Governo do Estado apela para mais um plano de desenvolvimento salvador

O título da matéria publicada site do governo do Estado RS esta semana foi certeiro: “Governo reúne empresários para construir nova agenda de desenvolvimento do Estado”. Ele escancara um dos principais problemas desse e dezenas de outros planos nas últimas décadas apresentados pelos governos neoliberais e das entidades do Sistema S para tirar o Rio Gr.ande do buraco. Mesas-redondas formadas pelos convidados nesses encontros debatem basicamente propostas das corporações empresariais.

O primeiro plano mais significativo das últimas décadas foi o Relatório Sayad, que apresentou recomendações atinentes ao setor público. Esse documento foi encomendado pela Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul (Fiergs) e apresentado à imprensa no início de janeiro de 1989, quando se tornou conhecido como “Relatório Sayad”, porque feito pela equipe do economista já falecido João Sayad, que foi ministro do Planejamento no governo José Sarney.

No final do século passado, esses planos tinham espaço na imprensa, mas aos poucos foram relegados a pequenas matérias somente no dia do lançamento, por total falta de consequências relevantes. Os diversos projetos foram esquecidos nas gavetas e serviram mais como marketing.

 Agora, o governador Eduardo Leite, que enfrenta a contrariedade do setor empresarial, liderado pela Fiergs, que questiona a necessidade de o governo aumentar impostos ou cortar benefícios fiscais, resgata a velha fórmula desgastada.

Ele organizou um encontro no Palácio Piratini com a participação de empresários,  presidentes e burocratas de entidades de classe, principalmente do Sistema S. Leite apresentou um pré-diagnóstico sobre competitividade do Estado, detalhamento das técnicas de construção do futuro plano de desenvolvimento e a coleta de ideias para a elaboração do Plano Estadual de Desenvolvimento Econômico, Inovador e Sustentável.

O problema é que o governo de Eduardo Leite aderiu ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF), ainda no governo Bolsonaro, suspendendo por um período de até dez anos o pagamento da dívida do Estado, sob a justificativa de ajustar as contas.

A contrapartida foi que o RRF permite o congelamento de investimentos em educação, segurança, saúde, assistência e todas as demais áreas de atuação do poder público. Retira a autonomia do Estado e, inclusive, da Assembleia Legislativa sobre orçamento público, delegando decisões como o reajuste de servidores para os gestores do Ministério da Fazenda.

Outra questão que os burocratas do governo e convidados evitam discutir é a criação de um novo imposto estadual para produtos primários ou semielaborados. A Lei Kandir, aprovada em 1996, trouxe para os estados brasileiros a desoneração das exportações de produtos primários e semielaborados. Depois de 25 anos de espera, em 2020, finalmente a compensação para as perdas da Lei Kandir dos estados e municípios foi regulamentada, o que garantiu o repasse no total de R$ 58 bilhões, entre os anos de 2020 e 2037.

No entanto, só o Rio Grande do Sul, um estado agroexportador, que deverá receber cerca de R$ 6,5 bilhões até 2037, calcula perdas na ordem de R$ 80 bilhões no acumulado. Assim, os juros da dívida com a União e a Lei Kandir, provocaram déficits crescentes nas contas do Rio Grande do Sul, que não fecharam mais.

Consultoria internacional

A reunião no Palácio Piratini foi conduzida pela McKinsey & Company, que tem sede nos Estados Unidos, empresa de consultoria internacional contratada pelo Estado para apoiar o projeto. Não foi divulgado o valor do projeto e se houve licitação. A consultoria também fará a estruturação da nova Agência de Desenvolvimento do Estado, aprovada em dezembro passado pela Assembleia Legislativa.

Em julho de 2022, foi publicada no Diário Oficial da Estado a dispensa de licitação para contratação da consultoria McKinsey para o estudo sobre uma cadeia de hidrogênio verde no Rio Grande do Sul pelo valor de R$ 4,9 milhões.

Acompanhando as ações dos governos neoliberais gaúchos, percebe-se que eles não acreditam na capacidade dos técnicos do Estado desenvolverem planos consistentes para o desenvolvimento do Rio Grande do Sul, sem desembolsar milhões de reais com empresas norte-americanas. Um decreto assinado pelo governador José Ivo Sartori (MDB), por exemplo, encerrou as atividades da Fundação de Economia e Estatística (FEE) em 2017. A FEE foi criada em 1973, no governo de Euclides Triches, como Fundação de direito privado, destinada à execução de estudos, pesquisas e análises da economia do Estado e à elaboração de estatísticas, como órgão de apoio operacional do planejamento estadual.

A Fundação, que tinha sede própria com um número significativo de economistas extremamente capacitados, foi integrada a estrutura da Secretaria de Planejamento, Governança e Gestão (SPGG) com a criação do Departamento de Economia e Estatística (DEE). A equipe reduzida sucumbiu no Centro Administrativo Fernando Ferrari.

Agora, todo o processo de construção do Plano Estadual de Desenvolvimento Econômico, Inovador e Sustentável conta com o auxílio e acompanhamento da Mckinsey. A consultora está operando junto com equipes técnicas do governo em uma base instalada no mesmo Centro Administrativo. A empresa treinará a equipe que operará a Agência de Desenvolvimento, oferecendo mentoria e capacitação.  

Além da subserviência neocolonial, o pior é que tudo pode acabar nos escaninhos, misturado com gotas de café e restos de sanduiches, como os diversos planos de desenvolvimento mirabolantes criados nas últimas décadas.