Por Cleber Dioni Tentardini *
“O Ministério da Fazenda, através da Superintendência da Moeda e do Crédito, excluiu os bancos rio-grandenses bem como as agências de bancos particulares da rede bancária brasileira. As casas de crédito gaúchas estão completamente isoladas”.
A informação foi enviada aos jornais pelo secretário da Fazenda do Rio Grande do Sul, Gabriel Obino, nos dias que se seguiram ao início do Movimento da Legalidade, em 25 de agosto de 1961, há exatos 63 anos, liderado pelo governador Leonel Brizola para garantir a posse do vice-presidente João Goulart após a renúncia de Jânio Quadros da presidência da República.
Em reação, o governo do Rio Grande do Sul publicou o Decreto 12.619, em 31 de agosto de 1961, anunciando o lançamento das Letras do Tesouro para suprir a falta de moeda nacional no Estado.
Os títulos tinham as mesmas características das brizoletas comuns, lançadas pelo governo gaúcho em 30 de julho de 1959.
“No dia 4 de setembro, os bancos abrirão suas portas garantindo suas operações com os 2 bilhões e 800 milhões de cruzeiros emitidos pelo governo do Estado em letras do Tesouro”, declarou Obino.
Confere aqui: Metralhadora usada por Brizola na Legalidade está guardada em cofre da Brigada Militar
* Do livro NO FIO DA HISTÓRIA, A VIDA DE LEONEL BRIZOLA, com lançamento previsto para a 70ª Feira do Livro de Porto Alegre.
Movimento completa 63 anos
“Ninguém dará o golpe por telefone. O Rio Grande não aceita o golpe e a ele não se submeterá!”
O Movimento da Legalidade, que garantiu a posse do vice-presidente João Goulart após a renúncia de Jânio Quadros, completa 63 anos neste dia 25. A tensão provocada pela recusa dos ministros militares em aceitar a investida de Jango na presidência da República quase levou o país a uma guerra civil. O levante iniciou no Rio Grande do Sul e foi liderado pelo governador Leonel Brizola, que contou com a força da Brigada Militar e o apoio de soldados e oficiais nacionalistas das Forças Armadas e de alguns setores da imprensa para deter o golpe, que já estava em curso. A resistência durou 14 dias. “Ninguém dará o golpe por telefone. O Rio Grande não aceita o golpe e a ele não se submeterá!” A frase é uma das centenas que a imprensa reproduziu das declarações de Brizola no decorrer daqueles dias finais de agosto, após Jânio Quadros recusar por telefone seu convite para governar, provisoriamente, a partir da capital gaúcha. O governo Jânio-Jango, apelidado de Jan-Jan, durou apenas sete meses.
Imbróglio
Em Porto Alegre, Brizola percebeu que algo muito grave havia ocorrido quando na manhã de sexta-feira, dia 25, militares retiraram-se no meio dos desfiles pelo Dia do Soldado, no Parque Farroupilha. Logo, o jornalista Hamilton Chaves, seu assessor de imprensa, informou sobre a renúncia. Jango estava em Cingapura, quando foi avisado dos acontecimentos na madrugada do dia 26. Ele presidia uma missão comercial e passara pela China. Informado de que seria preso no instante em que desembarcasse no Brasil, foi orientado a aguardar em Montevidéu. O capitão da BM, Emilio Neme, chefe da Casa Militar de Brizola, mandou buscar armamentos guardados desde a época em que o general Flores da Cunha havia importado da Tchecoslováquia para enfrentar Getúlio. Enquanto os ministros militares, em Brasília, determinavam a posse, na presidência, do deputado Ranieri Mazzilli, presidente da Câmara, trabalhistas instalavam o Comitê Popular Pró-Legalidade.
Manifestações
No domingo, o governador consegue publicar nos jornais locais, como matéria paga, dois manifestos – o do marechal Lott, que foi censurado no Rio de Janeiro, e um outro escrito por Hamilton Chaves, retocado por ele, Brizola, ambos repudiando o golpe: “Na defesa do regime, na defesa da ordem legal e das liberdades públicas, acredito que nós, gaúchos, pelo nosso passado, pelas nossas tradições, saberemos nos inspirar, esquecendo nossas diferenças. O Rio Grande do Sul comparece perante a Federação como uma unidade. O governo do Estado não pactuará com qualquer golpe nas instituições e que venha a acarretar o cerceamento das liberdades públicas”. O jornal Última Hora lançou edição extra, com um editorial na primeira página, sob o título “Constituição ou Guerra Civil”: “Nem que seja para ser esmagado o Rio Grande do Sul reagirá. Mas não será esmagado porque todo o Brasil está pronto para repelir o golpe”.
Ameaça de bombardeio
O cenário era de guerra na sede do governo gaúcho e arredores. Barricadas de sacos de areia e rolos de arame farpado guarnecidos por brigadianos protegiam as entradas e o terraço da sede do governo, já sob ameaça de bombardeio aéreo. O comandante do III Exército recebe mensagem do ministro da Guerra que ordena que, se necessário, faça “convergir sobre Porto Alegre toda a tropa do Rio Grande do Sul que julgar conveniente”, e que “empregue a Aeronáutica, realizando inclusive bombardeio”. O governador volta ao microfone: “Atenção, meus patrícios, democratas e independentes, atenção para minhas palavras! Em primeiro lugar, nenhuma escola deve funcionar em Porto Alegre. Fechem todas as escolas! Se alguma estiver aberta, fechem e mandem as crianças para junto de seus pais! Tudo em ordem! Tudo em calma! Com serenidade e frieza! Mas mandem as crianças para casa! Hoje, nesta minha alocução tenho os fatos mais graves a revelar”.
Arcebispo e comandante
A estas alturas, até o arcebispo de Porto Alegre, D. Vicente Scherer, procura o comandante do III Exército para manifestar sua preocupação e se posicionar pela posse de João Goulart. A reunião de Brizola com o general Machado Lopes acontece a portas fechadas no Piratini. Brizola relatou mais tarde que os generais do III Exército haviam decidido só aceitar solução para a crise dentro da Constituição. Em entrevista a Paulo Markun, quarenta anos depois, Brizola, contou que se levantou, apertou a mão do militar e disse: “General, eu não esperava outra decisão. O III Exército vai ser reconhecido por toda a nação, está cumprindo um papel histórico”. Pouco depois, os dois ergueram os braços na sacada do Palácio Piratini, aplaudidos pela multidão. Mas a crise só terminaria dez dias depois, com uma solução conciliatória, a adoção do regime parlamentarista. Uma vitória com gosto amargo para o governador gaúcho, mas serviu para acalmar os ânimos, momentaneamente.