Durante a cúpula do Mercado Comum do Sul (Mercosul) em Puerto Iguazú, na Argentina, na quarta-feira (4), os presidentes do Uruguai e do Paraguai, Luis Lacalle Pou e Mario Abdo Benítez criticaram o regime da Venezuela. Além disso, cobraram uma posição clara do bloco em relação ao tema.
Essa pauta é obviamente de interesse dos Estados Unidos, contrários a qualquer projeto que una os países da América Latina e Caribe. Os governos conservadores do Uruguai e Paraguai se prestam a esse papel constrangedor de defensores do imperialismo na região. O importante é que eles são minoria no bloco.
Os números mostram que as trocas dentro do Mercosul se multiplicaram em sete vezes desde sua criação, evoluindo de US$ 4,5 bilhões em 1991 para US$ 40,6 bilhões em 2021. Em 2022, o intercâmbio intra-Mercosul somou US$ 46 bilhões. “Não é pouco, mas está abaixo do auge registrado em 2011, de 52 bilhões de dólares. Estamos aquém do nosso potencial”, comentou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante o seu discurso.
Nos últimos dez anos, a média do comércio entre os países do bloco tem girado em torno de US$ 39 bilhões. Por sua vez, o intercâmbio comercial do Mercosul com o mundo em 2021 foi de US$ 598 bilhões (dos quais US$ 338 bilhões em exportações). Os principais destinos das vendas do Mercosul foram China, Estados Unidos e Países Baixos.
O Mercosul é o principal receptor de investimentos estrangeiros na região. Segundo os últimos dados disponíveis na Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad), o Mercosul recebeu, em 2021, 44% dos investimentos estrangeiros diretos na América Latina e Caribe e 67% dos investimentos estrangeiros diretos na América do Sul.
No entanto, é preciso reconhecer que em relação a agenda externa de negociações por acordos de livre comércio com outros blocos e países, os últimos quatro anos não tiveram avanços no âmbito do Mercosul.
A pandemia teve parcela de culpa, mas é preciso promover a inserção internacional atualizada e abrangente do bloco. Entre as negociações que não foram concluídas estão envolvidos os acordos com a União Europeia e países da Associação Europeia de Livre Comércio, Canadá, Coreia do Sul, Líbano, Indonésia, Vietnã e Reino Unido.
Lula promete revisar e avançar nos acordos em negociação com Canadá, Coreia do Sul e Singapura. “Vamos explorar novas frentes de negociação com parceiros como a China, a Indonésia, o Vietnã e com países da América Central e Caribe. A proliferação de barreiras unilaterais ao comércio perpetua desigualdades e prejudicam os países em desenvolvimento.”
O Uruguai defende que cada país negocie acordos comerciais, sem que isso ocorra com o bloco inteiro. Lacalle Pou disse que já são 25 anos de negociações com a União Europeia, “o que não é lógico no mundo moderno”. O problema é que sozinho o país perde poder de negociação num mundo repleto de blocos no Ocidente e na Eurásia.
Brasil no comando
O presidente Lula assumiu a presidência temporária do Mercosul pelos próximos seis meses durante a 62ª Cúpula do bloco, na Argentina. A liderança rotativa é uma regra desde a criação, em 1991. O comando se reveza entre os quatro países a cada semestre.
Durante a posse, Lula disse que nenhum país resolverá seus problemas sozinho, nem pode permanecer alheio aos grandes dilemas da humanidade. “Não temos alternativa que não seja a união.”
Lula entende que fortalecer o Mercosul significa contar com a participação de todos os membros. “Temos urgência para o acesso da Bolívia como membro pleno e trabalharei pessoalmente por sua aprovação no Congresso brasileiro. Embora já tenhamos uma área de livre comércio de fato com nossos vizinhos sul-americanos, há espaço para ampliar e aprimorar os acordos comerciais com Chile, Colômbia, Equador e Peru.”
Com Dilma Rousseff à frente do Banco dos BRICS, novos horizontes se abrem para o Mercosul reduzir as assimetrias dos seus membros, conforme Lula.
Na vertente econômica e comercial, Lula afirmou que pretende aperfeiçoar a Tarifa Externa Comum e evitar que barreiras não tarifárias comprometam a fluidez do comércio. “Nosso comércio se caracteriza pela presença significativa de produtos de maior valor agregado. Esse é um ativo que precisa ser valorizado e ampliado.”
Salientou que existe uma agenda inacabada com dois setores ainda excluídos do livre comércio: o automotivo e o açucareiro. E que buscará, também, concluir a oitava rodada de liberalização do comércio de serviços.
Lembrou que a região conta com expressivas reservas de minerais estratégicos, como lítio e cobalto, que são essenciais para projetos industriais de última geração.
Lula voltou ao tema da adoção de uma moeda comum para realizar operações de compensação entre os países do bloco, que contribuirá para reduzir custos e facilitar ainda mais a convergência. “Falo de uma moeda de referência específica para o comércio regional, que não eliminará as respectivas moedas nacionais.”
O Presidente reforçou que está comprometido com a conclusão do Acordo com a União Europeia, “que deve ser equilibrado e assegurar o espaço necessário para adoção de políticas públicas em prol da integração produtiva e da reindustrialização”.
Segundo ele, o Instrumento Adicional apresentado pela União Europeia em março deste ano é inaceitável. “Parceiros estratégicos não negociam com base em desconfiança e ameaça de sanções. É imperativo que o Mercosul apresente uma resposta rápida e contundente.”
Para Lula, é inadmissível renunciar ao poder de compra do estado – um dos poucos instrumentos de política industrial que restam. “Não temos interesse em acordos que nos condenem ao eterno papel de exportadores de matérias-primas, minérios e petróleo.
O Mercosul precisa, conforme ele, de políticas que contemplem uma integração regional profunda, baseada no trabalho qualificado e na produção de ciência, tecnologia e inovação. “Isso requer mais integração, a articulação de processos produtivos e na interconexão energética, viária e de comunicações.”
Lula finalizou seu discurso afirmando que só a unidade do Mercosul, da América do Sul e da América Latina e do Caribe nos permitirá retomar o crescimento, combater as desigualdades, promover a inclusão, aprofundar a democracia e garantir nossos interesses em um mundo em transformação.