Moeda comum para o comércio entre Brasil e Argentina é tendência que cresce no mundo

A criação de uma moeda comum que possa ser usada nos fluxos comerciais e financeiros entre Brasil e Argentina foi discutida nesta semana em Buenos Aires, durante a visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao presidente da Argentina Alberto Fernández, na Casa Rosada, sede do governo. O objetivo seria reduzir custos operacionais e a dependência de moedas estrangeiras.

Lula disse que a criação de uma moeda para o comércio entre os dois países ocorrerá “com muito debate e muitas reuniões”. “É o que vai acontecer”, disse ele. “Se dependesse de mim, a gente teria comércio exterior sempre nas moedas dos outros países, para não precisássemos ficar dependendo do dólar.”

Segundo Lula, muitos países têm dificuldade de adquirir dólar, e isso impede que acordos aconteçam. “Deus queira que nossos ministros e presidente de bancos centrais tenham a inteligência, a competência e a sensatez necessária para que a gente dê um salto de qualidade nas nossas relações comerciais e financeiras”, completou o presidente.

Segundo o presidente argentino, ainda não se sabe como essa moeda funcionaria, mas é preciso “coragem de mudar”. “Mas, sim, sabemos o que acontece com as economias nacionais tendo a necessidade de funcionar com moedas estrangeiras e sabemos como isso é nocivo”, disse Fernández.

Atualmente, o dólar como moeda oficial usada pelos governos e bancos no mundo em transações comerciais como compra e venda de produtos, importação, exportação e investimentos é estratégico para a economia dos Estados Unidos.

O consumo mundial foi estimulado pelas importações dos Estados Unidos, que ocorreram via endividamento. Os dólares nas mãos dos exportadores são reinvestidos nos títulos públicos norte-americanos. Até agora esta foi uma equação fechada beneficiando totalmente os Estados Unidos, que crescem com o dinheiro alheio.

Na atualidade, economistas de peso como Joseph Stiglitz, Nobel de economia, ressaltam a importância de ter uma nova moeda independente como reserva mundial que tomasse o lugar do dólar. Ela não dependeria do desempenho econômico de nenhum país, provocando em tese mais estabilidade ao sistema monetário internacional.

Mais recentemente, esse tema entrou em discussão após o estouro da crise dos créditos imobiliários em setembro de 2008, que abalou a economia mundial. Em nenhum momento o governo dos Estados Unidos aceitou discutir questões do sistema monetário internacional como a permanência do dólar como moeda global, simplesmente porque entendiam que a hegemonia norte-americana não estava em jogo naquele momento.

O presidente do Banco Central Chinês na época, Zhou Xiaochuan disse que as SDRs (Direito Especial de Saque), ativo financeiro criado pelo FMI em 1969 como títulos de reserva internacional, poderiam ser usadas como uma moeda supra soberana, que viriam eventualmente a substituir o dólar.

Zhou Xiaochuan explicou que o objetivo seria criar uma moeda de reserva internacional “desconectada de países específicos, capaz de manter-se estável no longo prazo, evitando as fragilidades inerentes causadas pelo uso de moedas nacionais”.

Bretton Woods,

A Conferência de Bretton Woods, em 1944, foi o mais importante evento para consolidação do dólar como a principal moeda da economia. O objetivo oficial ali era revitalizar a economia mundial, com a derrota iminente da Alemanha na 2ª Guerra Mundial. Ou, em outras palavras, reerguer o capitalismo no Ocidente sob o controle dos Estados Unidos.

Inicialmente, a ideia de um “fundo” comum para a promoção do comércio entre países foi sugerido, tanto pelo economista inglês John Maynard Keynes, quanto pelo seu colega norte-americano Harry Dexter White. Keynes propôs a criação de uma Câmara de Compensações Internacionais (International Clearing Union), uma espécie de banco central mundial que centralizaria as transações entre países – representados por seus respectivos bancos centrais.

O objetivo da instituição seria a criação de um novo sistema monetário internacional por meio do “bancor”, cuja única função seria facilitar transações internacionais e estabelecer um padrão monetário que não dependesse de flutuações cambiais ou políticas que variassem de país para país. No entanto, tudo ficou no papel e o dólar foi escolhido como a moeda para as transações comerciais pelo mundo.

Em 2021, depois do início do conflito entre Ucrânia e Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) contra a Rússia, o dólar norte-americano como referência no comércio internacional, como reserva de valor no mundo, voltou a ser questionado, principalmente por Rússia e China.

Nesta semana, em visita a Angola, o chanceler russo, Sergei Lavrov, indicou que os países do BRICS vão analisar a iniciativa de criação de uma moeda comum na cúpula que se realizará na África do Sul. O chanceler disse aos jornalistas que a questão será definitivamente discutida na cúpula do BRICS a realizar-se na África do Sul no final de agosto.

Em dezembro de 2022, o Ministério das Relações Exteriores da Rússia informou que Rússia e Índia vão abandonar dólar e euro no comércio entre eles. Os dois países lançaram um mecanismo para liquidações mútuas em moedas nacionais. Moscou e Nova Délhi concordaram em se afastar do dólar e do euro no comércio mútuo, disse Zamir Kabulov, alto funcionário do Ministério das Relações Exteriores da Rússia à RIA Novosti.

Moscou e Nova Delhi já estabeleceram com sucesso um mecanismo para acordos mútuos em rublos e rúpias. O governo indiano permitiu que a moeda nacional fosse usada em acordos comerciais internacionais em novembro de 2022, em um esforço para promover as exportações e reduzir a dependência da rupia em relação ao dólar. A medida também é vista como um incentivo para aumentar o comércio com Moscou.