Pacote fiscal aprovado pelo Congresso livra supersalários e atinge trabalhadores

O Senado aprovou, por 42 votos a 31 nesta sexta-feira (20), o último projeto do pacote fiscal enviado pelo Executivo ao Parlamento e concluiu a votação das medidas fiscais do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O texto seguirá para sanção presidencial.

O Ministério da Fazenda estima que o impacto fiscal da desidratação do pacote de corte de gastos no Congresso Nacional será de um pouco mais de R$ 1 bilhão até 2026. Com as medidas fiscais, a estimativa inicial era de que fosse possível economizar R$ 71,9 bilhões até o fim do mandato do presidente  Lula.

O trágico para a economia nacional é que o Brasil é o país que mais paga juros da dívida pública em relação ao Produto Interno Bruto (PIB), entre grandes economias citadas em relatório que o Conselho de Estabilidade Financeira (conhecido pela sigla FSB) enviou para a cúpula dos líderes do G20 no Rio.

Em 2024, o Brasil deverá enfrentar uma carga significativa para rolar os juros da dívida pública, refletindo a elevação dos juros domésticos e internacionais nos últimos anos. Embora as projeções variem, alguns analistas econômicos estimam que o governo pode pagar algo em torno de R$ 800 bilhões a R$ 1 trilhão apenas com o serviço da dívida (juros e amortizações). Esse montante pode representar aproximadamente 9% a 10% do PIB brasileiro.

No lugar do pacote fiscal o Executivo poderia sugerir apenas a alteração do art. 166 da Constituição de 1988, com supressão da  alínea “b” do inciso II do parágrafo 3º. O parágrafo 3º ressalva que as emendas ao projeto de lei do orçamento anual ou aos projetos que o modifiquem somente podem ser aprovadas caso:

II – Indiquem os recursos necessários, admitidos apenas os provenientes de anulação de despesa, excluídas as que incidem sobre:

  1. Dotações para pessoal e seus encargos
  2. Serviço da dívida
  3. Transferências tributárias constitucionais para Estados, Municípios e Distrito Federal

Salário mínimo

O pacote limita o aumento real (acima da inflação) do salário mínimo (PL 4.614/2024) às regras do arcabouço fiscal (de 0,6% a 2,5% de crescimento da despesa primária). A lei atual fala em inflação mais a variação do PIB, cuja previsão em 2024 é de 3,3%. Significa uma perda para os trabalhadores.

O Projeto de Lei 4.614/2024 introduz mudanças significativas no Benefício de Prestação Continuada (BPC). O BPC é um auxílio mensal de um salário mínimo destinado a idosos e pessoas com deficiência de baixa renda.

As principais alterações aprovadas incluem:

  • Recadastramento Biométrico: Os beneficiários deverão realizar um recadastramento biométrico periódico, com atualização cadastral obrigatória a cada dois anos.
  • Avaliação do Grau de Deficiência: A concessão do BPC para pessoas com deficiência ficará sujeita a uma avaliação que ateste o grau de deficiência, conforme regulamentação específica. Inicialmente, o texto previa a restrição do benefício apenas para deficiências moderadas ou graves. Contudo, após debates no Senado, o governo comprometeu-se a vetar esse trecho, mantendo o acesso ao BPC para todas as pessoas com deficiência, independentemente do grau.
  • Critérios de renda: Não houve alteração imediata nos critérios de renda familiar para acesso ao BPC (renda per capita de até 1/4 do salário mínimo). No entanto, o governo poderá revisar a regulamentação para assegurar maior alinhamento entre as exigências fiscais e a política de assistência social.

O argumento do governo Lula é que essas mudanças visam aprimorar o controle sobre os benefícios pagos, garantindo que o recurso seja direcionado a quem realmente precisa, enquanto promove maior sustentabilidade fiscal.

PIS/Pasep

O pacote fiscal aprovado pelo Senado introduz mudanças significativas no abono salarial do PIS/Pasep, atualmente concedido a trabalhadores que recebem até dois salários mínimos mensais. As principais alterações são:

Redução Gradual do Limite de Renda: Atualmente, o abono salarial é pago a trabalhadores que ganham até dois salários mínimos por mês. Com a nova medida, esse limite será reduzido gradualmente até atingir um salário mínimo e meio. Segundo previsões do governo, essa mudança será implementada de forma escalonada até 2035.

Correção pelo INPC: A partir de 2026, o valor de referência para o abono salarial será corrigido apenas pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), sem considerar ganhos reais acima da inflação. Isso significa que o valor será ajustado conforme a inflação, mas não haverá aumentos adicionais baseados no crescimento econômico.

Essas mudanças visam reduzir os gastos públicos, restringindo o acesso ao abono salarial a um grupo menor de trabalhadores ao longo do tempo. Atualmente, cerca de 24,8 milhões de trabalhadores com carteira assinada recebem até dois salários mínimos e são elegíveis para o abono salarial. Com a redução gradual do limite de renda, espera-se que o número de beneficiários diminua, resultando em economia para os cofres públicos.

Emendas parlamentares

Com a aprovação do pacote fiscal no Senado, ocorreram mudanças significativas nas regras relacionadas às emendas parlamentares. Originalmente, o governo propôs que todas as emendas parlamentares pudessem ser contingenciadas e bloqueadas na mesma proporção das demais despesas discricionárias, com uma limitação de até 15% do total das emendas.

No entanto, o texto aprovado pelo Congresso alterou essa disposição, estabelecendo que a regra de bloqueio se aplicará apenas às emendas não impositivas (não obrigatórias), deixando as emendas impositivas (obrigatórias) fora desse contingenciamento.

Essa mudança implica que as emendas impositivas, que são de execução obrigatória pelo governo, não poderão ser bloqueadas ou contingenciadas, garantindo sua execução integral. Por outro lado, as emendas não impositivas poderão ser contingenciadas, mas apenas até o limite de 15% do seu total. 

Supersalários

O pacote fiscal aprovado pelo Senado aborda os chamados “supersalários” no funcionalismo público, ou seja, remunerações que excedem o teto constitucional atualmente fixado em R$ 44 mil mensais. A principal medida adotada foi a previsão de regulamentação futura sobre quais verbas podem ser excluídas desse limite remuneratório. Essa regulamentação será estabelecida por meio de uma lei ordinária, que exige um quórum menor para aprovação em comparação com uma lei complementar.

Até que essa lei seja aprovada, as parcelas de caráter indenizatório continuarão a não ser computadas para efeito dos limites remuneratórios, permitindo que certas verbas adicionais permaneçam fora do teto salarial. O projeto, no entanto, abre 32 exceções para “verbas indenizatórias” para juízes, promotores e outros servidores públicos. Há especialistas em contas públicas que apontam, inclusive, que essa proposta provocará um aumento dos gastos e não um corte. A versão apresentada pelo governo previa o inverso. O Executivo ficaria proibido, imediatamente, o pagamento de “verbas indenizatórias” que não estiverem previstas em lei complementar.

PEC do quinquênio

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), condicionou o avanço da regulamentação das verbas indenizatórias, que visam limitar os chamados “supersalários” no funcionalismo público, à aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) conhecida como “PEC do Quinquênio”. Essa PEC propõe um adicional de 5% no salário a cada cinco anos de serviço, até o limite de 35%, para carreiras jurídicas, como juízes e procuradores. Estima-se que seu impacto financeiro possa chegar a R$ 82 bilhões.

Com agências da Câmara dos Deputados e Senado, O Globo e Valor Econômico