Bruno Lima Rocha
Professor de ciência política e de relações internacionais
O Brasil avança a passos largos para o regresso
A condição é bem essa. Sigo a tese de Lenio Streck, o Brasil vai de regresso, do Estado Social de Direito para o Estado Liberal de Direito (privado) e impulsionado por uma tecnocracia focada nas carreiras jurídicas – incluindo os delegados da PF – como Poder Moderador das capacidades redistributivas do aparelho de Estado. Na próxima década, caso este projeto político regressivo venha a se concretizar, o país real vai se aproximar do país formal, aumentando os poderes de intervenção do Judiciário no Executivo e as prerrogativas de repressão política do Executivo. No planto externo, uma subordinação absoluta aos poderes do Império (EUA) e na interna, a liquidação das chances de crescimento econômico capitalista, sem debates de desenvolvimento de nenhum tipo, e as garantias dos ganhos dos financistas acima de tudo.
É importante reforçar o óbvio. Juízes, promotores e procuradores estiveram hoje na Avenida Paulista e em demais cidades, marchando – literalmente – ao lado (ou no mesmo espaço) de neofascistas que atentam contra a ordem constitucional. Esse absurdo vai passar em “branco” e nem o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) ou o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) vão fazer nada e ninguém será punido. Este é o Brasil do golpe parlamentar e do avanço do autoritarismo togado.
Primeira parte da análise dos protestos e da semana que antecedeu o domingo da direita cibernética
No domingo dia 04 de dezembro tivemos a marcha dos coxinhas. Especificamente, a cerimônia quase fascista foi convocada por duas franquias de empresas de marketing digital, Movimento Brasil Livre (MBL) e VemPraRua, além da rede de saudosistas da ditadura, estimuladas pela família Bolsonaro. Estes últimos são os mesmos idiotas que invadiram o plenário da Câmara, não tomaram uma surra da Polícia Legislativa, e ainda confundiram a bandeira do Japão com a antiga União Soviética.
Além do pesadelo político que o esgoto da internet brasileira liberou há mais de dois anos, estamos diante de alguns impasses. Vejamos:
As 10 Medidas contra a corrupção, se aprovadas, implicam em um aumento das prerrogativas do Ministério Público sobre a sociedade, especificamente condicionando todo o serviço público ao bel prazer de jovens procuradores. Estes “meninos do Brasil”, se creem plenipotenciários, meritocráticos, são bons de concurso e não entendem quase nada das dinâmicas reais do Brasil profundo e periférico. São, em geral, colonizados, liberais e americanófilos (vide padrão Força Tarefa da Lava Jato).
Já a oposição ao projeto das 10 Medidas não vem pela sociedade indignada e sim pelos plutocratas, corruptos e oligarcas que deram o golpe parlamentar e agora estão apavorados com a delação premiada da Odebrecht e suas consequências.
Ao mesmo tempo, o senador Renan Calheiros (PMDB-AL) viu seu feitiço voltar contra si. Renan comandou a emenda da lei de abuso de autoridade, em uma tentativa de conter a capacidade de mando do Judiciário e do Ministério Público. Como resposta, o STF desengavetou uma ação penal contra o coronel alagoano, nove anos depois, e trouxe o caso Mônica Veloso de volta ao noticiário. Agora, batendo de frente com o Supremo, Renan ameaça que não vai cair sozinho e “se for preso, esvazia o Senado”.
De sua parte, o governo usurpador de Temer e cia. está emparedado pelos “aliados” tucanos. Uma possível tentativa de apaziguar os ânimos do PSDB foi o fato do ministro Eliseu Padilha indicar um tucano para presidir a Vale, a segunda empresa mais importante do país depois da Petrobrás. É possível que existam duas gravações do ex-ministro da Cultura Marcelo Calero, uma que veio a público e outra guardada como segredo político e provavelmente arma de negociação entre as partes.
