Citi Private Bank projeta a maior transferência de riqueza da história na próxima década

“Estamos hoje no meio da maior transferência de riqueza da história. Espera-se que US$ 70 trilhões sejam transferidos durante a próxima década para a próxima geração, a Y, também conhecida como os “millennials”, dos nascidos a partir da segunda metade dos anos 1980 até o início dos anos 2000. Já está acontecendo. É o maior volume da história recente. E esta mudança é muito importante na indústria de gestão de fortunas, como private equity, fundos de hedge e investimentos diretos.” Quem fez essa projeção foi Ida Liu, sino-americana chefe global da área que atende às famílias mais ricas do Citi Private Bank, em entrevista ao jornal Valor Econômico.

É risível a generalização da geração Y como beneficiária dessa transferência de trilhões. Como sempre, aqueles que vivem o mundo dos sonhos das famílias mais ricas fogem do tema incômodo da luta de classes. Na verdade, os beneficiários serão alguns poucos filhos de bilionários, aumentando ainda mais a concentração de renda no mundo e, consequentemente, pobreza e miséria da maioria da população.

Outro questionamento em relação à projeção de Ida Liu, do Citi Private Bank, é que ela está esquecendo, certamente de propósito, que na próxima década o grupo Brics, que representa o sul global, estará com um número bem maior de países e muito mais forte. E a primeira ação desse grupo liderado pela China e Rússia, do qual o Brasil faz parte, já está em andamento, a desdolarização da economia.

Para simplificar a análise, vamos ficar com a concentração de renda no pós-Segunda Guerra Mundial. O resultado desses movimentos do imperialismo foi que em 2020, 1% mais rico do mundo já detinha mais do que o dobro da riqueza do resto da humanidade combinada, de acordo com a Oxfam. Em relatório publicado na reunião anual do Fórum Econômico Mundial, em Davos, a instituição de caridade do Reino Unido disse que os impostos cobrados de indivíduos ricos e empresas estavam muito aquém do necessário, com recursos abaixo do esperado para serviços públicos. “A desigualdade econômica está fora de controle”, com 2.153 bilionários com mais patrimônio do que 4,6 bilhões de pessoas em 2019, segundo o estudo.

Todos os movimentos do neoliberalismo da segunda metade do século XX têm por trás o objetivo da burguesia de concentrar renda e poder. A razão foi que a destruição da Segunda Guerra Mundial, obrigou os Estados Unidos a criar o Foreign Assistance Act (Lei de Assistência Estrangeira), aprovado em março de 1948, conhecido como Plano Marshall. O auxílio foi estabelecido por meio de diferentes instrumentos de subsídios, financiamentos, entre outros. Em sua legislação, os valores, garantias, modalidades, remunerações, fundos etc. foram definidos em termos da moeda norte-americana.

Segundo o professor de Economia e Política Internacional, Maurício Metri, no artigo   “A ascensão do dólar e a resistência da libra: uma disputa político-diplomática”, como resultado do Plano Marshall os Estados Unidos não só tornaram possíveis os “milagres” nacionais de reconstrução e/ ou de crescimento, estabilizando as regiões estratégicas para a Guerra Fria, como também consolidaram a primazia de sua moeda ao longo das décadas seguintes, quando o mundo, em geral, presenciou uma época de prosperidade, que foi denominada a “Era de Ouro”, fundamentalmente para os Estados Unidos e Europa.

Assim surgiu o welfare state, o estado de bem-estar social, uma rede bem estabelecida de instituições sociais para proteger os cidadãos europeus, com base nos princípios da igualddade de oportunidades, distribuição equitativa da riqueza. Na verdade, a geopolítica da Guerra Fria do pós-Segunda Guerra Mundial foi que provocou o apoio dos Estados Unidos à região com incentivos econômicos do Plano Marshall para evitar o crescimento do comunismo da região.

No início dos anos 1970, o imperialismo sob o comando estadunidense recomeçou o processo de concentração de renda no mundo, fundamental para a sustentação do capitalismo. Michael Hudson, professor pesquisador de Economia na Universidade de Missouri, Kansas City, entende que ainda estamos vivendo uma consequência da Segunda Guerra Mundial, cujo resultado foi os Estados Unidos  assumirem o controle da organização econômica e política internacional a fim de operarem em interesse nacional próprio: “O Fundo Monetário Internacional para impor o controle financeiro dos Estados Unidos e dolarizar a economia; o Banco Mundial para emprestar dinheiro aos governos para bancar os custos de infraestrutura da criação de dependência  comercial nos alimentos e produtos manufaturados americanos; a promoção da agricultura de commodities; o controle pelos Estados Unidos/OTAN do petróleo, da mineração e dos recursos naturais; e organismos das Nações Unidas, sob o controle dos Estados Unidos, com poder de veto sobre todas as organizações internacionais criadas pelos Estados Unidos ou às quais eles se filiaram”.

A globalização da economia, com a financeirização ocupando espaço da produção; controle de suas riquezas, redução dos direitos dos trabalhadores, aposentados, entre outras ações, tudo levou a uma transferência de renda para milionários, hoje bilionários, e o aumento da pobreza no mundo. Se ocorria resistência, era usada a violência, golpes de estado e mesmo destruição de países como a Iugoslávia, Líbano, Síria e Iraque.

A burguesia dos países colonizados sempre foi aliada ao projeto neoliberal do império em troca de benesses, que na sua essência é concentrar a renda para si através do controle do Estado e da terra, inviabilizando um mercado interno consistente através de altas taxas de juros e baixos salários.

Essa mesma burguesia entrega as riquezas do país através de privatizações, principalmente as estratégicas para sua soberania, como as estatais de petróleo, minérios, energia e água em benefícios de fundos compostos de bilionários como o Citi Private Bank. Empresas saudáveis, construídas com os impostos pagos pela população são transformadas em geradoras de dividendos para esses fundos internacionais.