Sociedade se mobiliza contra pandemia das “bets”

A Câmara dos Deputados aprovou o projeto de lei que regulamenta as apostas esportivas online, as chamadas bets (PL 3626/23) no final de 2023. Até agora estava em processo de regulamentação no Executivo. Nesta semana, porém, o panorama mudou com a divulgação na terça-feira, 24, de uma análise técnica do Banco Central sobre o mercado de apostas online no Brasil e o perfil dos apostadores, uma solicitação do senador Omar Aziz (PSD-AM).

O levantamento aponta que os brasileiros gastaram cerca de R$ 20 bilhões por mês em apostas online nos primeiros oito meses de 2024 e cerca de 24 milhões de pessoas fizeram ao menos um Pix para as bets no mesmo período. E uma parte considerável está entre os beneficiários do programa social. Estima-se que, em agosto de 2024, cinco milhões de pessoas pertencentes a famílias beneficiárias do Bolsa Família  enviaram R$ 3 bilhões às empresas de apostas utilizando a plataforma Pix, sendo a mediana dos valores gastos por pessoa de R$ 100.

No mesmo dia, a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) ingressou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no Supremo Tribunal Federal (STF) para contestar a Lei 14.790/2023, conhecida como “Lei das Bets”. A CNC argumenta que a nova legislação, que regulamenta as apostas de cota fixa no Brasil, está causando graves impactos sociais e econômicos. Solicita, em caráter liminar, que o STF suspenda a eficácia da lei até que o mérito da questão seja julgado, a fim de evitar maiores danos ao comércio e à economia do país.

Um estudo realizado pela Confederação apurou que, entre 2023 e 2024, os brasileiros gastaram aproximadamente R$ 68 bilhões em apostas, valor que representa 22% da renda disponível das famílias no período. Mais de 1,3 milhão de brasileiros já se encontram inadimplentes devido às apostas em cassinos on-line.

Esses números provocaram uma reação no Congresso Nacional. Deputados e senadores protocolaram nos últimos dias diversos projetos para revisar a “Lei das Bets”. Entre as medidas sugeridas pelos parlamentares estão a limitação dos valores de apostas para beneficiários de programas sociais e a proibição de publicidade das Bets e até de transferências por Pix para apostas.

Temer legalizou apostas esportivas em 2018

As apostas esportivas online são legalizadas no Brasil desde 2018, após o Congresso aprovar uma Medida Provisória editada pelo então presidente da República Michel Temer (MDB). A atividade, no entanto, não foi regularizada. Esta lei foi responsável pela legalização das apostas esportivas de quota fixa no Brasil, tanto em ambiente físico quanto online. Ela previa que a regulamentação do setor seria feita em um prazo de até dois anos (posteriormente prorrogado), mas deixava muitos detalhes em aberto, como a definição das alíquotas de impostos, a divisão de receitas, a fiscalização e as regras operacionais das empresas de apostas.

Já o PL 3626/23, aprovado no final do ano passado, buscou regulamentar de forma mais detalhada o mercado de apostas esportivas, além de tributar de forma específica as empresas de apostas que atuam no Brasil. A grande diferença em relação ao projeto de 2018 é que a nova proposta estabelece um regime de tributação mais claro, com taxações sobre a receita das empresas de apostas (18%) e sobre os prêmios dos apostadores (30% sobre o valor que ultrapasse o limite de isenção).

Em áudio enviado por sua assessoria de imprensa a jornalistas nesta sexta-feira,27, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, confirmou que há um atraso na regulamentação das bets, que vem de governos anteriores. Segundo o ministro, o atual governo tentou regulamentar as casas de apostas no primeiro semestre de 2023 por meio de uma Medida Provisória, mas o documento “caducou” e não foi votado pelo Congresso Nacional.

Agora, disse, o presidente Lula pediu providências aos seus ministros para que ocorra essa regulamentação. “O tempo agora chegou. O presidente Lula fez todo o possível para colocar ordem nisso. E agora ele está munido de todos os instrumentos necessários para regulamentar esse assunto, que é muito delicado para a família brasileira. O presidente já pediu providências de todos os ministérios envolvidos, Fazenda, Saúde, Desenvolvimento Social e Esporte”, acrescentou.

Segundo Haddad, a regulamentação das bets era um tema que já deveria ter sido discutido no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro.  “As bets foram legalizadas no final do governo Temer e a lei previa que o Executivo teria dois anos para regulamentá-la, prorrogáveis por mais dois. Ou seja, a lei previa que durante o governo Bolsonaro o assunto tinha que ser regulamentado. Mas nada foi feito.”

“Infelizmente isso não aconteceu no governo anterior, um descaso com esse assunto. E agora eu posso assegurar que o Executivo do Brasil tem em suas mãos os instrumentos necessários para regulamentar e coibir os abusos que nós estamos verificando na nossa sociedade. Fique certo de que o governo está atento e, apesar desse enorme atraso e desse descaso, chegou a hora de colocar a ordem nisso e proteger a família brasileira”, reforçou Haddad.

De acordo com o ministro, a regulamentação proposta pelo governo prevê a coibição da lavagem de dinheiro e do endividamento das famílias por meio de apostas. “Também será preciso fazer um acompanhamento das famílias de baixa renda e dos adultos que estejam em condição de dependência.”

O Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS) divulgou uma nota nesta sexta-feira, 27/9, onde informa que criou um Grupo de Trabalho com a Rede Federal de Fiscalização do Bolsa Família e Cadastro Único com objetivo de apresentar uma proposta, até a próxima quarta-feira (2/10), sobre uso de recursos do cartão Bolsa Família com apostas online (bets). A pasta também trabalha de forma integrada com o Ministério da Fazenda, Ministério da Saúde e Casa Civil.