Associações e pesquisadores defendem legalização do plantio da cannabis

Representantes de associações da sociedade civil e pesquisadores defenderam a legalização do plantio da cannabis sativa para uso medicinal, em audiência na Comissão de Direitos Humanos, Minorias e Igualdade Racial da Câmara dos Deputados, nesta quinta-feira (29).

A Comissão especial da Câmara já aprovou o Projeto de Lei 399/15, de Fábio Mitidieri (PSD-SE), atual governador do estado de Sergipe, que prevê autorização para o plantio da cannabis no Brasil destinada à produção de medicamentos para tratamentos de doenças como epilepsia, esclerose múltipla, Alzheimer e Parkinson, para atenuar dores crônicas, ajudar contra os efeitos colaterais de quimioterapia e uso veterinário e industrial. Foi apresentado recurso para que o projeto seja analisado pelo Plenário da Câmara antes de seguir para o Senado. O agronegócio brasileiro está apoiando o projeto de lei.

O impacto global da cannabis e do cânhamo, segundo a Merida, tem potencial de atingir o fantástico montante de US$ 1 trilhão até 2027. O cálculo é feito levando-se em conta todas as vendas de cannabis e seus derivados, produtos de canabidiol (CBD) à base de cânhamo, atividades auxiliares relacionadas e os investimentos para regular as indústrias, entre tantos outros fatores. A Merida Capital Holdings é uma empresa dos EUA de private equity voltada para os principais impulsionadores de crescimento que sustentam o rápido desenvolvimento da indústria da cannabis.

O presidente da Associação Nacional do Cânhamo Industrial, Rafael Arcuri, considera “irracional” a situação da cannabis medicinal no Brasil, do ponto de vista regulatório, econômico e de política nacional. Ele ressaltou que há diferentes formas de acesso ao medicamento hoje, inclusive pelo Sistema Único de Saúde (SUS) em vários estados, mas há proibição expressa do cultivo.

“Podemos de diferentes formas importar, a gente pode produzir, vender, temos uma indústria se estabelecendo, um comércio cada vez mais forte, que cresce 100% ao ano, de cannabis medicinal, mas não temos a possibilidade de produção nacional desses insumos”, afirmou.

Rafael Arcuri lembrou que os Estados Unidos, por exemplo, já legalizaram desde 2018 em nível federal a produção do cânhamo industrial – ou seja, a cannabis com baixo teor de THC, que é a maior fonte de insumo para os medicamentos de cannabis vendidos no Brasil hoje. Na América Latina, o Brasil é um dos poucos países que não legalizaram o plantio para fins medicinais. Na Argentina, Equador, Uruguai, Colômbia, por exemplo, o cultivo já é legal. Segundo ele, a experiência de outros países mostra que a legalização só traz benefícios econômicos, industriais e para a saúde pública.

A deputada Sâmia Bomfim (Psol-SP), que pediu o debate, lembrou que hoje alguns pacientes conseguem acesso ao medicamento importado pelo SUS, após judicializar a questão, trazendo um custo elevado para o sistema. “Por que não o Brasil, que tem condição, tem capacidade de ter uma autossuficiência inclusive na produção, pegando a expertise que muitas associações desenvolveram no Brasil?”, questionou. “Acho que são muitos temas que o Parlamento precisa enfrentar”, avaliou. Ela quer tentar agendar uma reunião com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), para sensibilizá-lo para o tema, além de recolher assinaturas para uma frente parlamentar sobre o assunto. A deputada Fernanda Melchionna (Psol-RS) acredita que a discussão sobre a liberação do plantio está capturada por interesses internacionais.

Coordenador-geral de Atenção Especializada do Ministério da Saúde, Rodrigo Cariri de Almeida, lembrou que hoje há 28 projetos de lei em análise no Congresso Nacional que tratam da matéria, que não vinham sequer sendo discutidos pelo ministério no governo passado. Segundo ele, agora o órgão passará a analisar esses projetos, além de discutir a incorporação em âmbito nacional desses medicamentos no SUS, o que significa também rever protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas.

O desafio, segundo ele, é incorporar não apenas uma substância para uma determinada condição clínica, mas uma planta com várias formulações possíveis e várias possibilidades de resposta clínica possível. Para isso, é preciso discutir custos, o financiamento, a produção e o plantio.

Para o neurocientista, biólogo e professor titular do Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Sidarta Ribeiro existem algumas razões para a demora na legalização do plantio da cannabis no Brasil, como o pânico moral da sociedade brasileira com a maconha e os conflitos econômicos diretos. “Por que existe monopólio na importação de óleo terapêutico de cannabis no Brasil? Porque a indústria quer monopolizar todo o mercado mesmo que muita gente fique de fora dele, mesmo que muita gente não possa ter nenhum acesso”, disse.

Professor do Departamento de Química da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Diogo de Oliveira Silva, ressaltou que as universidades podem dar suporte técnico-científico para o Ministério da Saúde para o uso da cannabis medicinal, por exemplo, para analisar a composição dos óleos produzidos pelas associações produtoras.

O Ministério da Justiça defendeu a autorização para o cultivo da cannabis medicinal em parecer enviado ao Superior Tribunal de Justiça no dia 29 de março passado. O documento foi protocolado no âmbito de uma ação que pede a liberação para cultivar, vender e explorar a substância com fins terapêuticos. A nota técnica foi assinada por Marta Machado, secretária nacional de Política sobre Drogas.

Em abril passado também o Senado discutiu o uso medicinal da Cannabis. O médico e diretor técnico da Clínica Renasce, Renan Abdalla, afirmou que a Cannabis não se resume ao canabidiol apenas. “Não podemos trazer o canabidiol como uma molécula isolada. A limitação de trazer um produto com THC [delta-9 tetrahidrocanabinol] para o Brasil é muito maior. Precisamos usar o máximo que a planta nos oferece.”

Os defensores da legalização para uso recreativo afirmam que há drogas sendo vendidas legalmente em padarias, supermercados e farmácias. Eles alegam que a maconha já é amplamente vendida nas esquinas das ruas. O mercado existe e a repressão contra o uso da maconha é a causa de crimes mais perigosos para a sociedade.

Nos Estados Unidos, Canadá, Espanha, Portugal, Holanda, Austrália e Uruguai, já existem leis mais permissivas em relação à venda e ao uso da maconha. Muitos querem o mesmo no Brasil.

Com as agências de notícias da Câmara dos Deputados e Senado