Bruno Lima Rocha
No final da manhã e início da tarde de quarta feira, 31 de agosto de 2016, o Brasil assistiu pela televisão aberta e por assinatura, a destituição da presidente Dilma Rousseff, com pouco mais de um ano e meio decorridos de seu segundo mandato. A traição teve como um dos pivôs o próprio vice, Michel Temer, eleito e reeleito junto à Dilma, com a bênção de Lula e da direção nacional do PT. Neste breve texto, trago algumas evidências, categorias e debates os quais entendo como urgentemente necessários.
Impeachment Consumado
Por 61 votos a favor e 20 contrários no Senado, o governo de Dilma Rousseff em seu segundo mandato foi encerrado. Assim, está consumada a dupla traição. A primeira derruba um governo eleito; a segunda traição é o preço que a ex-esquerda paga por confiar em oligarcas. Os entreguistas viralatas comemoram.
No momento da defesa da preservação dos direitos políticos de Dilma Rousseff, o senador Lindbergh Farias (PT-RJ) esteve milagrosamente certo na analogia. Os golpistas parlamentares de 1964 comemoram. Auro de Moura Andrade sorri no inferno. Ranieri Mazzilli o cumprimenta ao lado de Lincoln Gordon (embaixador dos EUA no Brasil) e Castello Branco (marechal escolhido por Washington para assumir o cargo de presidente no Brasil). E, como em 1964, o povo não foi convocado a resistir. Em 1964, porque o populismo sempre rói a corda. Em 2016, porque o lulismo sequer consegue ou quer ser populista.
Discursando a favor da cassação dos direitos políticos de Dilma, a senadora Ana Amélia (PP-RS) deu o tom da distopia liberal conservadora: legalidade institucional para sangrar os direitos coletivos; esvaziar o exercício do Poder Executivo para que a maioria, apelando sempre para os intermediários profissionais. No “salve-se quem puder”, os grupos de interesses “prudentemente” devem ir tentando alguma vantagem mínima através dos arranjos institucionais dos Estados pós-coloniais.
No último ato, em uma manobra com o aval de Renan Calheiros, Dilma fica habilitada e preserva seus direitos políticos
Estamos diante de uma novidade. A cassação de direitos não obteve maioria absoluta, tendo 42 votos favoráveis, 36 contrários e três abstenções. Logo, não obteve a maioria absoluta de dois terços no Senado, sendo preservadas as possibilidades de exercício de funções públicas para a presidente deposta, mas não cassada. Logo, está instaurado um período de absoluta instabilidade política no jogo eleitoral-burguês brasileiro. Dilma Rousseff pode ser eleita para cargos públicos – há questão de compreensão e interpretação jurídica – e pode estar no páreo das disputas eleitorais abertas, além de poder operar como puxadora de votos em 2018. O lulismo perde, mas não perde tudo.
Com esta manobra, Michel Temer acaba de perder o governo de fato, ao menos em sua totalidade. Renan Calheiros tira do interino golpista a condição de governar, deixando o vice-presidente usurpador entregue ao PSDB. Esta condição de “governabilidade” dura até o ponto em que os tucanos devorarem suas plumas visando à eleição de 2018.
Não foi por falta de aviso: o epílogo da Operação Café Filho e a melancolia de centro-esquerda
A presidente deposta Dilma Rousseff foi “traída” por um oligarca, Michel Temer com origens no grupo político de Adhemar de Barros, ex-governador de São Paulo e golpista em 1964. Considerando sua trajetória no nacionalismo varguista, Dilma deveria saber onde estava se metendo. Consumada a farsa da farsa, a vitória da Operação Café Filho.
Dilma Rousseff se despede de vermelho; momento melancólico onde a ex-esquerda é destituída do Poder Executivo sem sequer arriscar uma plataforma de governo com o povo no protagonismo.
