Cais Mauá: prazo legal para renegociação do contrato pode estar prescrito

Parecer da Procuradoria Geral do Estado assinado em outubro de 2018 sugere que pedido deveria ter sido feito “tão logo a arrendatária deparou-se com os atrasos nas licenças, e não somente após ter usufruído dos mecanismos contratuais de reequilíbrio do contrato”

Por Naira Hofmeister

Quando o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), encontrar o presidente do consórcio Cais Mauá, logo mais, às 17h30 dessa segunda-feira (15 de abril), duas opções estarão sobre a mesa. A rescisão do contrato, baseada nos consecutivos descumprimentos de cláusulas que o consórcio vem mantendo desde que assumiu a concessão, em 2010, parecia ser a primeira opção, conforme revelou o repórter Jocimar Farina, de Zero Hora na quarta-feira passada.

Dois dias depois, entretanto, uma reunião formal do Grupo de Trabalho constituído para avaliar a relação dos empresários com o Estado terminou com a informação de que em 20 dias haveria uma resposta: também era possível “repactuar” o contrato, o que incluiria rever o tempo de concessão, estipulado em 25 anos (prorrogáveis), dos quais nove já se passaram sem que o negócio deslanchasse.

A decisão está nas mãos de Leite, mas passa pela avaliação técnica da Procuradoria Geral do Estado (PGE), cuja missão seria avaliar as consequências de um eventual rompimento. Neste sentido, um parecer publicado em janeiro de 2019, mas formulado ainda sob a gestão de José Ivo Sartori, ganha importância.

O texto, elaborado pela procuradora Helena Beatriz Cesarino Coelho, rejeita pedidos do consórcio para renegociar cláusulas contratuais: “a arrendatária alega que há desequilíbrio no contrato de arrendamento, em razão da excessiva demora na obtenção das licenças para início das obras, além do atraso na obtenção da imissão na posse do bem”, registra a procuradora.

Embora refute a argumentação do consórcio, a advogada do Estado admite a possibilidade de que houvesse pedido de repactuação, desde que feito de acordo com uma resolução da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq). Mas aí aparece outro problema para a Cais Mauá S.A., uma vez que a norma determina o prazo de dois anos “contados da ocorrência do fato caracterizador da materialização do risco ou do início da sua ocorrência, no caso de evento contínuo no tempo, sob pena de preclusão do direito à recomposição do equilíbrio, em caráter irrevogável e irretratável”.

“Assim, caso o poder concedente e a Antaq entendam que o pedido deveria ter sido deduzido tão logo a arrendatária deparou-se com os atrasos nas licenças, e não somente agora, após ter usufruído dos mecanismos contratuais -, então o direito ao reequilíbrio estará precluso”, analisa.

Consórcio pediu isenção de pagamentos até 2021

O parecer de foi referendado pelo então procurador adjunto para assuntos jurídicos da PGE, Eduardo Cunha da Costa, nomeado por Eduardo Leite Procurador-Geral do Estado. Caberá a ele o aconselhamento do governador sobre questões técnica e legais em um eventual rompimento – muitas delas já levantadas no texto de Coelho.

A advogada do Estado grifa decisões que compõem a jurisprudência que permite renegociação em caso de desequilíbrio econômico-financeiro: “é preciso distinguir o atraso ou impedimento suportável, que não geraria direito à revisão do pactuado porque se contém nos limites da álea ordinária (inerente a todo contrato), daquele que imponha ônus ou dano insuportável”.

“Um encargo previsível ou suportável não autoriza a revisão contratual”, prossegue a procuradora: “Deve ser irrefutável a existência de tamanho ônus ao particular, que inviabilize a manutenção da relação contratual, sendo insuportável a ele arcar com os encargos decorrentes de tais fatos supervenientes”.

Ela ainda cita um acórdão do Tribunal de Contas da União que diz o seguinte: “entende-se que o poder público, no regular exercício de polícia administrativa (emissão de licenças, execução de vistorias), não pode ser responsabilizado por eventuais frustrações de prazos, mormente devido ao fato de que sua atuação estar condicionada à provocação por iniciativa do particular (elaboração de estudos, apresentação de documentos). No mais, existem metodologias consagradas no mercado para se mensurar os prazos esperados e quantificar adequadamente os riscos dessa não concretização, dê forma que tal situação pode ser precificada e embutida na proposta apresentada por ocasião da licitação do arrendamento”.

A lógica dos argumentos do consórcio é que a demora na implantação do projeto deveria levar o Estado a anistiar toda a dívida passada da Cais Mauá S.A e ainda abonar as parcelas de arrendamento dos próximos dois anos. Desde que venceu a licitação, na qual concorreu sozinho, o consórcio tinha a obrigação de pagar uma espécie de aluguel ao governo gaúcho pela área.

Embora o contrato tenha sido assinado em 2010, ele só passou a valer dois anos depois, quando foram assinados termos aditivos solucionando entraves burocráticos com a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq). Havia um escalonamento previsto para o pagamento do aluguel ao Estado, calculado em 1,95% da receita do empreendimento quando ele estivesse a pleno vapor. Até lá, seriam R$ 3 milhões ao ano, valor que entre 2012 e 2015, seria reduzido a 10%, ou 300 mil ao ano, para que o consórcio pudesse arcar com outras despesas para colocar o negócio em pé.

Em 2015, quando o valor seria reajustado para R$ 3 milhões anuais, o consórcio lançou mão de uma cláusula que admitia a suspensão temporária do pagamento do arrendamento “em decorrência de quaisquer impedimentos de ordem legal (para as obras) ou da não obtenção das licenças necessárias para a realização das obras e serviços, por motivos alheios a sua vontade”. O governo anistiou pagamentos até que saíssem as licenças, o que aconteceu em dezembro de 2017.

Mas um ofício de abril de 2018 surpreendeu o Governo do Estado: “a CMB contestou as cobranças realizadas em 12/017,01/2018 e 02/2018, alegando que nesse período ainda não dispunha de todas as autorizações para realizar as obras na área arrendada. A empresa solicitou, ainda, que durante três anos a contar de 01/03/2018 as obrigações de pagamento do arrendamento sejam também estabelecidas em 10% do seu valor integral. Por fim, requereu que os pagamentos realizados entre 2012 e 2015 sejam reconhecidos como créditos passíveis de utilização para compensação com as obrigações que se vencerem durante os próximos três anos” – em suma, não queriam desembolsar nem um centavo a mais pelo arrendamento até 2021.

A procuradora Helena Coelho entendeu que o pleito não era justo já que “o Contrato de Arrendamento previa mecanismos próprios de proceder ao reequilíbrio econômico-financeiro da avença: por meio da redução da remuneração devida pela arrendatária, a apenas 10% do valor total, nos três primeiros anos da contratualidade; e por meio da suspensão total do pagamento, enquanto perdurassem circunstâncias que a impedissem de efetuar as obras de construção e implantação do Complexo Cais Mauá, como a não obtenção das licenças. A arrendatária usufruiu desses dois mecanismos contratuais”, conclui.

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