Brics mostra sua força em Kazan, na Federação Russa

Alexander Kazakov/Imprensa da Presidência da Rússia

A 16ª Cúpula do BRICS, que aconteceu em Kazan, capital do Tartaristão, Federação Russa, de 22 a 24 de outubro, foi um dos eventos mais significativos no calendário político global, reunindo 35 nações e seis organizações internacionais, que realizaram discussões variadas em vários formatos. O isolamento da Rússia difundido pelo Ocidente foi desmentido na prática. Na mesma semana, o Fundo Monetário Internacional (FMI) classificou a Rússia como a quarta maior economia do mundo com base na paridade do poder de compra (PPC). 

A Cúpula do Brics produziu uma declaração conjunta, com 33 páginas, chamada “Declaração BRICS de Kazan, fortalecendo o multilateralismo para um desenvolvimento global justo e com segurança”, que o presidente da Rússia, Vladimir Putin, descreveu como um “documento conceitual abrangente com uma agenda positiva voltada para o futuro”.

O documento deixa claro que a proposta não é o Brics substituir a Organização das Nações Unidas (ONU), mas apoiar uma reforma abrangente, com uma visão de torná-la mais democrática, representativa, eficaz e eficiente. Apoiar as aspirações legítimas de países emergentes e em desenvolvimento da África, Ásia e América Latina, incluindo países Brics, de desempenhar um papel maior em assuntos internacionais, em particular nas Nações Unidas, incluindo seu Conselho de Segurança. Inclusive, o secretário-geral da ONU, António Guterres, participou da Cúpula do Brics e ressaltou a importância de se reforçar o multilateralismo.

 Segundo Putin, “é importante o documento confirmar o compromisso de construir uma ordem mundial mais democrática, inclusiva e multipolar, baseada no direito internacional e na Carta da ONU, e mantenha a determinação conjunta de combater a prática de aplicar sanções ilegítimas e tentativas de minar os valores morais tradicionais.”

Outro ponto importante da “Declaração Brics Kasan” é em relação às sanções do Ocidente: “Estamos profundamente preocupados com o efeito disruptivo de medidas coercitivas unilaterais ilegais, incluindo sanções ilegais, na economia mundial, no comércio internacional e na realização dos objetivos de desenvolvimento sustentável. Tais medidas prejudicam a Carta da ONU, o sistema de comércio multilateral, o desenvolvimento sustentável e os acordos ambientais. Eles também impactam negativamente o crescimento econômico, a energia, a saúde e a segurança alimentar, agravando a pobreza e os desafios ambientais.”

A presidência russa do Brics aprovou por consenso a entrada de 13 novos parceiros no bloco, sem direito a voto. A lista é formada por Turquia, Indonésia, Belarus, Cuba, Bolívia, Malásia, Uzbequistão, Cazaquistão, Tailândia, Vietnã, Nigéria, Uganda e Argélia. Ao contrário dessa lista mais recente, os países que entraram no Brics no ano passado são membros plenos do bloco, como Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. São eles o Egito, o Irã, os Emirados Árabes e Etiópia. A Arábia Saudita não formalizou o ingresso.

Brasil perde força

O Brasil saiu menor da reunião em Kazan, primeiro pela ausência do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, devido ao acidente doméstico no banheiro do Palácio da Alvorada. Lula enviou o chanceler Mauro Vieira como chefe da delegação brasileira, com pouca expressão, que ficou na borda das fotos oficiais. Mas o que realmente criou um mal-estar foi o veto ao ingresso da Venezuela no novo grupo de “parceiros”. 

O principal conselheiro para assuntos internacionais do presidente Lula, Celso Amorim, deu uma entrevista ao jornal O Globo, quando afirmou que “a confiança na Venezuela se quebrou”, e explicou que isso se deve ao fato de Maduro ter feito promessas que não foram cumpridas, provavelmente se referindo as atas da eleição à presidência da Venezuela. Disse, ainda, que “não se trata de julgamento moral e nem político”. E completou de forma confusa: “é possível que não se chegue a uma conclusão sobre a posição do Brasil neste momento.”

O que está por trás dessa atitude, provavelmente, é a pressão do império estadunidense para evitar o crescimento do Brics na América Latina, chamada de quintal dos Estados Unidos, que perdem influência no Sul Global. A Argentina, por exemplo, voltou atrás e não aceitou o convite para entrar no Brics, após o presidente Javier Milei, um fantoche do imperialismo, assumir a Casa Rosada.

Em resposta à decisão do Brasil de se opor à incorporação da Venezuela ao Brics, em nota oficial, o presidente Nicolás Maduro acusou o governo do presidente Lula “de manter o veto que Bolsonaro aplicou à Venezuela durante anos, reproduzindo o ódio, a exclusão e a intolerância promovidos pelos centros de poder ocidentais”. Para Maduro, o Brasil impediu a entrada da Venezuela ao Brics “numa ação que constitui uma agressão e um gesto hostil que se soma à política criminosa de sanções impostas contra a Venezuela”.

