O “x” da questão é a política monetária do governo Lula

O economista André Lara Rezende, um dos pais dos planos Cruzado e Real, juntamente com Pérsio Arida, outro idealizador do Plano Real, faz parte da equipe econômica da transição do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, que conta também com Guilherme Mello e Nelson Barbosa, ligados ao PT.

O texto “Diretrizes de Políticas Públicas para 2023 – Elementos para uma Estratégia de Retomada do Crescimento Sustentável e Inclusão Social”, elaborado por vários economistas do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), foi coordenado por Lara Rezende.

Uma das discussões mais importantes para esse grupo de transição do governo Lula,  instalado  no CCBB (Centro Cultural Banco do Brasil), em Brasília, deve ser a política monetária, que define a atuação de autoridades monetárias sobre a quantidade de moeda em circulação, de crédito, e das taxas de juros controlando a liquidez global do sistema econômico. O “x” da questão é que essa política está nas mãos de um Banco Central “independente”.

Nos últimos tempos, Lara Rezende tem defendido a tese de que é preciso repensar a teoria macroeconômica preponderante – em especial a política monetária. Em junho de 2022, ele lançou o livro “Camisa de força ideológica”, pelo selo Portfolio-Penguin da Companhia das Letras.

Para ele, a teoria econômica que hoje pauta grande parte de nosso entendimento do mundo é tida como o embasamento, se não científico, técnico, das políticas públicas. “Os economistas, embora pretendam ter um sólido arcabouço teórico e sustentação empírica, que lhes daria legitimidade para ditar políticas, são mais um grupo de contadores de histórias. Como tantos outros, criam narrativas para ordenar e dar sentido a uma realidade aparentemente caótica.”

Lara Rezende observa que “nas sociedades contemporâneas, a teoria monetária hegemônica é um arcabouço conceitual cujo objetivo é restringir e direcionar o poder do Estado, agora em benefício do capitalismo financeiro.”

E complementa: “O capitalismo sempre foi financeiro, adoto aqui o termo para denotar o capitalismo contemporâneo, sobretudo a partir do último quarto do século XX, quando os ativos e os passivos financeiros cresceram desproporcionalmente em relação à renda. Os economistas viram o seu prestígio crescer, são hoje a elite da tecnocracia e os formuladores de políticas públicas. Os políticos eleitos foram relegados a um papel secundário. Têm, em tese, o poder de definir políticas, mas, na prática, estão subordinados ao receituário tecnocrático dos economistas.”

No artigo “Obsessão em atar as mãos do Estado paralisa o Brasil há três décadas”, publicado no Valor Econômico em abril de 2021, Lara Rezende escreve “que é altamente questionável e equivocada a ideia que se consiga combater a inflação com a alta dos juros.  Além disso, ao subir a taxa de juros, sobem os custos de carregamento da dívida pública federal, que hoje está em torno de R$ 5 trilhões. O mercado calcula que haverá um custo ao governo federal de R$ 360 bilhões por ano com a alta dos juros. Quem ganha são os grandes bancos e os ricos, seja como instituições financeiras ou fundos de investimento, que detêm hoje 47,5% da dívida pública em suas mãos.

No artigo “Juros e conservadorismo intelectual”, publicado no Valor Econômico em janeiro de 2017, Lara Rezende afirma que embora continuem a ser utilizados pelos analistas e pelos economistas práticos, os modelos da Teoria Quantitativa da Moeda (TQM), tanto o keynesiano como o monetarista, são hoje considerados ultrapassados. Na fronteira teórica, foram substituídos pelos modelos neokeynesianos, com expectativas racionais, que deixam a moeda de lado e focam exclusivamente na taxa de juros como instrumento de controle da inflação.

Segundo ele, a teoria monetária dominante nunca conseguiu compreender e dar soluções para as altas taxas de inflação crônica. Sua prescrição – controlar a expansão da moeda e contrair a liquidez – só provocou crises bancárias e recessões.

Ele lembra que “a experiência revolucionária dos bancos centrais do mundo desenvolvido, desde a grande crise financeira de 2008, não deixa mais dúvida: todos os modelos macroeconômicos que adotam alguma versão da Teoria Quantitativa da Moeda estão equivocados e devem ser definitivamente aposentados. Os bancos centrais aumentaram a oferta de moeda numa escala nunca vista. O Fed, banco central dos EUA, por exemplo, aumentou as reservas bancárias de US$ 50 bilhões para US$ 3 trilhões, ou seja, multiplicou a base monetária por 60, num período inferior a dez anos. A inflação não explodiu, ao contrário, continuou excepcionalmente baixa. O mesmo aconteceu no Japão, na Inglaterra e nas economias da zona do euro. Diante do aumento, verdadeiramente extraordinário, da oferta de moeda, a inflação manteve-se excepcionalmente baixa e ainda menos volátil do que no passado.”

Enquanto isso, a mídia corporativa só está interessada na manutenção no teto dos gastos da União, conforme emenda constitucional aprovada em 2016 e que estabelece que os gastos do governo pelos próximos 20 anos – até 2036 – devem crescer de acordo com a inflação de um ano para o outro.

O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central aumentou 12 vezes consecutivas a taxa básica de juros, que estava em 2% ao ano em março de 2021 e hoje chegou a 13,75% ao ano. Tudo para controlar a inflação que não é de demanda, mas de custos, pelo descontrole de preços que deveriam ser administrados pela União, como os derivados do petróleo e energia, além da falta de estoques reguladores de alimentos.

O resultado é que somente quatro entre 10 famílias conseguem acesso pleno à alimentação.  A escalada da fome está expressa em pratos cada vez mais vazios, olhares cada vez mais preocupados, e números em permanente e rápida ascensão. Em 2022, 33,1 milhões de pessoas passam fome, conforme revelou o 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil.