Infelizmente o “mercado” – bancos e grandes fortunas – venceu mais uma vez e, por unanimidade, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) aumentou esta semana a taxa Selic, juros básicos da economia, em 0,5 ponto percentual, para 11,25% ao ano. A política monetária definida pelo BC, com a presidência dos dois primeiros anos de governo Lula nas mãos de Roberto Campos Neto, escolhido pelo governo Bolsonaro, simplesmente mantém a manutenção dos ganhos financeiros no lugar da produção. Ou seja, concentração do dinheiro nas mãos dos bancos e de uma elite rentista.
Campos Neto deixará a presidência do BC em dezembro. A partir de janeiro de 2025, o governo federal volta a ter o controle da política monetária, com o economista Gabriel Galípolo na presidência do BC. No entanto, não deverá ocorrer uma redução radical da taxa de juros. O que vem acontecendo desde o final do governo Bolsonaro é uma redução da taxa básica aqui, aumenta ali, sempre com o argumento do perigo da inflação. A velha cantilena neoliberal.
Bolsonaro entregou o governo com a taxa em 13,75% ao ano. No início do governo Lula, o Copom cortou três vezes seguidas a taxa básica de juros, reduzindo para 12,25%. Com a redução, a Selic atingiu seu menor nível desde maio de 2022, quando estava em 11,75% ao ano. Em 2024, a taxa Selic passou por algumas variações ao longo do ano. Em janeiro estava em 11,25% ao ano; em março 10,75%; de maio a julho, mantida em 10,50%; em setembro, elevada para 10,75% e agora em novembro chegou a 11,25%.
Portanto, Galípolo não deverá mudar muito em relação ao que aconteceu em 2024, ou a reação do mercado será maligna. No entanto, embora o foco principal seja a inflação, a política monetária também pode ter um impacto indireto na criação de empregos e na geração de renda, pois a estabilidade econômica já estimula o mercado de trabalho e o crescimento dos negócios.
Além de definir a taxa de juros, o BC pode criar outras condições de financiamento, melhorando o acesso ao crédito. Ao monitorar e ajustar a oferta de dinheiro na economia, o BC também ajuda a manter o poder de compra da moeda, garantindo que o valor do real se mantenha estável.
Já em relação ao relatório semanal Focus havia uma esperança de alterações na gestão de Galípolo, com a redução de sua importância na análise do BC. O boletim apresenta as expectativas de diversos agentes do mercado, como bancos e financeiras, para os principais indicadores da economia brasileira, inclusive taxa de juros, e é divulgado quase como “lei” pela grande mídia corporativa. Afinal, não é aconselhável que as raposas controlem o galinheiro. Contudo, o próximo presidente do BC afirmou que as projeções do relatório Focus têm “relevância enorme” para subsídio da política monetária e que existe uma institucionalidade do BC que “sabe consumir o Focus, sabe qual peso dar para a construção da política monetária”.
Correlação de forças
O governo Lula terá muita dificuldade em reduzir a taxa básica de juros e distribuir a renda de maneira mais consistente, porque a correlação de forças está muito desfavorável. Não é à toa que a população que mora em favelas cresceu na última década e chegou a 16,4 milhões de pessoas, 8,1% do total de brasileiros, segundo dados do Censo 2022, divulgados nesta sexta-feira (8) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Não adianta argumentar que o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) acumulado nos últimos 12 meses é de 4,76% até outubro. Assim, os bancos e as grandes fortunas têm um ganho real de 6,49 pontos percentuais na compra de títulos públicos, a diferença entre a inflação anualizada e a taxa Selic de 11,25% ao ano. Esse ganho real pago aos investidores, ainda distante das taxas atuais da Selic, deixa claro que não tem qualquer sentido o receio da inflação nesste momento.
O Brasil está entre os cinco países que oferecem os maiores rendimentos em seus títulos públicos. Em 2024, o governo federal deverá pagar algo em torno de R$ 800 bilhões a R$ 1 trilhão apenas com o serviço da dívida (juros e amortizações). Esse montante poderá representar aproximadamente 9% a 10% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro.
A nota do BC sobre a decisão do Copom sempre cita que o ambiente externo permanece desafiador, em função, principalmente, da conjuntura econômica incerta nos Estados Unidos. Em relação ao cenário doméstico, cita o conjunto dos indicadores de atividade econômica e do mercado de trabalho que segue apresentando dinamismo, como se isso fosse ruim. E completa: “a inflação cheia e as medidas subjacentes se situam acima da meta nas divulgações mais recentes. O Comitê avalia que há uma assimetria altista em seu balanço de riscos para os cenários prospectivos para a inflação.”
No Brasil, o sistema de metas de inflação foi adotado em 1999, governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), em um contexto de instabilidade econômica e transição para o câmbio flutuante, que tem como desvantagem a valorização excessiva das moedas estrangeiras, com ganhos expressivos para os especuladores e causar inflação.
A meta de inflação para o Brasil em 2024 foi estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) em 3,0%, com um intervalo de tolerância de 1,5 ponto percentual para mais ou para menos, resultando em um limite de até 4,5%. Em outubro de 2024, a inflação medida pelo IPCA em 12 meses chegou a 4,76%, ultrapassando o teto da meta. Por isso, o aumento da Selic.
Com essa mínima tolerância, mais arcabouço fiscal, Congresso ultraconservador, taxas de juros nas alturas, assim como o crédito para consumo e investimentos, é surpreendente a previsão da Secretaria de Política Econômica (SPE) do Ministério da Fazenda que aumentou, de 2,5% para 3,2%, a estimativa de crescimento da economia brasileira neste ano. Mesmo assim, a elite rentista do Brasil, braço de apoio ao neocolonialismo, continua a lutar com todas as suas forças para concentrar cada vez mais a renda nacional. E o governo Lula está enredado nessa teia neoliberal.
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