A aliança de golpistas pela via parlamentar com suspeitos da Operação Lava Jato veio através do rito e manto da “legalidade”, pela farsa jurídica e impeachment sem mérito. O pior da tradição do país dos bacharéis termina com as ilusões “legalistas” da centro-esquerda, ou da ex-esquerda.
Uma parte da análise da presidente destituída está correta: existe uma dimensão substantiva do Golpe, na agenda regressiva de direitos e um avanço repressivo sob um véu de “legalidade”.
Nada veio por acaso, incluindo a baixa capacidade de resposta. Os lulistas e afins rasgaram o manual da política e pactuaram com quem não presta sem fiar o pactuado com os oligarcas através de uma espada afiada pronta para ser desembainhada.
Enfim, se levaram um ditador positivista (Getúlio Vargas) ao suicídio em 1954, porque não destituiriam uma keynesiana de centro (Dilma Rousseff) para um cadafalso semelhante em 2016?! Apenas a criminosa ilusão e inocência política poderiam fazer crer o contrário.
Aplicando uma categorização do momento vivido
Categorizando: trata-se de uma disputa intra-elites, quando uma elite dirigente está sendo destituída do poder burguês – embora juridicamente legítimo – por um novo arranjo de posicionamento das elites políticas majoritárias e suas respectivas representações de classe dominante. O povo está desorganizado desde 2013, quando a rebelião popular não resultou em um projeto de maioria apontando saídas para além do jogo das urnas burguesas.
O governo que está sendo derrubado não é de esquerda, sequer é de centro-esquerda ou populista e tem no máximo, traços de nacionalismo autônomo. Com sua destituição, o modelo liberal-periférico vai se aprofundar após a posse definitiva dos interinos golpistas, reposicionando o Brasil no Sistema Internacional, aumentando o grau de subserviência e encurtando as margens de manobra.
No cenário doméstico, a meta estratégica de quem está golpeando e virando a mesa – por aplicar um impeachment sem mérito evidente – é destravar a liberdade absoluta de capital, transnacional de preferência, associado, nacional, diminuindo tanto o papel do aparelho de Estado na organização do capitalismo interno como também nas perdas de regulação e proteção sociais, trabalhistas e nos direitos de 4a geração.
Concluindo, consumado o golpe semi-parlamentarista, está aberto o caminho para uma ampla revisão constitucional no sentido à direita, aplicando uma agenda regressiva, de perda de condições de vida, retomando a restauração (neo)liberal da década de ’90 no século – a que foi ainda mais perdida do que a de ’80.
O debate estratégico que cabe fazer. Qual ‘lugar a ser construído’ as esquerdas vão escolher? Qual o ‘mal menor’ a centro-esquerda escolhe?
Diante desta melancólica derrota política e com a traição da traição, entendo que é necessário entrar em temas de fundo, em debates de tipo estratégico. De forma direta, cabe perguntar. Qual utopia a centro esquerda latino-americana escolhe ou escolherá a partir de agora? Vai seguir na aposta infundada no “aprimoramento das instituições” e esperar a cada 20 ou 25 anos um novo ciclo de virada de mesa por dentro do poder burguês compartilhado e sob a influência direta e indireta do Império?
Ou vai tentar ajudar criar um poder do povo organizado que, mesmo que convivendo em democracia indireta e representativa, vai estar de guarda alta e permanente para não deixar a mesa virar de forma tão simples retirando direitos conquistados?
Vale entender um pouco de estratégia para fundamentar a teoria e as escolhas políticas: “O objetivo finalista subordina o método segundo suas condicionalidades”, correto? Esse conceito operacional é de Golbery do Couto e Silva. Seria bom aprender como a direita se move para poder contrapor estes movimentos. No novo ciclo de golpes – agora brancos – na América Latina, temos Venezuela, Honduras, Paraguai, tentativas na Bolívia e Equador e Brasil. E como fica a resistência aos golpes?
Até quando os partidos eleitorais vão operar estritamente contando com o aprimoramento das instituições pós-coloniais ao invés de criar e ampliar instituições sociais decoloniais e populares?