Falta de controle de agrotóxicos ameaça diversificação de culturas do Rio Grande do Sul

O plenário da Assembleia Legislativa aprovou, na sessão extraordinária híbrida na semana passada, o PL 260 2020, enviada pelo governador Eduardo Leite, que altera a Lei nº 7.747 de 22 de dezembro de 1982, e dispõe sobre o controle de agrotóxicos e outros biocidas em nível estadual e dá outras providências. A matéria recebeu 37 votos favoráveis e 15 contrários.

O projeto do Executivo foi encaminhado em regime de urgência e trancava a pauta de votações desde o dia 23 de junho. Com sua aprovação, a mudança mais polêmica é o fim da exigência, pelo Estado, de que produtos agrotóxicos provenientes de importação tenham seu uso autorizado no país de origem, mantendo-se a exigência do registro junto ao órgão federal competente bem como do cadastro nos órgãos competentes estaduais.

O deputado Edegar Pretto (PT) lembra que a lei que o Executivo modificou foi aprovada em 1982, fruto de um amplo debate que a sociedade fez na época. No ano passado, ele apresentou documento ao governador Eduardo Leite, em nome de 241 entidades, pedindo a retirada do regime de urgência, o que foi acatado na ocasião. No entanto, em maio passado, novamente o PL recebeu regime de urgência.

O PL de Eduardo Leite atende principalmente aos interesses dos exportadores de soja, ao liberar agrotóxico proibido no país de origem. O registro do produtor fica por conta da Lei Federal nº 7.082/89, que dispõe sobre a pesquisa do agrotóxico, a experimentação, a produção, a embalagem e a rotulagem, o transporte, o armazenamento, a comercialização, etc.. O problema é que já no seu primeiro ano, o governo de Jair Bolsonaro bateu o recorde histórico no número de agrotóxicos aprovados. Em 12 meses, 503 registros, 53 a mais do que em 2018. Em 2021, até maio, foram 205 novos agrotóxicos registrados, um total de 1.165 desde 1º de janeiro de 2019.

Na Justificativa do PL, o governo Leite diz “que a referida Lei Federal é hoje o principal diploma normativo e que instituiu verdadeiro marco regulatório sobre agrotóxicos no Brasil e, por configurar-se como lei de normas gerais, está no centro do campo léxico e semântico da legislação pátria, vindo a assumir hierarquia hermenêutica para com todas as demais normativas nacionais e federal.” A deputada Luciana Genro (PSOL) vai direto ao ponto: “Vamos transformar o Rio Grande do Sul na lata de lixo dos produtos que são banidos na Europa e EUA, onde são produzidos”, alertou.

O posicionamento do governo Eduardo Leite, favorável aos interesses dos exportadores de soja, não é novo. Nos últimos anos, a deriva de 2,4-D (ácido diclorofenoxiacético), agrotóxico utilizado em áreas de plantio de soja, atingiu produção de uva (vinho), tabaco, oliva, maçãs, pêssegos, ameixas, mel e hortaliças, provocando perdas significativas. Deriva é a porção do agrotóxico aplicado que não atinge o alvo desejado, podendo se depositar em áreas vizinhas, com potencial de impacto no ambiente. Por isso, a diversificação de culturas do Rio Grande do Sul está ameaçada.

Produtores de frutas e vitivinicultores gaúchos foram à Justiça pedir a proibição do herbicida 2,4-D no Rio Grande do Sul. Eles querem a suspensão das aplicações do herbicida no Estado, enquanto não forem tomadas medidas efetivas para evitar a deriva, como a criação de áreas de exclusão de 30 quilômetros.

Um dos grandes produtores de 2,4-D é a Corteva Agriscience, que se separou da holding DowDuPont, tornando-se uma companhia independente em 2019.

Só na uva estima-se que um milhão de garrafas de vinho deixarão de ser produzidas pela falta da fruta nos pomares. As entidades querem que o Estado ache formas mais efetivas de fiscalizar, monitorar e promover a deriva zero. As perdas já passariam de R$ 200 milhões aos produtores de culturas sensíveis.

Mesmo assim, o agrotóxico não foi proibido pelo governo Eduardo Leite. O regramento estipulado pela Secretaria da Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural (Seadpr), somente permite a aplicação dos produtos respeitando condições meteorológicas como ventos com velocidade inferior a 10km/h, umidade relativa do ar superior a 55% e temperatura ambiente menor que 30ºC. Hã?

Aproximadamente um terço da receita das principais fabricantes de agrotóxicos do mundo vem de produtos classificados como “altamente perigosos”, que têm como destino, em sua maioria, países emergentes, como Brasil e Índia, e países pobres.

O levantamento feito pela Unearthed, organização jornalística independente financiada pelo Greenpeace, em parceria com a ONG suíça Public Eye, mostrou que, em 2018, as vendas desse tipo de pesticida renderam cerca de US$ 4,8 bilhões às cinco maiores companhias do setor.