Críticas a retomada do Ceitec têm razões históricas

O presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, assinou nesta semana decreto que autoriza a reversão do processo de dissolução societária do Centro Nacional de Tecnologia Eletrônica Avançada (Ceitec), localizado em Porto Alegre. A empresa pública atua em projetos e fabricação de circuitos integrados, chips, módulos e tags de identificação por radiofrequência, para aplicação em diversos segmentos.

A empresa representa o caminho natural para a aquisição, pelo Brasil, do conhecimento científico, tecnológico e produtivo detido por poucos países do mundo, em um setor no qual tem ocorrido nos últimos anos uma expressiva transformação tecnológica, impulsionada principalmente pelo amplo uso de chips semicondutores em componentes eletrônicos, presentes em praticamente todas as atividades da sociedade moderna.

Segundo o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, a retomada operacional da Ceitec estabelece a indicação de novos dirigentes e dos Conselhos de Administração e Fiscal, a recomposição dos quadros técnicos e a elaboração de um plano de recuperação das atividades para atender às demandas dos setores público e privado. Um plano de negócios deve ser elaborado com novas rotas tecnológicas e industriais definidas para que a empresa possa atuar no mercado nacional e internacional. Para a retomada, a fábrica estatal de chips receberá um investimento de R$ 110 milhões em 2024.

As críticas e editoriais da mídia corporativa brasileira contra o decreto firmado pelo presidente Lula não surpreendem porque sempre defenderam interesses de fora, um Brasil colonial, exportador de commodities agrícolas.

O editorial do jornal O Globo, de 8/11, deixa claro que as razões dos ataques ao Ceitec são históricas, em defesa dos interesses do imperialismo. Diz o editorial: “A sobrevida do Ceitec é um exemplo da obsessão nacional-desenvolvimentista do PT”. O nacional-desenvolvimentismo começa com o trabalhismo, governo de Getúlio Vargas, que foi sendo minado pelo mesmo jornal O Globo, até seu suicídio.

Poucos lembram que após Vargas, Juscelino Kubitschek, presidente do Brasil de 1956 a 1960, abandona o nacional e fica com o desenvolvimentismo das montadoras de caminhões e automóveis internacionais, como a Mercedes Benz, Volkswagen, General Motors e Ford. Depois, o presidente João Goulart, (1961 a 1964) retoma o projeto de um Brasil soberano e teve seu mandato abreviado por conta do golpe militar.

E o editorial continua: “Não difere da retomada da indústria naval — projeto que naufragou….” No Rio Grande do Sul, o polo naval naufragou após o impeachment da presidenta Dilma Rousseff, quando foi abandonado pelo governo Temer (2016/2018), deixando centenas de desempregados, que vieram de todo o Brasil, e a cidade de Rio Grande literalmente a ver navios.

O complexo que seria instalado pela Construtora Queiroz Galvão, por exemplo, na extremidade sul do Porto Novo, tinha investimento previsto de mais de R$ 20 milhões, com uma unidade para construção de estruturas navais, conversão de navios, industrialização de módulos e construção de plataformas de petróleo e gás natural.

O consórcio formado pelas empresas WTorre, Estaleiro Rio Grande, Rio Bravo Investimentos, Quip e Petrobras, previa que o dique seco de Rio Grande seria o maior do país e representaria dois mil empregos. Nele seriam construídas plataformas oceânicas de exploração de petróleo e gás, com investimento de R$ 222,8 milhões.

A plataforma P-53, da Petrobras, foi a primeira montada integralmente no Porto de Rio Grande, em 2008, com a utilização de 75% de conteúdo nacional. Na construção foram gerados 4.500 empregos diretos e 15 mil indiretos. Em 2013, ficou pronta a maior plataforma semissubmersível construída no Brasil, a P-55, que estava atracada no cais do Estaleiro Rio Grande 1 (ERG1). A P-55 tem capacidade de processamento de 180 mil barris de petróleo por dia, e de tratamento de quatro milhões de metros cúbicos de gás por dia, uma das maiores semissubmersíveis do mundo.

Já no governo Bolsonaro (2019/2022), a Petrobras assinou contrato com a empresa Keppel Shipyard Limited, grupo de Singapura, para a construção naquela cidade da plataforma P-83, com custo de US$ 2,8 bilhões.

E o editorial finaliza: “o Ceitec não difere do incentivo a refinarias de petróleo deficitárias. Insistindo no Ceitec o governo abre um novo capítulo nessa história de equívocos.”

O governo Bolsonaro, além de privatizar de forma extremamente controversa as refinarias Isaac Sabbá, Amazonas, e Landulpho Alves, Bahia, passou a diminuir a capacidade de realização as refinarias da Petrobras para 77% da capacidade, sendo que o ideal é a capacidade plena, entre 93% e 94%.  O resultado foi um aumento da importação da Petrobras de gasolina e óleo diesel no segundo trimestre de 2021. A importação da gasolina disparou 950% em relação a igual período do ano anterior e a do diesel, 548,1%. Isso afetou os preços nas bombas e, consequentemente, a inflação.

É no mínimo estranho o silêncio da Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul (Fiergs) em relação ao Ceitec, após apoiar sua criação. Em 31 de julho de 2008, quando o presidente Lula sancionou a lei que criou o Ceitec como empresa pública, o então presidente da Fiergs, Paulo Tigre, comemorou: “Este empreendimento faz parte da Nova Economia que o Estado vê nascer. A inovação e a tecnologia são as marcas da nossa futura história econômica.” Em junho de 2021, quando o governo Bolsonaro determinou a extinção do Ceitec, a Fiergs também ficou em silêncio.

Os críticos do Ceitec esquecem como nasceu a indústria petroquímica no Brasil. No livro “A petroquímica faz história”, que escrevi em parceria com Elmar Bones, tem o depoimento de Gilberto Freitas de Sá, na época (2007) conselheiro da Odebrecht, anteriormente vice-presidente da Odebrecht Química.

Em 1971, nasce o polo de Camaçari, Bahia, por insistência do governo militar. O grupo Odebrecht, que depois passou a liderar o setor através da Braskem, entrou de forma não programada. Na diretoria ninguém tinha familiaridade com o tema. Um dos vice-presidentes do Grupo, Nilo Simões Pedreira, foi destacado para ser o “petroquímico da diretoria”. Ele conhecia pouco o assunto e começou a ler para saber o que era. Foi o representante da empresa nesta fase inicial heroica nos anos 1970, quando a Odebrecht entrou na petroquímica.