Brasil exporta alimentos e sua população passa fome

Depois de sair do mapa da fome da ONU, em 2013, estamos de volta ao mesmo patamar de insegurança alimentar do início dos anos 2000, final do governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Hoje, cerca de 10% dos brasileiros não têm o que comer, ou seja, 21,4 milhões de pessoas. E esse número está aumentando devido aos reajustes de energia, derivados do petróleo, exportação de alimentos sem a manutenção de estoques reguladores, que deveriam estar sob controle do governo federal e não nas mãos do mercado.

A mediana das projeções do mercado para o crescimento da economia brasileira voltou a cair, de 4,88% para 4,80% em 2021. Um número falsa baiana, porque comparado com 2020, quando a economia estava paralisada pela pandemia. Já a previsão do Produto Interno Bruto (PIB) para 2022 mostra estagnação, caindo de 0,93% para 0,70%, conforme o Relatório Focus, do Banco Central (BC), divulgado nesta segunda-feira (22).

A indústria brasileira continua definhando, com o setor encerrando o terceiro trimestre com retração de 1,7% e nos últimos quatro meses, até setembro, uma perda acumulada de 2,6%. Entre as razões, estão a demanda fraca, alta dos juros e desaceleração da economia.

Dados divulgados na sexta-feira (19) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram uma queda generalizada da renda no país. O rendimento médio mensal do brasileiro teve queda recorde em 2020 e atingiu o menor valor desde 2012.

De acordo com o IBGE, o rendimento mensal médio real de todas as fontes no país passou de R$ 2.292 em 2019 para R$ 2.213 – valor mais baixo desde 2013, quando era estimado em R$ 2.250 (já descontada a inflação do período). Este recuo corresponde a uma queda de 3,4%, a mais intensa da série histórica da pesquisa iniciada em 2012.

Inflação e a renda real

Para o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), a mediana das projeções em 2021 subiu de 9,77% para 10,12%. Em 2022, também sobe de 4,79% para 4,96%.

A inflação é fundamentalmente uma luta entre grupos pela redistribuição da renda real. A elevação do nível de preços é apenas uma manifestação exterior desse fenômeno, conforme Celso Furtado, em seu livro clássico Formação Econômica do Brasil.

Isso significa que a inflação beneficia as camadas que podem repassar seus custos, ao contrário do assalariado, ainda mais num país com milhões de desempregados.

Juros de dois dígitos

Nesse cenário desolador, o Comitê de Política Monetária (Copom) elevou a taxa básica de juros em 1,5 ponto percentual, para 7,75% ao ano, na reunião do fim de outubro. Além disso, sinalizou nova alta de 1,5 ponto percentual para a próxima reunião, que acontece nos dias 7 e 8 de dezembro. O Relatório da Focus segue o Copom, prevendo a taxa básica de 9,25% em 2021. E a previsão do mercado para 2022 é de 11,25%.

A atitude da mídia corporativa de legitimar a decisão do Banco Central de aumentar a taxa básica de juros com o argumento de segurar a inflação é vergonhosa. É uma obviedade para qualquer estudante de economia no primeiro semestre da faculdade que o aumento da taxa de juros faria sentido quando a alta de preços fosse resultado de forte consumo, que não é o caso.

Para o economista André Lara Rezende, um dos pais dos planos Cruzado e Real, a alta de preços é resultado de gargalos específicos. “Por isso, é altamente questionável e equivocada a ideia que se consiga combater a inflação com a alta dos juros”, disse em entrevista ao jornal Valor Econômico.

Além disso, ao subir a taxa de juros, sobem os custos de carregamento da dívida pública federal, que hoje está em torno de R$ 5 trilhões. O mercado calcula que haverá um custo ao governo federal de R$ 360 bilhões por ano com a alta dos juros. Quem ganha são os grandes bancos e os ricos, seja como instituições financeiras ou fundos de investimento, que detêm hoje 47,5% da dívida pública em suas mãos.

Nos países desenvolvidos, em momentos de crise, as taxas de juros são reduzidas. As principais taxas de juros do Banco Central Europeu de refinanciamento e a de depósitos, permanecem entre 0% e -0,50%, respectivamente. E como estímulos econômicos, manteve o volume de seu Programa de Compras de Emergência na Pandemia (PEPP, na sigla em inglês) em 1,85 trilhão de euros.

O Federal Reserve (Fed), banco central dos EUA, manteve a meta de juros overnight foi mantida na faixa entre 0% e 0,25%. Além disso, a Câmara dos Deputados dos Estados Unidos aprovou no dia 19 de novembro o pacote socioambiental de US$ 1,75 trilhão, a peça central da agenda econômica proposta pelo presidente americano, Joe Biden. O projeto será agora analisado pelo Senado.

Modelo neocolonial

O modelo neocolonial de exportação de commodities foi vencedor com o impeachment da presidenta Dilma Rousseff, em 2016. Com a destruição do mercado interno, o Brasil torna-se uma grande fazenda de plantação de soja, com uma organização econômica presa na transição entre o feudalismo e o mercantilismo,

O economista Márcio Pochmann, professor da Unicamp, disse em artigo que o paradoxo do Brasil arcaico voltou a se manifestar. “A conjugação de um país com perspectiva de ser uma espécie de entreposto comercial, desova da grandiosa produção primária voltada ao exterior, enquanto parcela crescente de sua população permanece desempregada e passa fome.”