No livro “Os condenados da terra”, Frantz Fanon (1925/1961) escreve que a colonização sempre é um processo violento e que desumaniza o colonizado, negando-lhe seu passado, sua essência e seus valores. “O colonialismo não é uma máquina de pensar, não é um corpo dotado de razão. É a violência em estado de natureza.”
O governo de Jair Bolsonaro chegou ao requinte de tentar um retorno ao século XVIII, colonialismo raiz. Mesmo com a vitória de Lula, a boiada teima em querer passar.
O plenário da Câmara dos Deputados, dominado por políticos ultraconservadores, aprovou a Medida Provisória 1150/22, editada ainda no governo Bolsonaro, que originalmente tratava somente da prorrogação por 180 dias do prazo para que proprietários ou posseiros de imóveis rurais aderissem ao Programa de Regularização Ambiental (PRA). A MP será enviada à sanção presidencial, que poderá tanto sancioná-la quanto vetá-la. Caberá ao Congresso Nacional deliberar sobre o veto e, assim, concluir o processo de tramitação da matéria.
A Medida Provisória altera a Lei nº 12.651, publicada em 25 de maio de 2012, período da presidenta Dilma Rousseff, e dispõe sobre a proteção da vegetação nativa, a fim de compatibilizar a realidade fática dos processos de regularização ambiental com o prazo de 180 dias para adesão aos programas de regularização ambiental, por parte de possuidores e proprietários de imóveis rurais, em todo o território nacional.
Na quarta-feira (24), os deputados aprovaram parcialmente uma emenda do Senado. Uma das alterações prevê que o novo prazo, de um ano, contará a partir da notificação pelo órgão ambiental – e não a partir da convocação, como constava no texto da Câmara. A emenda determina ainda que o órgão ambiental realizará previamente a validação do cadastro e a identificação de passivos ambientais.
A pedido de ruralistas, o prazo foi prorrogado pela sexta vez com a edição da MP – o que suspendeu multas por desmatamento ilegal, e adiou o início do reflorestamento das áreas afetadas.
Do que estamos falando? A criação dos programas Cadastro Ambiental Rural (CAR) e de Regularização Ambiental tem um objetivo na Lei de Proteção de Vegetação Nativa (LPVN), nº 12.651/2012: permitir a regularização dos imóveis rurais, ou seja, dar oportunidade para que os proprietários ou posseiros de imóveis rurais pudessem cumprir a Lei.
A partir do cadastro no CAR, deveria iniciar o processo de regularização de seus imóveis rurais e continuaria com o PRA, pelo qual os proprietários teriam direito a perdão de multas e possíveis flexibilidades para recomposição de áreas ocupadas anteriormente a 22 de julho de 2008.
O CAR é um registro eletrônico obrigatório para todos os imóveis rurais, cuja finalidade é integrar as informações ambientais referentes à situação das Áreas de Preservação Permanente (APP), das áreas de Reserva Legal, das florestas e dos remanescentes de vegetação nativa, das Áreas de Uso Restrito e das áreas consolidadas das propriedades e posses rurais do país.
O Programa de Regularização Ambiental compreende um conjunto de ações e iniciativas que devem ser desenvolvidas por proprietários/possuidores de imóveis rurais para a adequação e promoção da regularização ambiental de seus imóveis.
É interessante perceber as mudanças de ministérios do CAR desde sua criação. Como ferramenta criada com o Código Florestal, inicialmente ficou sob cuidados do Serviço Florestal Brasileiro (SFB). No governo de Jair Bolsonaro, o serviço passou ao Ministério da Agricultura e, agora, no governo Lula, voltou ao Ministério do Meio Ambiente.
Na noite de quarta-feira (24), os parlamentares da Comissão Mista aprovaram o relatório do deputado Isnaldo Bulhões Jr (MDB-AL) sobre a Medida Provisória que definia a estrutura do novo governo do presidente Lula. No relatório, o CAR passaria a estar vinculado ao Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, cuja a ministra Esther Dweck é do PT.
Mata Atlântica
Os parlamentares incluíram na Medida Provisória que altera a Lei nº 12.651 mudanças propostas pelo relator, deputado ruralista Sérgio Souza (MDB-PR). Souza, que é presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária, inseriu trechos que alteram e afrouxam a Lei da Mata Atlântica (Lei 11.428/2006).
Sergio Souza não considerou as impugnações feitas pelo Senado sobre artigos que tratavam de supressão de vegetação na Mata Atlântica. Essas emendas acabaram rejeitadas pela Câmara, que restaurou o texto anterior dos deputados.
O texto aprovado altera a Lei da Mata Atlântica (Lei 11.428/06) ao permitir o desmatamento quando da implantação de linhas de transmissão de energia elétrica, de gasoduto ou de sistemas de abastecimento público de água, sem necessidade de estudo prévio de impacto ambiental (EIA) ou compensação de qualquer natureza. Será dispensada ainda a captura, coleta e transporte de animais silvestres, garantida apenas sua afugentação.
Entre 2020 e 2021, período do governo Bolsonaro, foram desmatados 21.642 hectares (ha) da Mata Atlântica, um crescimento de 66% em relação ao registrado entre 2019 e 2020 (13.053 ha) e 90% maior que entre 2017 e 2018, quando se atingiu o menor valor de desflorestamento da série histórica (11.399 ha). A perda de florestas naturais, área em que caberiam mais de 20 mil campos de futebol, corresponde a 59 hectares por dia ou 2,5 hectares por hora, além de representar a emissão de 10,3 milhões de toneladas de CO2 equivalente na atmosfera. As informações são do Atlas da Mata Atlântica, estudo realizado desde 1989 pela Fundação SOS Mata Atlântica em parceria com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE)
Outros pontos que serão mudados na lei:
– Vegetação secundária em estágio médio de regeneração poderá ser derrubada para fins de utilidade pública mesmo quando houver alternativa técnica ou de outro local para o empreendimento;
– Dispensa da anuência prévia de órgão ambiental estadual e a autorização passa a ser exclusivamente de órgão ambiental municipal para o corte de vegetação no estágio médio de regeneração situada em área urbana;
– O parcelamento do solo para loteamento ou edificação em área de vegetação secundária em estágio médio de regeneração na Mata Atlântica poderá ocorrer com autorização de órgão municipal e não precisará mais ser prévia;
– A compensação ambiental para a derrubada de vegetação primária ou secundária nos estágios médio ou avançado de regeneração na Mata Atlântica poderá ocorrer em município vizinho e, quando envolver área urbana, também com terrenos situados em áreas de preservação permanente;
– O corte ou exploração de vegetação secundária em estágio inicial de regeneração na Mata Atlântica poderá ser autorizado também por órgão municipal competente.
– Zona de amortecimento e corredores ecológicos em unidades de conservação, quando situadas em áreas urbanas definidas por lei municipal, passam a ser dispensados.
– No caso de rios urbanos, o texto dispensa consulta a conselhos estaduais, municipais ou distrital de meio ambiente para definir o uso do solo em faixas marginais ao longo de qualquer corpo hídrico. Hoje, a lei permite a adoção de faixas de proteção mais estreitas que as estipuladas pelo Código Florestal (Lei 12.651/12).
Com agências Câmara de Notícias, Brasil e Globo