Um país com hino, bandeira e brasão

Bandeira primitiva, exposta pelo MP anos atrás | Divulgação

A maioria dos historiadores aceita o critério de Tristão de Alencar Araripe, funcionário do Império que escreveu a primeira história completa da revolução, em 1881. Araripe era contra os farrapos, mas seu livro A Guerra Civil no Rio Grande do Sul é considerado uma obra clássica sobre o assunto, apesar das ressalvas que fazem a ele muitos autores gaúchos.

Araripe divide a revolução em três fases: a sedição, que vai do 20 de setembro de 1835 até setembro de 1836, quando é proclamada a República Rio-grandense; a rebelião, que vai daí até 1843; e a reintegração com o acordo da paz, em 1845.

No período que se estende de 1836 a 1845, quase nove anos, o Rio Grande do Sul se constituiu em um país à parte do Brasil. Araripe chamou de República de Piratini, com um sentido pejorativo, de republiqueta, e afirma que houve apenas uma mudança de nome, império por república, e do imperador pelo presidente, já que as leis e a estrutura administrativa seguiam sendo basicamente as mesmas do Império. Disse ainda que foi “um regime militar”, pois o presidente Bento Gonçalves tinha poderes discricionários, nunca houve consultas para eleger seus magistrados, e a constituinte, que daria novas leis ao país, não chegou a ser votada, já no ocaso do movimento. A verdade é que foi um regime em permanente estado de guerra.

É preciso considerar também que os liberais daquela época não eram democratas, no conceito que se usa hoje. Eles não reconheciam no homem comum a capacidade para selecionar os dirigentes. Muitos autores, como Dante de Laytano, procurando minimizar o caráter separatista que a revolução assumiu a partir de 1836, dizem que a república foi “um afastamento provisório”, um meio para alcançar a federação brasileira mais adiante.

Moacyr Flores é mais enfático: “Os farroupilhas criaram de fato um Estado separado e independente do Brasil, pois tinham bandeira, dinheiro, projeto de constituição, leis e governos próprios.

Projeto Constituição
Projeto Constituição

Em seus jornais, as notícias sobre o Brasil apareciam na coluna denominada Exterior e os brasileiros eram considerados como estrangeiros”.

Este país, porém, não conseguiu ser reconhecido por nenhuma outra nação estrangeira – embora houvesse recebido apoios dos governos uruguaio e argentino, inclinados a uma federação platina. Entretanto, Bento Gonçalves, quando esteve em Paisandu, no Uruguai, recebeu honras de presidente de Estado, o que provocou reclamações do governo imperial ante o presidente uruguaio, Fructuoso Rivera.

Lenço farroupilha, de padrão diferente, no acervo da Biblioteca de Pelotas
Lenço farroupilha, de padrão diferente, no acervo da Biblioteca de Pelotas

O silêncio de quase meio século imposto à memória da revolução trouxe dificuldades para o entendimento até de coisas mais simples, como é o caso dos símbolos da República Rio-grandense.

Segundo Walter Spalding, as palavras Liberdade, Igualdade, Humanidade, inscritas no brasão da República Rio-grandense, não faziam parte do desenho original, “que deve ter sido criado logo após a bandeira em novembro de 1836”. As palavras foram, no entanto, oficializadas em 1891, pelos republicanos positivistas de Júlio de Castilhos.

A bandeira criada por decreto de Domingos José de Almeida deveria ter um triângulo isósceles na parte superior, outro igual e simetricamente disposto na parte inferior e uma faixa no centro, separando os dois triângulos.

“No entanto, esse decreto foi mal interpretado e as bandeiras começaram a surgir de todos os feitios. Encontramos hoje mais de uma dezena de bandeiras rio-grandenses diferentes”, escreveu Spalding, que chegou a entregar um estudo à Assembleia Legislativa para a uniformização da bandeira que mais tarde se tornou a bandeira oficial do Rio Grande do Sul. Também não é isento de controvérsias o hino da República.

Hino Rio-grandense
Hino Rio-grandense

O hino foi composto dois anos depois da proclamação, em abril de 1838, quando os farrapos tomaram a cidade de Rio Pardo e aprisionaram a banda de música, cujo maestro era o célebre músico Joaquim José Mendanha, “figura bastante popular na província”.

Segundo Spalding, o maestro simplesmente adaptou o trecho de uma valsa de Strauss e pôs o ritmo de marcha. O jornalista e crítico musical Ênio Squeff acha pouco provável: “O que sei é que o Mendanha não compôs uma peça original para o hino. Utilizou uma composição de sua autoria, não um trecho de Strauss”. Também a letra teve várias versões. Hoje é o hino oficial do Rio Grande do Sul.

Guerrilha no Pampa

No auge da revolução, os farroupilhas chegaram a ter dez mil homens em armas

Coleção Farrapos/Acervo Familia Lutzenberger
Coleção Farrapos/Acervo Familia Lutzenberger

As informações sobre os efetivos militares que tomaram parte na Revolução Farroupilha são precárias e geram controvérsia entre historiadores.

“No ano de 1835, ao eclodir o movimento revolucionário, o Rio Grande do Sul contava com cerca de dois mil homens em armas, somando-se os integrantes das unidades que compunham as 1ª e 2ª linhas”, registra Hélio Moro Mariante, que dedica um capítulo de seu livro “Guerra à Gaúcha” a essa questão. Segundo ele, apesar de toda a agitação política que se avolumava, “o Império descuidou-se de guarnecer militarmente o Rio Grande do Sul”. A guarnição militar de Porto Alegre, onde havia uns 12 mil habitantes, soma 270 homens. No interior, as principais unidades militares estão nas mãos dos rebeldes ou a eles se incorporam logo no início.

Vista do Guaíba a partir da Praça do Portão, atual Conde de Porto Alegre
Vista do Guaíba a partir da Praça do Portão, atual Conde de Porto Alegre

Quando se iniciou o movimento, os farroupilhas não tinham mais do que 400 homens em Porto Alegre. “Seriam entre 200 e 400 os homens reunidos no acampamento da Azenha e que penetraram na capital no 20 de setembro”, diz Mariante.

No momento da proclamação da República Rio-grandense, em setembro de 1836, o exército farroupilha contava com cerca de 1.700 homens. No ano seguinte, o marechal Elizeário de Miranda Brito informou ao governo imperial que os rebeldes perfaziam “um complexo de 3.000 combatentes”.

Em 1839, segundo Hélio Mariante, os republicanos chegaram ao seu melhor estágio em organização e ao seu maior efetivo, somando “quase dez mil homens em armas”. Quando terminou a guerra, o exército farroupilha tinha pouco mais de mil combatentes.

O exército imperial combateu com 8 mil homens em 1837 e, em 1843, na ofensiva final, chegou a 11.387 combatentes no Rio Grande do Sul. O efetivo militar do Império em todo o país era de 19.853 homens, o que significava que dois terços das forças armadas brasileiras estavam concentradas no Rio Grande do Sul, nos últimos anos da guerra.

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