Os números do Produto Interno Bruto, (PIB) do Rio Grande do Sul, no primeiro trimestre de 2021, mostram algo mais do que o crescimento de 4%, comparado ao trimestre anterior. Eles foram divulgados na semana passada pelo Departamento de Economia e Estatística (DEE), da Secretaria de Planejamento, Governança e Gestão do estado gaúcho.
Uma análise simples dos números deixa clara a opção do estado em exportar commodities, deixando para trás a retomada da industrialização. Enquanto isso, o mundo desenvolvido está vivendo o momento da Indústria 4.0, também chamada de Quarta Revolução Industrial, que propõe a convergência entre os meios físicos de produção e a tecnologia da informação, como a Internet das Coisas, robótica, análise de Big Data, computação em nuvem, Inteligência Artificial e Realidade Aumentada, entre outros.
As indústrias gaúchas pequenas e médias têm poucas chances de pensar na incorporação das novas tecnologias e modernização dos processos, por conta das dificuldades econômicas e a destruição do mercado interno brasileiro. Além disso, falta uma política industrial coordenada pelo governo federal.
O PIB gaúcho mostra o desempenho de 35,7% do agronegócio, seguido pela indústria, com 3,8%, ainda levando em conta que equipamentos e máquinas agrícolas estão incluídos. Por último os serviços e comércio, que estão estagnados, 0,4% e 0,1%, respectivamente.
A sensação é de voltar no tempo, meados do século XIX até o final da República Velha, em 1930, quando a principal atividade da economia gaúcha era a exportação do charque. A soja teve uma área plantada, em 2020, de 5,6 milhões de hectares e um Valor Bruto de Produção de R$ 16,90 bilhões. A participação do complexo soja nas exportações do agro gaúcho é de 40,5%.
Ninguém é contra o crescimento das exportações primárias, mas o governo do Estado deveria ter um plano de diversificação de sua economia e não ficar dependente da soja. Principalmente porque toda a cadeia do agronegócio ganha muito dinheiro para alimentar os suínos chineses sem pagar impostos. Quem paga a conta de toda a infraestrutura utilizada pelos exportadores é a sociedade gaúcha. O déficit da dívida do Rio Grande do Sul com a União chega aos R$ 70 bilhões, com R$ 12 bilhões em atraso, inviabilizando investimentos.
Não devemos esquecer que a Lei Kandir, aprovada em 1996, trouxe para os estados brasileiros a desoneração das exportações de produtos primários e semielaborados. Isentos de Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços ICMS); Programa de Formação do Patrimônio (PIS); Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI).
Alguns anos mais tarde, as desonerações previstas na Lei Kandir foram constitucionalizadas. Com a emenda constitucional 42 de 19 de dezembro de 2003, a CF/88 passou a dar imunidade total às exportações, fossem elas de mercadorias ou de serviços.
Depois de 25 anos de espera, o Rio Grande do Sul deverá receber cerca de R$ 6,5 bilhões até 2037 como compensação à Lei Kandir, conforme acordo entre União e estados, homologado no final de 2020 no Supremo Tribunal Federal (STF). O acordo prevê o repasse de R$ 65,5 bilhões da União para Estados, Distrito Federal e municípios como compensação à Lei Kandir e, em contrapartida, Estados desistiram das ações judiciais de cobrança pelas perdas ocasionadas pela desoneração de exportações.
Em 2018, só o Rio Grande do Sul acumulava perdas com a Lei Kandir calculadas em R$ 54 bilhões, conforme o então secretário da Fazenda do RS, Luiz Antônio Bins. Na época, ele afirmava “que essa conta bilionária, a partir da diferença entre as perdas brutas desde 1996 com o valor que foi ressarcido neste período, se aproxima do montante da nossa dívida com a União.”
Tal desoneração, conforme estudo de Jacó Braatz, economista da Secretaria da Fazenda do RS, teve como motivação elevar o investimento interno, a fim de promover o crescimento econômico, aumentar a competitividade das exportações brasileiras no mercado internacional e melhorar a balança comercial do país. Desde a implementação do Plano Real, em 1994, ela passou a ser amplamente deficitária, já que o real foi valorizado e a taxa de juros aumentou.
Segundo Braaz, o ICMS representa praticamente a totalidade das receitas tributárias dos estados brasileiros, algo próximo a 65% das receitas do Rio Grande do Sul. Em 2015, o valor de desonerações fiscais no Brasil foi estimado pela Receita Federal do Brasil, em relação aos tributos federais, em R$ 280 bilhões, ou 4,5% do PIB. Em relação aos estados não há estimativas globais de desonerações fiscais.
O Rio Grande do Sul, em 2014, possuía desonerações fiscais de R$ 15 bilhões (SEFAZ-RS, 2015), Desse total de gastos tributários, o valor individualmente mais significativo foram as imunidades constitucionais às exportações, que somavam 36,7% do total das desonerações do ICMS, ou R$ 5,2 bilhões.
Em se tratando de resultados da Lei, o economista acrescenta que no curto prazo houve perdas efetivas na arrecadação do ICMS nos três primeiros anos, mas que se reverteram no médio prazo, tendo em vista o boom das commodities e o exuberante crescimento da economia mundial após 2002/2003.
A opção de exportar commodities não é novidade no Brasil que, mesmo com governos neoliberais, tem uma organização econômica presa na transição entre o feudalismo e o mercantilismo. Ainda somos uma grande plantation, um modelo em que se destacam quatro aspectos principais: latifúndio, monocultura, mão-de-obra escrava e produção voltada para o mercado externo.