Para tentar reverter o veto, Maduro chegou de forma inesperada na noite de terça-feira, 22, em Kazan, no dia em que começou a cúpula de chefes de Estado dos Brics. A Venezuela solicitou ser incorporada, mas como é por consenso, não foi possível com o veto do Brasil. Ao fazer isso, o Brasil enfrentou a Rússia – que defendia explicitamente a entrada do governo de Maduro – e também a China e Irã. Ao ser questionado em entrevista coletiva à imprensa mundial sobre a entrada da Venezuela nos Brics, o presidente Putin, deixou claro ser a favor da entrada do país no bloco e disse que as posições de Moscou “não coincidem com as do Brasil” em relação ao tema.

Dilma Rousseff cresce

Enquanto isso, quem saiu fortalecida de Kazan foi a presidenta do Novo Banco de Desenvolvimento [NBD], o banco do Brics, Dilma Rousseff. Seria a vez da Rússia indicar a presidência do banco do Brics a partir do próximo ano. No entanto, o presidente Putin sugeriu ao Brasil permanecer na presidência do banco por mais um mandato de cinco anos, mantendo Dilma Rousseff na chefia da principal instituição financeira do bloco. O mandato atual de Dilma termina em julho de 2025.

Após reunião com Putin, Dilma defendeu a ampliação do bloco e o aumento dos financiamentos em moedas nacionais, em substituição ao dólar estadunidense. A ex-presidenta brasileira, destacou que os países do Sul Global têm necessidades financeiras muito grandes e que há dificuldades para conseguir esses empréstimos.

Uma moeda para as transações comerciais entre os países do Brics ainda não está em discussão no momento. Durante a conversa com Dilma, Putin enfatizou que o uso de moedas locais em vez do dólar ou do euro “ajuda a manter o desenvolvimento econômico livre da política, tanto quanto possível, no contexto do mundo de hoje”.

A Rússia propõe desenvolver uma nova plataforma de investimento do Brics, que se tornaria um “poderoso instrumento de apoio” para as economias nacionais e também “forneceria recursos financeiros aos países do Sul e do Leste globais”.

Sanções sem precedentes

A campanha de sanções sem precedentes liderada pelos EUA contra Moscou devido ao conflito na Ucrânia forçou a Rússia e outros membros do Brics a buscar formas alternativas de comércio. Os principais bancos da Rússia foram banidos completamente do sistema de pagamento internacional SWIFT (Society for Worldwide Interbank Financial Telecommunication), em 2022, como parte das restrições. O sistema SWIFT é uma rede global de comunicação financeira que facilita transações internacionais entre bancos, sob controle dos Estados Unidos.

A Rússia já está ativamente migrando para o uso de moedas nacionais no comércio internacional com seus parceiros do Brics. Seus membros estão desenvolvendo em conjunto uma estrutura de pagamento e liquidação a ser usada no comércio. Em agosto passado, o primeiro-ministro russo Mikhail Mishustin disse que mais de 95% dos acordos mútuos entre a Rússia e seu maior parceiro comercial, a China, são realizados usando o rublo ou o yuan.

Aumentar as liquidações comerciais em moedas nacionais entre os membros do grupo Brics é uma necessidade estratégica, disse Vladimir Putin, acrescentando que uma mudança do dólar estadunidense fortalece a independência financeira e reduz os riscos geopolíticos.

 Em dezembro de 2022, a visita do presidente chinês Xi Jinping à Arábia Saudita reforçou a cooperação energética, firmando acordos para algumas transações de petróleo em yuan, um movimento alinhado com o objetivo da China de internacionalizar sua moeda e reduzir a dependência do dólar. Mais recentemente, em 2024, a Arábia Saudita anunciou que não renovaria seu compromisso com o petrodólar, permitindo transações em outras moedas, como o yuan, para reforçar a parceria com a China e membros do Brics.​

Cinco objetivos da China

O presidente chinês Xi Jinping compareceu à 16ª Cúpula do Brics e fez um discurso importante intitulado “Abraçando uma Visão Mais Ampla e Cortando a Névoa dos Desafios para Avançar o Desenvolvimento de Alta Qualidade da Grande Cooperação do Brics”. Ele enfatizou que “a ampliação do Brics é um marco importante em sua história e um evento marcante na evolução da situação internacional. Nesta cúpula, decidimos convidar muitos países para se tornarem países parceiros, o que é outro grande progresso no desenvolvimento do Brics”.

Para o futuro, o presidente Xi propôs cinco objetivos principais: um Brics comprometido com a paz, a inovação, desenvolvimento verde, justiça e com trocas mais próximas entre pessoas”. E acrescentou: “Esses objetivos, juntamente com o espírito de abertura, inclusão e cooperação ganha-ganha, levarão os países do Brics a embarcar em uma nova jornada coletiva.”

 Desde sua criação, há 18 anos, o mecanismo de cooperação do Brics se tornou uma plataforma importante que influencia a evolução da ordem global e o equilíbrio do poder internacional. Olhando para um mapa-múndi, o “Grande Brics” hoje cobre 31% da área terrestre global, 46% da população mundial e 20% do comércio global. Sua produção e reservas de petróleo respondem por aproximadamente 40% do cenário energético global. Abrangendo Ásia, África, Europa e América Latina, ele reúne uma rica diversidade de civilizações.

 Com agências Brasil e Tass, Global Times, O Globo e Russian Today