Lula, Brasil e BRICS

No artigo “A reinvenção do BRICS”, Marcio Pochmann, presidente do Instituto Lula, escreve que o contexto que permitiu construir o BRICS (formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) no passado está superado. “Há 13 anos, ainda havia dúvidas a respeito do esgotamento da governança unilateral do mundo conduzida pelos Estados Unidos desde o fim da Guerra Fria. Nos últimos 13 anos do BRICS, três novos elementos estruturais passaram a fundamentar o contexto mundial, distante do verificado no final da década de 2000.”

Para ele, o primeiro elemento estrutural resulta do inédito movimento de deslocamento do centro dinâmico mundial do Ocidente para Oriente. Após cinco séculos de dominância do projeto de modernidade ocidental, iniciado com a queda de Constantinopla em 1453, e o salto das grandes navegações, os Estados Nacionais no Ocidente se encontram atualmente diante de intensa polarização e desintegração interna.

O segundo elemento seria estrutural pelo avanço para o antropoceno. O conceito antropoceno foi popularizado em 2000 pelo químico holandês Paul Crutzen, vencedor do Prêmio Nobel de Química em 1995, para designar uma nova época geológica caracterizada pelo impacto do homem na Terra. O novo regime climático que se consolida tem sido gerado pelo impacto acelerado da acumulação de gases de efeito estufa sobre o clima e a biodiversidade. Os danos climáticos parecem irreversíveis, pois ocasionados pelo modelo de produção e consumo excessivo de recursos naturais.

O terceiro elemento, conforme Pochmann, se fundamenta na passagem para a Era Digital. A marcha da revolução informacional produz intensas e substanciais transformações nas sociedades, que rompem com a trajetória pregressa, emergindo em substituição à Era Industrial.

O ex-presidente Lula, em suas mais recentes palestras, tem defendido que o Brasil fortaleça a sua relação com os parceiros do BRICS porque este é um “bloco poderoso”. Segundo Lula, o grupo avançou até quando a presidenta Dilma Rousseff estava no governo e se fragilizou com o conflito entre Rússia e Ucrânia. Para ele, o bloco é a possibilidade de mudar um pouco a ordem econômica mundial. Se for eleito Presidente da República, Lula pretende defender que os países integrantes do BRICS não fiquem dependendo apenas de uma moeda, referindo-se ao dólar.

Bretton Woods

Em 1944, na pequena cidade rural de Bretton Woods, EUA,  já no final da Segunda Guerra Mundial, mais de 700 delegados representando 44 países reuniram-se para criar um novo sistema monetário mundial, com o viés liberal. Nesta conferência havia o projeto da criação de uma moeda internacional neutra e não o dólar, permitindo que os países trocassem mercadoria por mercadoria.  A proposta era criar o Fundo Monetário Internacional (FMI) para ser uma espécie de banco central mundial para regular a liquidez, estabelecer a União de Compensações, baseada na moeda bancária internacional sem pátria.

Os bancos centrais dos países membros deveriam manter contas com a União de Compensações Internacional. A ideia consistia em igualdade de créditos e débitos. O economista inglês John Keynes entendia que se nenhum crédito pudesse ser removido para fora do sistema, somente transferido dentro dele mesmo, a União jamais teria dificuldades. Tudo ficou no papel.

Para os Estados Unidos, país que estava assumindo a hegemonia mundial no lugar da Inglaterra, era essencial um regime cambial que permitisse a expansão de suas exportações e, ao mesmo tempo, mecanismos de controle contra restrições ao comércio exterior. Sob o Sistema Bretton Woods, os bancos centrais dos países, com exceção dos Estados Unidos, foram incumbidos de manter fixa a taxa de câmbio entre suas moedas e o dólar, com uma pequena flexibilidade. A regra implícita é que a política monetária internacional seria regida pelo Federal Reserve Board. A máquina de emitir a moeda que lastreava as demais estava sob o domínio norte-americano. O único controle era a equivalência em ouro nos cofres dos EUA ao valor emitido em moeda.

Neste período, os Estados Unidos controlavam aproximadamente dois terços da oferta mundial de ouro. Tal acúmulo vinha ocorrendo desde os anos 1930, quando a fuga do capital europeu se intensificou na medida em que aumentavam os temores de que uma nova guerra pudesse ocorrer.

Grande parte da arquitetura institucional e de segurança da atual ordem mundial surgiu no fim da 2ª Guerra Mundial ou logo depois, quando a Organização das Nações Unidas (ONU), o Banco Mundial e o FMI foram criados e suas sedes estabelecidas nos EUA. O  objetivo de  toda as ações  para recuperar a economia no Pós-guerra estava intrinsecamente ligado ao bloqueio  da expansão do socialismo soviético, que ameaçava dominar boa parte da Europa.

Apesar da intransigência natural dos Estados Unidos, uma retomada da discussão de propostas que foram deixadas de lado ao longo do tempo,  aconteceu durante uma reunião do grupo das 20 principais economias mundiais, o G20, no final da primeira década dos anos 2000, em Londres. O banco central da China propôs a substituição do dólar como moeda de reserva internacional por um novo sistema global controlado pelo FMI. O Banco Central Chinês propôs que as SDRs (Direito Especial de Saque), ativo financeiro criado pelo FMI em 1969 como títulos de reserva internacional, poderiam ser usadas como uma moeda supra soberana, que viriam eventualmente a substituir o dólar.

O objetivo seria criar uma moeda de reserva internacional desconectada de países específicos, capaz de manter-se estável no longo prazo, evitando as fragilidades inerentes causadas pelo uso de moedas nacionais. Para a China, um novo sistema de reserva poderia ser mais estável e economicamente viável.

Naquele momento, o argumento era a crise econômica global de 2008, que mostrou as vulnerabilidades e riscos sistêmicos no sistema monetário internacional.

A Rússia propôs ao G20 a criação de vários centros financeiros mundiais, fundos regionais, revisão do papel do FMI e várias moedas para o ajuste de contas internacionais. Os russos sugeriram também a criação de uma nova moeda de reserva.

De acordo com textos de economistas como o brasileiro João Manuel Cardoso de Melo (Capitalismo Tardio) e o austríaco Karl Polanyi (A Grande Transformação – as origens de nossa época), o Centro Capitalista, e, portanto, o país hegemônico internacional, é definido em termos de três controles: o primeiro deles se exerceria sobre o processo de inovação tecnológica, o que supõe formas de organização capitalista, incluindo  o poder financeiro; o segundo,  moeda e finanças internacionalizadas; o terceiro diz respeito ao poder político-militar, em última instância, o controle das armas. Esse é o momento em que vivemos.