Carta branca para o deserto verde

Foto: Jürgen Mayrhofer/Secom

No final de abril passado, a chilena CMPC – uma das maiores produtoras de celulose do mundo – confirmou investimentos estimados em US$ 4,6 bilhões (R$ 24 bilhões) para instalar uma nova fábrica da matéria-prima em Barra do Ribeiro, Rio Grande do Sul.  Naquele momento, a CMPC também deu início aos trâmites para obtenção da licença prévia junto à Fundação Estadual de Proteção Ambiental Henrique Roessler (Fepam), órgão do Sistema Estadual de Proteção Ambiental (Misera).

Barra do Ribeiro, próxima de Porto Alegre, é sede da Fazenda Barba Negra, que pertence ao grupo chileno. A fazenda de 10 mil hectares já abriga o viveiro de mudas e um centro de pesquisas de aprimoramento genético do eucalipto.

O mais interessante é que uma semana depois, no dia 7 de maio, a Câmara dos Deputados aprovou em regime de urgência, sem passar antes pelas comissões, o Projeto de Lei 1366/22, com origem no PL do senador Alvaro Dias, de 2015, que exclui a silvicultura do rol de atividades potencialmente poluidoras e utilizadoras de recursos ambientais. Com essa exclusão, a atividade de plantio de florestas para extração de celulose (pinus e eucaliptos, por exemplo) não precisará mais de licenciamento ambiental e não estará sujeita ao pagamento da Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental (TFCA).

O projeto foi transformado na Lei 14.876/24 e sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sem vetos. A nova lei modifica a Política Nacional do Meio Ambiente, de 1981, no que trata da Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental, que é cobrada de todas as atividades consideradas potencialmente poluidoras e que utilizam recursos naturais.

Para a deputada Fernanda Melchionna (Psol-RS), a nova lei vai contra as ações necessárias para reduzir os impactos da mudança climática vistos em diferentes partes do País, como as maiores enchentes da história do Rio Grande do Sul. “Projetos como esse estarem na pauta da Câmara dos Deputados é um escárnio com as causas que nos levaram até aqui. Não é possível que se siga ignorando que o planeta pede socorro.” E abre brechas para reflorestamento com eucaliptos.

Rapidez da Fepam

Três meses e  uma semana depois do início dos trâmites para obtenção da licença prévia junto à Fepam, no dia sete de agosto, o governo do Estado entregou o Termo de Referência para Estudos de Impacto Ambiental à CMPC, para a implantação da nova fábrica de celulose. Entregue em cerimônia no gabinete do governador Eduardo Leite, o documento define as normas para a realização dos estudos socioambientais exigidos para o início da obra. A entrega do termo significa que está autorizado o início dos estudos socioambientais para a implantação da unidade industrial em Barra do Ribeiro, que deverá começar a produção em 2029.

Ironicamente, o nome do projeto é “Natureza” e contempla a construção de uma fábrica com capacidade instalada de 2,5 milhões de toneladas por ano de celulose branqueada de eucalipto, e possibilidade de futura expansão. A CMPC já possui uma unidade no município de Guaíba, na região metropolitana de Porto Alegre, onde produz cerca de 2,35 milhões de toneladas por ano. A produção será para atender à demanda global, enquanto os estragos socioambientais ficam internamente.

No Rio Grande do Sul, onde mais de meio milhão de pessoas foram desalojadas por enchentes, a expansão acelerada e o afrouxamento de leis que incentivam a silvicultura preocupa pesquisadores e ambientalistas. As declarações do governador Eduardo Leite só exaltam as questões econômicas, mesmo após a catástrofe climática.

“No chão das florestas de Pinus elliottii ou de eucalipto, por exemplo, não tem nada: não tem minhoca, não tem samambaia, os troncos não têm nem líquen; é realmente um deserto verde. Esses arvoredos coíbem qualquer outra espécie, é uma monocultura e liquida a biodiversidade. São os desertos verdes”, afirma o pesquisador Rualdo Menegat, geólogo, doutor em Ciências na área de Ecologia de Paisagem e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Destruição do Pampa

Dados produzidos pela rede colaborativa de Mapeamento Anual do Uso e Cobertura da Terra no Brasil (MapBiomas) mostram que, entre 1985 e 2022, o Rio Grande do Sul perdeu aproximadamente 3,5 milhões de hectares de vegetação nativa. Isso é o equivalente a 22% de toda cobertura vegetal original presente no Estado em 1985 formada por florestas, campos, áreas pantanosas e outras formas de vegetação nativa.

O bioma Pampa foi o que mais perdeu território nas últimas décadas. Além das plantações e silos de soja, a silvicultura tem transformado regiões de vegetação rasteira em grandes florestas.

Enquanto isso, a indústria de base florestal dá início aos preparativos de um novo ciclo de expansão de capacidade produtiva no Brasil, com R$ 67 bilhões em investimentos já anunciados até 2028, sobretudo em celulose. Ao menos outros R$ 75 bilhões, entre aportes em novas fábricas e na ampliação de unidades existentes, devem começar a sair do papel antes do fim da década e já se refletem no aumento da área plantada de eucalipto no país.

 Com Agência Câmara de Notícias, Agência do Governo do RS, BBC News Brasil, G1 e Valor Econômico