Garrote da dívida pública e a apropriação da riqueza nacional

A dívida líquida do setor público – balanço entre o total de créditos e débitos dos governos federal, estaduais e municipais – chegou a R$ 6,693 trilhões em fevereiro de 2024, o que corresponde a 60,9% do Produto Interno Bruto (PIB). Em janeiro passado, o percentual da dívida líquida em relação ao PIB estava em 60,1% (R$ 6,565 trilhões). Portanto, em apenas um mês a dívida líquida aumentou em R$ 128 bilhões.

Em fevereiro deste ano, a dívida bruta do governo geral (DBGG) – que contabiliza apenas os passivos dos governos federal, estaduais e municipais – chegou a R$ 8,301 trilhões ou 75,5% do PIB, enquanto em janeiro foi de R$ 8,210 trilhões, 75,1% do PIB. Em um mês a dívida bruta aumentou em R$ 91 bilhões.

Para efeito de comparação, o Congresso Nacional aprovou o Orçamento da União para 2024 (PLN 29/2023), que prevê receitas e despesas de R$ 5,5 trilhões. Os recursos previstos para investimentos federais chegam a R$ 73,2 bilhões.

Os gastos com juros ficaram em R$ 65,166 bilhões em fevereiro deste ano, um aumento em relação aos R$ 64,153 bilhões registrados em fevereiro de 2023.

É só analisar os números acima para perceber que tem algo muito errado nas contas da União. Enquanto o governo federal tem para investir em 2024 R$ 73,2 bilhões, paga de juros da dívida pública, numa projeção simplificada, algo em torno de R$ 780 bilhões no mesmo período.

O Complô

Como celebração dos 35 anos da Constituição, a Comissão de Direitos Humanos (CDH) do Senado promoveu em outubro de 2023 o debate “Uma Visão sobre a Dívida Pública”, com a análise do assunto desde a Assembleia Nacional Constituinte (1987-1988) e seus impactos na realidade da população.

O encontro teve como ponto de partida a exibição do documentário O Complô – como o sistema financeiro e seus agentes políticos sequestraram a economia brasileira, obra inspirada no livro do ex-deputado constituinte gaúcho Hermes Zaneti, que levanta o tema do “rentismo”, definido como o ganho monetário não associado à produção, a exemplo do recebimento de juros por investidores.

O ex-deputado, diretores e participantes do documentário apresentaram suas visões sobre o que chamam de “conspiração do sistema financeiro e seus agentes infiltrados” nos três Poderes do Estado brasileiro. O debate foi comandado pelo presidente da CDH, senador Paulo Paim (PT-RS), que também foi constituinte. 

Zaneti disse que, durante a discussão para elaboração da Constituição, chegou a apresentar um projeto para que a Carta Magna previsse uma auditoria nas contas públicas e a adoção de uma gestão transparente para que a sociedade pudesse acompanhá-la. A proposta foi rejeitada e os motivos são explicados na obra. 

Segundo ele, “O Complô” é a ação das instituições de poder federal, de forma coordenada, agindo contra o povo brasileiro que as mantém, a favor de uma minoria que se beneficia do rentismo. 

No documentário, o autor defende que a política econômica do Executivo esconde uma manobra para favorecer as elites financeiras, às custas do sacrifício da população, que convive com falta de investimentos em saúde, educação, além de carestia e baixos salários. Ele ainda destaca que cerca de R$ 2 trilhões dos R$ 5,5 trilhões do Orçamento da União são direcionados para pagar a dívida pública. Ainda de acordo com Zaneti, 82% dos mais de R$ 8 trilhões do atual valor bruto da dívida, são originários dos juros. 

“A Constituição foi criada com o equilíbrio necessário entre direitos e deveres, mas seu constante desmantelamento resultou no cenário dramático que vivemos hoje. A existência de uma dívida pública de R$ 8 trilhões, nunca devidamente auditada, que paga juros de mais de R$ 600 bilhões ao ano, juntamente com os juros extorsivos cobrados pelo mercado financeiro que prejudicam a nossa economia, destroem empregos e oprimem o povo são as barreiras que impedem uma melhor qualidade de vida para nossa população. Isso não é obra da natureza, mas sim resultado das ações e omissões do poder público ao longo do tempo. Ao mesmo tempo que é obra de um poder privado que se expande sem limites”, disse o ex-deputado ao citar um trecho do Manifesto dos Constituintes em apoio ao tema abordado pelo documentário. 

Didático 

Para o diretor do curta-metragem, Luiz Alberto Cassol, o grande mérito do filme é que ele abre uma perspectiva didática para expor, de forma clara e com base histórica, onde está o rentismo, como ele opera e a serviço de quem. Ele também liberou a obra para exibição em escolas e universidades. 

É fundamental dialogarmos, mas, acima de tudo, é (necessário) colocar, de forma didática, como opera o sistema financeiro, dia e noite retirando a possibilidade do povo brasileiro à sua emancipação. E daí, os demais assuntos como a importância da saúde, a importância da vida, a importância da Amazônia, todos esses temas vão perpassar pelo sistema financeiro. Porque esse sistema financeiro atinge todos esses temas”, afirma Cassol.

Na avaliação do ex-deputado e ex-ministro do Trabalho, das Comunicações e da Previdência Ricardo Berzoini, responsável por incentivar a transformação do livro em documentário, os direitos sociais, civis e econômicos conquistados pela Constituição estão em disputa desde a sua promulgação. Na sua visão, o sistema financeiro e sua sanha por dividendos colocam em risco a soberania nacional. 

“De 1988 para cá, apesar de a Constituição ter assegurado inúmeros direitos sociais importantes, a situação do povo brasileiro não melhorou na medida do que a Constituição propunha (….). E por que não melhorou? Não melhorou porque se aplicou exatamente sobre a economia brasileira o garrote da especulação financeira, da apropriação da riqueza nacional pelo 1% mais rico, especialmente pelo sistema financeiro”, acrescentou. 

Com Agência Brasil e Agência Senado