Até o Globo detona Mourão por elogio a torturador

O vice-presidente, general Hamilton Mourão negou fatos comprovados a respeito de Brilhante Ustra, condenado por tortura.

A defesa que o vice-presidente Hamilton Mourão fez do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, um dos mais notórios torturadores da ditadura, provocou repúdio até do jornal O Globo, que apoiou o regime militar.

Horas depois que circulou a entrevista que Mourão deu a rede alemã Deutsche Welle, dizendo que “Ustra respeitava os direitos humanos”, o jornal que norteia a cobertura política da Rede Globo, detonou as declarações do vice-presidente.

“As acusações contra Ustra não são disse-me-disse. Estão registradas em depoimentos oficiais feitos pelas vítimas, arquivadas pelo próprio Tribunal Superior Militar”, disse em artigo da coluna Analítico, assinado por Pedro Dória.

Na entrevista exclusiva ao programa Conflict Zone, da Deutsche Welle (DW) na quinta-feira, Mourão classificou Ustra como um “homem de honra e que respeitava os direitos humanos de seus subordinados”, após uma pergunta do entrevistador Tim Sebastian sobre a postura do presidente Jair Bolsonaro em relação à trajetória do coronel.

Mourão afirmou que não está “alinhado com a tortura” e sugeriu que há uma interpretação distorcida do período militar e sobre o papel de Ustra e que seria melhor “que esperar que todos esses atores desapareçam para que a história faça sua parte”.

Disse Mourão à certa altura: “Ustra (…) foi meu comandante no final dos anos 70 do século passado, e era um homem de honra e um homem que respeitava os direitos humanos de seus subordinados. Então, muitas das coisas que as pessoas falam dele, eu posso te contar, porque eu tinha uma amizade muito próxima com esse homem, isso não é verdade”.

Em 2008, o coronel Ustra se tornou o primeiro oficial do regime a ser condenado por sequestro e tortura. Levantamento do Projeto Nunca Mais aponta que ele foi responsável por pelo menos 500 casos de tortura quando comandou o Doi-Codi entre 1970 e 1974.

Já a Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos relacionou o coronel com pelo menos 60 casos de mortes e desaparecimentos em São Paulo. Ustra morreu em 2015, aos 83 anos, sem nunca ter cumprido um dia na prisão.

As falas de Mourão à DW foram criticadas pelo presidente nacional da OAB, Felipe Santa Cruz, que teve o próprio pai assassinado por agentes do regime militar em 1974. Ele acusou o vice-presidente de “não se importar” com a tortura.

“Não pairam dúvidas sobre o cometimento do crime de tortura pelo coronel Ustra. Quando alguém lhe presta homenagens, como o fez o vice-presidente Mourão, a pessoa não está negando que ele tenha torturado seres humanos, está apenas revelando que não se importa com isso”, registrou o presidente da OAB em seu twitter,

Leia o que disse O Globo: 

“A entrevista concedida pelo vice-presidente Hamilton Mourão à rede alemã Deutsche Welle enterra de vez a percepção de que o general da reserva seja um homem politicamente moderado, quando comparado ao presidente Jair Bolsonaro. “Muitas coisas que falam dele”, disse Mourão a respeito do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, “posso contar, isso não é verdade.”

As “coisas que falam”: Ustra foi um dos principais torturadores do Regime Militar.

Tortura, quando praticada sob a bênção do Estado, é classificada pela ONU como um crime contra a humanidade. As acusações contra Ustra não são disse-me-disse. Estão registradas em depoimentos oficiais feitos pelas vítimas, arquivadas pelo próprio Tribunal Superior Militar, pessoas que não se conheciam e que ainda assim, ao longo dos anos, acusaram com frequência o coronel das mesmas práticas. Uma de suas vítimas, o vereador paulistano Gilberto Natalini, foi ao Twitter lembrar. “Ustra foi um torturador cruel e facínora”, escreveu. “Fui torturado pessoalmente por ele.”

Que Ustra cometeu de forma sistemática crimes contra a humanidade, os mais vis que se pode cometer, não é matéria de dúvida. Já foi reconhecido oficialmente pelo Estado brasileiro — aquele que Mourão representa. Se o torturador morreu impune é por conta da Lei da Anistia e apenas.

“Não estou alinhado com a tortura”, tenta amenizar o vice-presidente. “Muitas pessoas querem colocar as coisas da maneira que viram.”

Tratar com tal desdém o pior tipo de violação às liberdades individuais e aos direitos humanos que um Estado pode cometer indica só uma coisa. O alto-comando da República não tem noção do que democracias esperam de seus líderes.

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