Desdolarização cada vez aumenta mais

Durante a crise financeira de 2008, o dólar como moeda internacional sem lastro sofreu o primeiro abalo de credibilidade desde o início dos anos 1970. No entanto, em nenhum momento, após o estouro da crise dos créditos imobiliários, o governo dos Estados Unidos aceitou discutir questões do sistema monetário internacional como a permanência do dólar como moeda global, simplesmente porque a hegemonia norte-americana ainda não estava em jogo.

O momento atual é muito diferente daquele da crise financeira, principalmente depois do conflito entre Rússia e a Otan, na Ucrânia, iniciado em fevereiro de 2022. No final de 2023, Moscou e Pequim abandonaram quase totalmente o dólar nos acordos bilaterais, informou o primeiro-ministro russo, Mikhail Mishustin, na 28ª reunião regular dos chefes dos governos dos dois países. “O comércio mútuo aumentou quase um terço no acumulado do ano. Entretanto, a maioria dos pagamentos, mais de 90%, são feitos em moedas nacionais, o que demonstra uma desdolarização quase total dos laços econômicos”, afirmou.

 O consumo mundial foi estimulado pelas importações dos Estados Unidos, que ocorreram via endividamento. Os dólares nas mãos dos exportadores são reinvestidos nos títulos públicos norte-americanos. Até agora esta foi uma equação fechada beneficiando totalmente os Estados Unidos, que crescem com o dinheiro alheio. 

No entanto, essa equação está cada vez mais difícil de fechar e o endividamento dos EUA sobe sem parar. O Produto Interno Bruto (PIB) dos EUA ao final de 2008 era de U$ 14 trilhões, enquanto a dívida pública federal era de U$10,70 trilhões. Em 2018, o PIB era de U$ 20,41 trilhões e a dívida de U$ 21,19 trilhões. A evolução dos números mostra que o crescimento do período veio pelo aumento da dívida.

A dívida pública federal dos Estados Unidos ultrapassou US$ 30 trilhões pela primeira vez no final de 2022, refletindo o aumento dos empréstimos federais durante a pandemia de coronavírus, segundo dados do Departamento do Tesouro dos EUA. O Escritório de Orçamento do Congresso dos Estados Unidos (CBO, na sigla em inglês) prevê que o déficit fiscal dos Estados Unidos crescerá cerca de US$ 1 trilhão ao longo dos próximos 10 anos, em mais um alerta de que a dívida pública americana continuará a trajetória ascendente à frente.

Os títulos do governo dos Estados Unidos tradicionalmente atraíram alto interesse do mercado graças ao “retorno relativamente livre de risco” da moeda nacional, o dólar. No entanto, a tendência global para a utilização de moedas nacionais no comércio, em vez do dólar estadunidense, começou a ganhar maior impulso em 2022, depois de as sanções relacionadas com a Ucrânia terem feito com que a Rússia fosse desligada do sistema financeiro ocidental e também viu as suas reservas estrangeiras congeladas.

As sanções econômicas totalmente irregulares impostas à Rússia pelo conflito com a Ucrânia envolveram um bloqueio de US$ 643,2 bilhões depositados no Ocidente também provocaram um baque na confiança de outros países. A rapidez com que os EUA impuseram sanções à Rússia, acompanhada dos reajustes da taxa básica de juros definida pelo banco central dos EUA (o Federal Reserve), levaram a um movimento de venda de dólares e investimento em outros ativos.

 O principal diplomata russo, ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergey Lavrov, afirmou num comunicado que o dólar estadunidense é usado como instrumento para mudança de regime e interferência nos assuntos internos de outros países. “Todos” estão cansados do dólar, que se tornou num instrumento de influência, num instrumento para minar os direitos competitivos legítimos de países em diferentes regiões e num instrumento para interferir nos assuntos internos e na mudança de regime.”

Segundo a BBC News, os bancos centrais de todo o mundo estão usando os dólares de suas reservas para comprar ouro com o objetivo de reduzir sua dependência dos EUA. O Conselho Mundial do Ouro, organização dedicada ao desenvolvimento de mercado para o setor, informou que as autoridades monetárias adicionaram em 2022 a maior quantidade de ouro às suas reservas desde 1950 (início da série histórica). E os dados indicam que essa tendência continua.

O SWIFT, com sede na Bélgica, é um sistema de mensagens bancárias de alta segurança que permite transferências financeiras em todo o mundo. Embora vários países tenham os seus próprios sistemas de mensagens, a maioria das transações globais ainda são realizadas através do SWIFT. Em 2023, os principais bancos russos foram desligados da rede como parte das sanções relacionadas com o conflito na Ucrânia.

 As restrições ocidentais forçaram a Rússia a promover ativamente o seu sistema de pagamentos interno, o SPFS, como alternativa ao SWIFT. O mecanismo foi introduzido pela primeira vez quando os EUA impuseram sanções ao país em 2014. O sistema, que facilita a transferência de mensagens financeiras entre bancos dentro e fora do país, teve 514 participantes, incluindo 131 entidades estrangeiras de 15 nações, a partir do primeiro semestre do ano passado.

 Nos primeiros dias de 2024, o Irã e a Rússia saíram oficialmente do sistema SWIFT do Ocidente para um mecanismo de transferências interbancárias diretas. Para o vice-chefe do Banco Central do Irã (CBI), Mohsen Karimi, o sistema permite que empresas de ambos os países negociem nas suas respectivas moedas nacionais em vez de usarem o dólar ou o euro, informou a agência de notícias FARS.

“Isto significa que os bancos dos nossos dois países já não precisam da Suíça para comunicar entre si e os bancos comerciais de ambos os países podem estabelecer relações de corretagem entre si. O exportador [iraniano] pode agora cobrar do lado russo em riais e receber dinheiro deles através de bancos russos no Irã”, acrescentou Karimi, observando que o sistema também permite pagamentos em rublos russos.

A participação do dólar americano nas reservas globais dos bancos centrais continuou a diminuir, caindo para 59,2% no terceiro trimestre de 2023, de acordo com os últimos dados divulgados pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). O declínio ocorre em meio à tendência de desdolarização que ganha impulso em todo o mundo.

 As estatísticas do FMI mostram que a participação do dólar caiu em relação aos cerca de 70% em 2000. O dólar continua a ser a principal moeda de reserva do mundo, com o euro a ocupar o segundo lugar, enquanto a participação deste último caiu para 19,6%. A proporção do iene japonês nas reservas mundiais cresceu para 5,5%, face a 5,3% no período de três meses anterior. O yuan chinês, a libra esterlina, o dólar canadense e o franco suíço permaneceram pouco alterados.

 Entretanto, de acordo com dados compilados pelo serviço global de mensagens financeiras SWIFT, a participação do yuan nos pagamentos internacionais atingiu um máximo histórico em novembro de 2023, com o renminbi a tornar-se a quarta moeda mais utilizada em todo o mundo. Os empréstimos transfronteiriços em yuan também aumentaram, enquanto o Banco Popular da China mantém mais de 30 swaps cambiais bilaterais com bancos centrais estrangeiros, incluindo a Arábia Saudita.

Com Russian Today e RIA Novosti e Tass