Hegemonia norte-americana, segundo Maria da Conceição Tavares

Faleceu Maria da Conceição Tavares (1930-2024) no dia 8 de junho. Professora nascida em Portugal foi economista, matemática e autora de diversos livros sobre desenvolvimento econômico. Trabalhou na elaboração do Plano de Metas de Juscelino Kubitschek e foi professora titular da Universidade Estadual de Campinas e professora emérita da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Sofreu influência, principalmente, de três economistas brasileiros: Celso Furtado, Caio Prado Jr. e Ignácio Rangel.

Severa crítica do neoliberalismo, Maria da Conceição formou uma geração de economistas que ajudaram mudar rumos da economia do país para o bem e para o mal. Os petistas Guido Mantega, Aloizio Mercadante, Dilma Rousseff e os neoliberais José Serra, Pedro Malan e Fernando Henrique Cardoso, entre outros.

Filiada ao Partido dos Trabalhadores (PT), ela também foi deputada federal pelo estado do Rio de Janeiro entre 1995 e 1999. Depois voltou à academia. Numa entrevista no programa Roda Viva da TV Cultura, em 1995, foi direta ao ponto: “Se você não se preocupa com justiça social, com quem paga a conta, você não é um economista sério. Você é um tecnocrata”. 

‘Em 1985, Maria da Conceição Tavares publicou um ensaio de extrema relevância denominado “Retomada da hegemonia norte-americana”. Antes do fim da União Soviética, em 1991, ela percebeu a importância da dolarização para o projeto de hegemonia dos Estados Unidos pós Segunda Guerra Mundial: uma ordem financeira global, desregulada e liberalizada, centrada em Wall Street e no dólar estadunidense.

 Uma segunda versão foi publicada em 1997, no livro “Poder e dinheiro”, editora Vozes,  organizado por ela e José Luís Fiori.

Na apresentação do ensaio, Maria afirma que “a forma insólita e pouco ortodoxa em que vem sendo apresentada esta discussão sobre ´hegemonia americana’ deve-se ao longo período e aos frequentes desvios com que a discussão acadêmica, política e ideológica tem tratado do assunto e à minha obsessão recorrente cada vez que o debate e a própria realidade político-econômica apresentam movimentos contraditórios. Resolvi, por isso, contribuir para a tarefa coletiva de construção deste livro juntando os cacos de minhas reflexões, desde 1984 até agora sobre a hierarquia das relações internacionais do ponto de vista da predominância política e econômica da potência hegemônica.”

E no final:  

“Na medida em que venham abdicar do papel de gestores hegemônicos da ordem internacional numa tentativa de imporem-se como centro de comando imperial, os EUA poderão introduzir um forte elemento de instabilidade institucional na correlação de forças precárias, ainda que nitidamente definida, que hoje lideram. Um sinal de que esta liderança pode estar mudando de qualidade vem do fato de que, doze anos depois de anunciada no artigo aqui revisado, a retomada da hegemonia estadunidense emerge por entre o lodaçal do discurso oficial na cena diplomática, pelas palavras do recém-eleito primeiro-ministro francês, que denunciou publicamente o que chamou de ‘pressão hegemônica’ dos americanos. Como há uma década e meia anunciava-se de público o declínio dos EUA no momento mesmo em que tal declínio, ademais de revelar-se transitório, era definitivamente deixado para trás, será lícito imaginarmos que, possivelmente, o reconhecimento público da hegemonia americana aconteça no momento mesmo em que os EUA procuram superá-la em favor de uma estratégia imperialista ostensiva.”