Diante do quadro de queda da farsa do golpe com nome de impeachment, a direita cibernética convoca um ato desesperado, despejando sobre o Ministério Público Federal e em especial na Força Tarefa da Lava jato, o condão para levar o Estado Brasileiro a ser definitivamente subordinado a um poder corporativo, ideologicamente vinculado ao direito comum anglo-saxão.
Segunda parte da análise dos protestos e da semana que antecedeu o domingo da direita cibernética
Podemos interpretar o ato dos neoliberais e neofascistas de hoje como um gesto de desespero. A legitimidade do governo golpista está caindo, os blocos de poder no Palácio do Planalto estão se engalfinhando e a opção de Temer tem vida curta. A escolha do usurpador é de tipo Sun Tzu: “fazer o mal todo de uma só vez”; como não pode fazer por decreto, vai aplicando projetos de emenda constitucional (como a PEC 241 e 55) ou a MP da Deseducação. Assim, o ex-homem de confiança de Orestes Quércia se apresenta como “parceiro leal” das elites que financiaram o golpe (como a FIESP) ou como interlocutor válido do viralatismo pró-EUA.
Embora convoquem para o mesmo dia e local, não há unidade nas direitas cibernéticas. O viralatismo tem representações várias, sendo que a mais leal destas está concentrada na Força Tarefa da Lava Jato, cujo objetivo estratégico fora alcançado: quebrar a Petrobrás e romper com o oligopólio “nacional” das empresas de construção pesada e conglomerados econômicos complexos como a Odebrecht. A conta é de chegada e não é bonita. No capitalismo mundializado, uma potência média como o Brasil seria – ou quase foi – precisa de empresas Transnacionais (TNCs) sob cobertura do Tesouro Nacional através de seu banco de fomento (no caso, o BNDES). Sem empresas TNCs e banco de fomento, simplesmente não tem como disputar espaço no Sistema Internacional (SI).
O inverso é verdadeiro do parágrafo acima. O viralatismo grudou como um caramujo no aparelho de Estado e faz do país uma colônia de reprodução interna. É mais complexo do que enviar mais valia ou lucros não taxados para as matrizes, mas sim a subordinação de carreiras de Estado para a lógica da projeção de poder colonial, hoje vinculada à hegemonia cultural, financeira e militar dos EUA, sendo a hegemonia econômica mais pendente para a China. Ao quebrar as condições de um crescimento econômico de tipo “capitalismo brasileiro” – como foi o lulismo – e menos ainda de um desenvolvimento autônomo – como nunca foi o lulismo – simplesmente o país se subordina à presença externa, e quebra a espinha da América Latina ao meio.
Dimensões políticas e substantivas da Operação Lava Jato e a República de Curitiba
Além das péssimas escolhas do modelo econômico de crescimento sem modificação de vantagens comparativas onde o Brasil já se sobressaía, e a evidente ancoragem da agricultura de escala e na comoditização, sofremos os efeitos de autêntica sabotagem de economia capitalista. O PIB brasileiro encolheu mais de US$ 500 bilhões no comparativo de 2014 para 2015. Antes que algum desavisado se tratar de argumento “lulista”, afirmo o oposto, até porque esse analista não o é. Os dados são do IBGE e do FMI, e na proporção, “encolhemos” 24,6% na comparação da reeleição de 2014, para o fechamento de 2015. Realmente, a Operação Lava Jato tem um papel fundamental – embora não único – neste encolhimento.
Na cultura popular de onde venho, o que ocorre hoje é isso. Há uma síntese da quebra de paradigmas no processo investigativo. Delação premiada é caguetagem de luxo. Já o delator premiado é X9 de elite. A Teoria do domínio do fato é divagação de “jovens meritocráticos” vestindo terno importado e brincando de justiceiro neoliberal. A “República de Curitiba” está realmente em transe e Sérgio Moro quase dando “pinote”, indo para os EUA.
Diante da ameaça de autoexílio do líder da Lava Jato, a direita cibernética brasileira foi às ruas no domingo para reclamar do efeito direto de suas mobilizações prévias.
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