Carlos Souza, jornalista.
Um novo e inusitado espaço cultural oferece à população e turistas que visitam Porto Alegre uma conjugação de fatores positivos e benéficos neste momento de crise sanitária e de ameaças de retrocesso político: ar livre, exposição de arte 24 horas por dia, gratuidade, possibilidade de total despojamento dos frequentadores.
Trata-se da Galeria Escadaria, espaço de arte instalado – como diz o próprio nome – em das quatro escadarias do icônico Viaduto Otávio Rocha, inaugurado em 1932 e tombado pelo município em 1988, no Centro Histórico da capital gaúcha. A escadaria em questão fica do lado direito da Avenida Borges de Medeiros para quem sobe da Rua da Praia, a principal da cidade, em direção à Duque de Caxias.
O produtor cultural e fotógrafo Marcos Monteiro acredita que a Escadaria é a única galeria a céu aberto no país. Ele criou o espaço, de 40 metros de extensão, fixando uma estrutura de metal na parede de um dos edifícios contíguos à escadaria, com a concordância e pagamento de taxa ao condomínio. O espaço expositivo é vigiado por uma câmera de segurança. Nunca houve roubo, vandalismo ou qualquer outra ocorrência. “O pessoal respeita a arte, sabe que é algo belo feito para todos”. Por uma graça arquitetônica, há na construção do prédio um pequeno avanço que faz as vezes de marquise e ajuda a proteger as obras da chuva.
De Erico a Caio, passando por Lya
Este mês de outubro trouxe uma novidade ousada, a exposição de pinturas em telas por um grupo de 18 artistas visuais, entre os quais alguns dos mais reconhecidos do Estado. Eles apresentam retratos de 26 escritores marcantes da literatura gaúcha. A mostra “Autorias”, de 1º a 31, seduziu a tradicional Feira do Livro de Porto Alegre que, na 67ª edição (de 29 de outubro e 15 de novembro) incorporou-a como evento prévio de sua programação. Até então, de março passado para cá, haviam sido realizadas na Escadaria exposições mensais de fotografias, as quais foram impressas e adesivadas em placas de PVA.

A artista Graça Craidy, organizadora a participante de Autorias, justifica a homenagem aos escritores no texto de apresentação da exposição: “O que seria de um povo se, entre sua gente, não surgissem prosadores dos seus enredos, mapeadores dos seus anseios, tradutores dos seus delírios, derrotas, renascimentos, paixões? A história de um povo é, também, além dos fatos, a história da sua imaginação. Nossa homenagem é para eles, os narradores da alma rio-grandense”.
O ex-secretário da Cultura Sergius Gonzaga, que falou na abertura oficial, no dia 2, disse que a galeria recupera um espaço “maravilhoso” para a cidadania no Centro, que “é um dos mais lindos do país” entre as capitais. Professor de Literatura, ele acrescentou que a mostra homenageia escritores que falaram direta ou indiretamente de Porto Alegre.
Todos os autores vivos homenageados saudaram a iniciativa em mensagens aos artistas. Puderam comparecer e o fizeram pessoalmente: Marô Barbieri, que falou em público na abertura agradecendo pelos demais que estiveram na Escadaria: Fernanda Bastos, Cíntia Moscovich, Lélia Almeida, Leticia Wierzchowski, Martha Medeiros, Claudia Tajes e Jane Tutikian. Também prestigiaram a exposição familiares de Simões Lopes Neto, de Carol Bensimon, de Caio Fernando Abreu, de João Gilberto Noll e de Oliveira Silveira.
Por meio de mensagem à Graça Craidy, Assis Brasil disse: “Parabéns pela iniciativa que vem reunir duas áreas artísticas tão próximas e dialogantes. É uma grande honra participar, contando com seu traço persuasivo e raro”. E Cíntia Moscovich acrescentou: “Quando a arte encontra a arte, a gente só celebra”.
Programa de pai, filho e amigos
Em meio ao feriadão do dia 12, o representante comercial Henrique Schmitt, de 56 anos, tomou conhecimento da exposição lendo notícia na Internet. Não hesitou em convidar o filho Artur e dois amigos dele, Lucas e Gustavo, todos de 16 anos, para conhecerem a exposição. Pai, filho e amigos viajaram 45 km desde Novo Hamburgo para contemplar obras de arte sobre as arcadas do antigo viaduto. Leitor “voraz”, Schmitt foi atraído pela temática da mostra e pelo inusitado da galeria no viaduto, cuja construção, para ele, “também é uma obra de arte”. Em uníssono, o quarteto disse que o programa valeu a pena.
O sucesso da Escadaria, que se consolida como novo point artístico e atrai para as artes visuais um público que não costumava frequentar museus e galerias tradicionais, valeu ao produtor cultural Marcos Monteiro uma homenagem da Câmara de Vereadores por incentivo à cultura e humanização do Centro. E ele recebeu a distinção na Escadaria, no meio de artistas e apreciadores das artes visuais.
Os artistas e os escritores homenageados
Beatriz Balen Susin (Luiz Antonio de Assis Brasil e Maria Carpi)
Bernardete Conte (Simões Lopes Neto)
Emanuele de Quadros (Luisa Geisler)
Erico Santos (Lya Luft e Moacyr Scliar)
Gilmar Fraga (Carol Bensimon e Erico Verissimo)
Graça Craidy (Dyonélio Machado e Marô Barbieri)
Gustavo Burkhart (Luis Fernando Verissimo)
Gustavo Schossler (Fernanda Bastos)
Gustavot Diaz e Ise Feijó (Caio Fernando Abreu)
Helena Stainer (Cíntia Moscovich e Cyro Martins)
Liana d’Abreu (Lélia Almeida)
Liana Timm (Eliane Brum e Mario Quintana)
Mariza Carpes (Leticia Wierzchowski)
Nara Fogaça (Martha Medeiros e Josué Guimarães)
Pena Cabreira (Claudia Tajes e João Gilberto Noll)
Thiago Quadros (Sergio Faraco)
Uiratan Fernandes (Jane Tutikian e Oliveira Silveira)
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