ao longo da minuta.
Em maio de 2024, a cidade ficou inundada. Mas a enchente para as mentes opacas
locais não ensinou nada. Acham que Porto Alegre não vai ser atingida pelos efeitos da extrema
vulnerabilidade climática.

O Estatuto da Cidade (Lei Federal nº 10.257, de 2001) foi alterado pela Lei nº 12.608, de 2012, que instituiu a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil, vale dizer, o marco legal de enfrentamento a desastres no país.
Essa lei introduz no Estatuto da Cidade o importante artigo 42-A, que contém disposições dirigidas à elaboração e à revisão dos planos diretores de Municípios com áreas suscetíveis a desastres. Essas disposições preveem medidas que procuram garantir a vida, a
integridade física, a segurança e a propriedade dos habitantes de áreas sujeitas a eventos extremos.
Não há mapeamento de áreas de risco e sua inserção no texto do plano, razão por que a sua política de parcelamento, uso e ocupação do solo não tem base em qualquer mapa de risco hidrológico e geotécnico. Também não há previsão de medidas de drenagem urbana, indispensáveis para uma cidade afetada.
Logo, afirmo que não se trata apenas de um Plano Diretor capenga, mas ilegal. Será contestado por algum estudante de Direito interessado em Direito Urbanístico.

JÁ – Temos lido muita gente questionando as alturas, ouvimos que o Plano opta por adensamentos, poderia nos explicar isto?
ADELI – Vejam vocês que em maio de 2024, o Bairro Farrapos e o IV Distrito ficaram
inundados. Agora, a Prefeitura quer um Plano Diretor com prédios de até 130 metros de altura nesta região. Lembrando que no IV Distrito a restrição do Plano de 1999 era de 33 metros. Atualmente, podem chegar a 52.
O que mudou para melhor na região? A proteção contra as cheias piorou, por deterioração e falta de conservação. Obras viárias continuam precárias, as conexões do
transporte público são uma piada.
O Ministério Público, vamos sempre voltar ao documento deste órgão, fiscal da lei, encaminhou vasto estudo à prefeitura, apontando falhas jurídicas, como a falta de mapeamento de áreas de risco, regramento genérico e risco à participação popular restrita a apenas uma audiência pública.
A proposição vira as costas ao Estatuto da Cidade, já que ali se lê que o plano diretor é um dos instrumentos previstos e que deve considerar a análise de riscos climáticos e a vulnerabilidade das áreas urbanas, orientando ações de planejamento e gestão urbana para
promover a adaptação e mitigação dos efeitos das mudanças climática.
O Ministério Público aponta esta lacuna, portanto começa a “fazer água” antes da realização de UMA audiência pública.

Sempre falamos em audiências públicas (no plural), pois se prestam para debater temas relevantes, obter informações de especialistas e da sociedade civil, e subsidiar decisões e políticas públicas.
Como num sábado do Auditório Araújo Vianna vamos ouvir as mais de mil vozes que
querem falar? Quantos vão poder fazer? Poucos, aqueles de sempre.
Neste espaço, a dona Maria que perdeu tudo na Vila Farrapos não poderá ir, tem que pegar dois ônibus.
Quem falará pelos comerciantes do IV Distrito, os que labutam ali desde tempos ou algum “representante” que vai choramingar porque não conseguiu isto ou aquilo?
Sou obrigado mais uma vez repetir: no mínimo, deveríamos ter a garantia de oito
audiências preliminares, um por cada região de planejamento. E outros por segmentos, para
analisar os corredores ecológicos, econômicos, culturais etc. A implementação prática dos
corredores será assegurada por meio de diversas ações e instrumentos.
Não é apenas o MP que contesta o Plano com um vasto material, o CAU/RS também. Leio por todos os lados as contestações de profissionais do urbanismo.
Um Plano como o proposto é oriundo de mentes opacas, cujo resultado será uma cidade opaca, sem luz.
A proposição do “adensamento construtivo”, especialmente por meio da verticalização
de prédios é uma ideia equivocada; pois não produz, necessariamente, adensamento
populacional, que é efetivamente a diretriz que interessaria ‘ao bem-estar dos habitantes da
cidade’”.
Como falar em adensamento para uma cidade de 1.346.000 habitantes, tendo 101.000
unidades habitacionais, comerciais e industriais devolutas.
Concomitantemente à revisão este tema deveria ser um dos focos da reorganização político-administrativa da cidade, para sair do precipício econômico a suestamos sendo levados, com a perda de 76 mil habitantes do Censo de 2010 a 2022. Ninguém fala do êxodo depois da enchente.
O Plano Diretor, antes de começar a andar, faz água por todos os lados, e isto que as tormentas de críticas só começaram.
JÁ – O senhor que já foi vereador por tantos anos, acha que a Câmara poderia corrigir estas
questões legais e também mexer na proposta governamental?
ADELI – “Ex” é “ex”, né, sempre soa um pouco como “dor de cotovelo”, estas coisas que vão achar de qualquer coisa que eu vá falar, mas quem me conhece sabe que sei muito, conheço muito não só de Porto Alegre, é que eu conheço esta cidade de ponta a ponta, pesquiso sobre
ela, escrevo sobre nossa capital. Eu não tenho muito confiança não. Acho que a maioria está
capturada pelo governo.

Creio que sou ainda um pouco ingênuo, mas eu achava algo bem melhor vindo do prefeito, porque ele era presidente da Câmara eu seu vice e fizemos um grande Seminário sobre a cidade. Uma pena, acho que ele esqueceu disto tudo. Pensei que ele pudesse chamar alguns ex-vereadores, ex-secretários de várias matizes
para escutar. Perdeu o senhor prefeito uma grande oportunidade, pois nós não somos sectários, abominamos “a política do quanto pior, melhor”, que infelizmente alguns pregam.

to, porque ele era presidente da Câmara eu seu vice e fizemos um grande Seminário
sobre a cidade. Uma pena, acho que ele esqueceu disto tudo.
Pensei que ele pudesse chamar alguns ex-vereadores, ex-secretários de várias matizes
para escutar. Perdeu o senhor prefeito uma grande oportunidade, pois nós não somos
sectários, abominamos “a política do quanto pior, melhor”, que infelizmente alguns pregam.