O governo federal começou a detalhar as medidas do pacote fiscal que foram anunciadas na noite de quarta-feira, 27, pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad. A estimativa oficial é de impacto de R$ 70 bilhões em dois anos. Até 2030, a economia prevista é de R$ 327 bilhões.
O pacote de corte de gastos proposto pelo Poder Executivo pode ser votado pelas duas casas do Congresso Nacional antes do recesso parlamentar, previsto para 22 de dezembro. A expectativa otimista é do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que coordenou uma reunião entre os líderes partidários e os ministros Fernando Haddad, e da Secretaria de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, na quinta-feira, 28.
O que a grande mídia corporativa e colonial ignora é que esse pacote fiscal envolve uma questão histórica no Brasil: quem paga a conta? O jurista e sociólogo gaúcho Raymundo Faoro (1925- 2003), em seu livro clássico, publicado em 1958 pela editora Globo, “Os Donos do Poder”, título sugerido por Erico Verissimo, deixando o original “Formação do Patronato Político Brasileiro” como subtítulo, foi direto ao ponto: “Estado e nação, governo e povo, são realidades diversas, que se desconhecem.”
“Os Donos do Poder” percorre seis séculos de história para sustentar a tese do patrimonialismo, segundo a qual o Estado, no Brasil, está subordinado, de forma incontornável, a grupos de interesse e influência. A esse grupo o autor dá o nome de “estamento burocrático”.
O pacote fiscal tem que passar por um Congresso dominado por esses grupos de interesse e influência, citados por Faoro. As três principais bancadas são a dos evangélicos, ruralistas e armamentistas, ou como são conhecidas: bancadas da bíblia, boi e bala.
Por isso, o governo Lula tem que ceder. Entre as medidas de corte de despesas que afetam os trabalhadores, está a limitação do ganho real do salário mínimo aos limites do arcabouço fiscal. Ou seja, ele seria corrigido pela inflação e teria ganho real entre 0,6% e 2,5%. A lei atual fala em inflação mais a variação do Produto Interno Bruto (PIB), cuja previsão em 2024 é de 3,3%.
O pacote fiscal ainda prevê um corte gradual do acesso ao abono salarial de um salário mínimo por ano. Hoje ele beneficia quem ganha até dois salários mínimos, mas isso cairia gradualmente para um salário mínimo e meio. Este ano, foram beneficiados 24.874.071 milhões de trabalhadores com carteira assinada, que recebiam até dois salários mínimos, R$ 2.824. O valor do abono do PIS e do Pasep, pago em 2024, variou de R$ 118,00 a R$ 1.412,00, de acordo com a quantidade de meses trabalhados durante o ano-base 2022.
O governo também vai ampliar o pente-fino no Benefício de Prestação Continuada (BPC), pago a idosos e deficientes de baixa renda, e no Bolsa Família.
Isenção do IR
Para reduzir o impacto político dos cortes de gastos obrigatórios, o governo incluiu a proposta para elevar a faixa de isenção do Imposto de Renda (IR) para quem ganha até R$ 5 mil. A proposta de isenção de Imposto de Renda trará benefícios também para quem recebe até R$ 7,5 mensais. A correção da faixa de isenção beneficiará 26 milhões de pessoas, segundo cálculos da equipe econômica.
Essa medida tem impacto de R$ 35 bilhões por ano na arrecadação federal. Com a tramitação da segunda fase da reforma tributária ao longo do próximo ano, a tendência é que a mudança só entre em vigor em 2026.
Para financiar o aumento da faixa de isenção do Imposto de Renda, o governo pretende introduzir uma alíquota efetiva de 10% para quem ganha mais de R$ 50 mil por mês. A medida pretende fazer que pague mais tributos quem se aproveita da “pejotização”, conversão dos rendimentos de pessoas físicas em rendimentos de empresas.
Sobre a proposta que isenta de cobrança de Imposto de Renda quem ganha até R$ 5 mil, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, disse em nota à imprensa que “não é pauta para agora”, e que a medida irá depender do crescimento do país, rechaçando o aumento de tributos, uma referência a alíquota de 10% para quem ganha mais de R$ 50 mil.
O ministro Fernando Haddad disse em almoço dos dirigentes de bancos, promovido pela Federação Brasileira dos Bancos (Febraban), em São Paulo, que há alinhamento do Congresso com o Executivo para votar com urgência o pacote fiscal, e inclusive para corrigir distorções nas medidas apresentadas. Portanto, a tendência é que a conta, mais uma vez, fique no colo dos trabalhadores.
Ataque do andar de cima
O andar de cima ficou revoltado com a proposta de isenção do Imposto de Renda de até R$ 5 mil e resolveu rodar a baiana. Eles não querem ceder em absolutamente nada. Nesta sexta-feira, 29, o dólar segue sob forte pressão. A moeda estadunidense superou os R$ 6,10.
O Banco Central (BC) poderia enfrentar esse ataque especulativo, promovido pelo mercado com o dólar, com possíveis operações de swap cambial. O objetivo dessas operações é prover “hedge” cambial – proteção contra variações excessivas da moeda estadunidense em relação ao real – e liquidez ao mercado de câmbio doméstico. A compra de contratos de swap pelo BC funciona como injeção de dólares no mercado futuro.
Como a presidência do BC está nas mãos de Roberto Campos Neto, escolhido pelo governo Bolsonaro, simplesmente mantém a manutenção dos ganhos financeiros e deixa rolar a especulação com o câmbio. Campos Neto deixará a presidência do BC em dezembro. A partir de janeiro de 2025, o governo federal volta a ter o controle da política monetária, com o economista Gabriel Galípolo na presidência do BC.
Alternativas esquecidas
O governo Lula poderia incluir no pacote fiscal o fim das operações compromissadas, que em outras palavras, significam remuneração da sobra de caixa dos bancos. O gasto com tais operações, que correspondem à remuneração de um depósito voluntário feito por bancos junto ao Banco Central, custou cerca de R$ 1 trilhão de reais em 10 anos (2009 a 2018), conforme números oficiais. O problema dessa operação é que ela é incluída no cômputo da dívida pública. Quanto mais essas operações o BC realiza, mais a dívida pública é afetada. E com taxa básica de juros, a Selic, pagando 11,25% ao ano, é mamão com açúcar para os bancos.
O Brasil é o país que mais paga juros da dívida pública em relação ao Produto Interno Bruto (PIB), entre grandes economias citadas em relatório que o Conselho de Estabilidade Financeira (conhecido pela sigla FSB) enviou para a cúpula dos líderes do G20 no Rio. Em 2024, embora as projeções variem, alguns analistas econômicos estimam que o governo pode pagar algo em torno de R$ 800 bilhões a R$ 1 trilhão apenas com o serviço da dívida (juros e amortizações). Esse montante pode representar aproximadamente 9% a 10% do PIB brasileiro, dependendo das condições econômicas e das taxas de juros que prevalecerem ao longo do ano. Por que não renegociar os juros da dívida pública com os bancos?
No final do primeiro semestre de 2024, a dívida pública bruta do Brasil foi estimada em R$ 8,8 trilhões, o que representava aproximadamente 77% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro. Existe uma margem razoável para investir em infraestrutura, criar empregos, e ampliar o crédito sem necessidade de pacotes fiscais recessivos. A obsessão de equilibrar o orçamento a qualquer custo tem como único objetivo manter o governo federal de mãos atadas e raptar o orçamento para os interesses de uma elite rentista.
Com agências Câmara, Brasil, Senado, Carta Capital, O Globo e Valor Econômico