Narrativas em combate

O debate político do nosso século é muito diferente do que chamaríamos de debate político em um passado não tão recente. Nem por isso ele é mais inteligente ou mais pobre do que antes – como explicar a atitude ridícula de fãs de Bolsonaros que pedem golpe militar com assinaturas na Avaaz? É uma atitude que seria má explicada com palavras como “burrice” ou “fascismo”, que são as primeiras que vieram à minha mente. Por outro lado, é uma atitude que seria bem explicada com a palavra “bizarra”. “Uma atitude bizarra” é uma frase que diz mais do que “é uma atitude fascista”, pelo menos em minha opinião.

Retomando o fio da meada, e pegando o gancho de “o que diz mais” e “o que diz menos”, volto à questão da primeira frase deste texto: o que há de novo no debate político do século XXI?

Uma resposta satisfatória poderia render um artigo acadêmico ou uma tese de doutorado, dependendo da inspiração do autor. Mas como não quero cansar o leitor, vou direto ao ponto: o que há de novo no debate político é ele estar acontecendo a todo instante, em todos os lugares, de todas as formas, apaixonadamente ou não. A internet tira o monopólio do debate político das rádios e televisões e o trás para as mãos do cidadão comum. Toda notícia é compartilhada com os amigos junto com opiniões, que podem ir do clássico binarismo “sim ou não” até textos bem elaborados. A política está na nossa vida a todo instante – a menos que na sua timeline as pessoas só compartilhem fotos de cachorrinhos, o que também é legal.

A internet tirou o homem das relações sujeito-objeto e o colocou em uma posição anterior a essa relação. Estamos constantemente em um meio, mesmo quando achamos que estamos nas “pontas”. A internet é uma navegação infinita para lugar algum, embora os navegantes saibam exatamente para onde não ir: aonde não temos liberdade para continuarmos no meio, i.é., na internet, lá não estaremos!

Por isso, o ambiente online é o ideal para o jogo democrático de “dar e pedir razões” (usando o vocabulário do filósofo americano Richard Rorty). No nosso contexto atual, com uma crise política que torna constantemente mais difícil a vida daqueles que já têm respostas elaboradas, vale a pena fazer um breve estudo empírico da discussão política atual nos meios de comunicação e no que chamamos de “mundo real” (podemos deixar para a outro dia a discussão sobre a ideia de que ainda há alguma oposição entre real e virtual). A seguir, um rápido balanço das principais narrativas políticas que estão em jogo e que aparecem frequentemente nas redes sociais: a narrativa da esquerda governista, a da esquerda liberal e a da direita raivosa.

A narrativa da esquerda governista fala que existe um golpe em curso no Brasil, que o governo Dilma está caindo por culpa de um conjunto de agentes que conspiram em conjunto: o judiciário, o Ministério Público, a Globo, os empresários, os políticos, a Operação Lava Jato, a classe média, etc. Montou-se, basicamente, uma teoria da conspiração baseada em um forte apelo emotivo e em uma chantagem velada. Nada é explicitado com clareza, mas parece que o PT ainda representaria uma resistência às “forças capitalistas” que agora se voltam contra o partido.

É interessante notar que uma corrente minoritária da esquerda, representada principalmente por PSOL e PSTU, defende justamente que não há golpe em curso no Brasil exatamente porque o PT faz parte das forças capitalistas citadas acima. A queda de Dilma seria uma consequência inevitável da luta por poder que se trava no país sem foco algum na representação política.

Por outro lado, uma esquerda que surge no Brasil de viés mais liberal (por favor, não me diga que você não sabe que existe liberalismo de esquerda) não faz essa oposição entre “bem” (PT) e “mal” (o resto). Para essa corrente, o PT é o único responsável pela sua destruição, e se quisermos ficar ao lado da população, devemos lutar para que essa destruição termine de uma vez. Pois foi o PT que aderiu às práticas de corrupção, que ofereceu cargos para partidos de direita, que contribuiu para a matança de índios e quilombolas, que colocou o exército em favelas, entre outros tiros de canhão nos próprios pés. Por isso, Dilma cai merecidamente, Temer assume como consequência constitucional, também sem legitimidade, mas tudo isso faz parte de um mesmo movimento de “limpeza geral” que começa na vontade popular. O ideal seria o povo decidir por si mesmo quem deverá governar o país até 2018, sem imposições políticas ou constitucionais. Para que não me chamem de “isentão”, já digo que me encaixo nessa corrente, e escreverei sobre isso futuramente.

Por fim, a narrativa da direita raivosa: “#ForaPT, fim do Bolsa Família, morte aos comunistas, cidadãos de bem contra o Fórum de São Paulo”. É uma narrativa bem pobre, religiosa como a governista: encontre um demônio, eleja seu Deus protetor e comece a pregar. No caso, o demônio seria o PT, o Deus seria algum Bolsonaro da vida e os anjos seriam os “cidadãos de bem”. É simples e tosco, mas tem força.

Com exceção da última narrativa, que sempre nasce perdedora, é interessante colocar lado a lado todas essas narrativas e apontar suas incoerências. Se formos um pouco hegelianos, poderemos dizer que a história irá decidir qual narrativa será a vencedora. Por enquanto, só nos resta discutir, discutir e discutir. Só assim abandonaremos o dogmatismo da história.

 

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