Bolsonaro apostou tudo em Trump. E agora?

Bolsonaro recebe a benção de Trump na visita aos EUA em março. Foto Alan Santos/PR

Não foi por falta de aviso. Ainda em março deste ano, quando Jair Bolsonaro visitou os Estados Unidos e assinou um acordo de cooperação na área de defesa, muitos foram os alertas.

O governo considerou “histórico” o acordo que assinou e que permitiria ao Brasil “acesso a um fundo de quase 100 bilhões de dólares para pesquisa e desenvolvimento de projetos na área de defesa”.

Diplomatas experientes, sem desconhecer a importância do acordo, chamaram atenção para o risco de um “alinhamento completo com Trump” num ano em que o presidente americano, enfrentando desgastes, tentaria a reeleição.

O ex-embaixador do Brasil nos Estados Unidos, Roberto Ademar Abdenur, considerou um “grave erro” e definiu o encontro entre os dois presidentes como mais um “desdobramento da submissão” do Brasil ao “temário internacional de Donald  Trump, relativo a questões ambientais, conflitos do Oriente Médio, direitos humanos  e embargos econômicos a países não alinhados”.

Bolsonaro foi aos Estados Unidos acompanhado de quatro ministros – Fernando Azevedo e Silva, da Defesa, Ernesto Araújo, das Relações Exteriores, Bento Albuquerque, de Minas e Energia, e Augusto Heleno, do gabinete de Segurança, além do filho deputado Eduardo Bolsonaro.

Numa entrevista, um repórter perguntou se, com a aproximação dos dois presidentes, o governo americano poderia desistir de impor novas tarifas a produtos brasileiros, principalmente ao aço e ao alumínio .”Eu não faço promessas”, respondeu Trump, secamente. E desviou o assunto:

“Ele está fazendo um trabalho fantástico”, disse Trump segurando a mão de Bolsonaro, no jantar em Palm Beach, na Florida. “O Brasil o ama e os Estados Unidos também.”

Abdenur disse na época que o presidente do Brasil ir ao Comando Sul das forças militares americanas  “foi excessivo” e representou outro sinal de submissão aos EUA. “Bolsonaro coloca o Brasil como força auxiliar dos EUA na região”, disse Abdenur, que foi embaixador durante o governo Lula (2004/2007) e criticou muito o que chamou “antiamericanismo do Itamarati”, na época.

A visita de Bolsonaro às dependências da CIA durante a viagem foi outro erro, numa longa lista de “equívocos diplomáticos”, que começou com o “Eu te amo” de Bolsonaro dirigido a Trump na Assembleia Geral da ONU e culminou com a tentativa desastrada de fazer Carlos Bolsonaro embaixador nos Estados Unidos.

Segundo o diplomata, o que Bolsonaro obteve foi uma aproximação com Trump, não com os EUA, cujo relacionamento ele vai ter que rever agora.

O futuro das relações entre Brasil e Estados Unidos com Joe Biden na Casa Branca depende da capacidade do governo brasileiro de abandonar o apoio personalista a Donald Trump e adotar uma postura pragmática com o novo presidente americano, segundo especialistas ouvidos pelo G1.

Bolsonaro não escondeu a torcida pela reeleição de Trump, de quem se considera “amigo”.  Biden já se manifestou sobre impor “consequências econômicas” ao Brasil caso o país não pare de “derrubar a floresta”. A fala do democrata foi interpretada pelo Planalto e por aliados bolsonaristas como um ataque à soberania nacional.
“O  Brasil pagará o preço de Bolsonaro ter apostado abertamente em Donald Trump — e ter sido derrotado com ele”, diz o editorial do Globo neste domingo.

“O próprio figurino ideológico do bolsonarismo enfrentará pressões”.

“A Casa Branca de Biden se reaproximará dos aliados europeus tradicionais — como Alemanha e França — e, como anunciado, voltará ao Acordo do Clima de Paris, que Bolsonaro falou em abandonar em mais uma imitação de Trump”.

“Liberdades democráticas, respeito aos direitos constitucionais, ao meio ambiente, defesa dos direitos humanos — temas relativizados, quando não desrespeitados pelo bolsonarismo — voltarão a servir de baliza para a diplomacia dos Estados Unidos.”

“O Brasil sob Bolsonaro já havia perdido importância na cena global. Para resgatá-la, será mais necessário ainda o trabalho profissional na política externa, que de nada valerá se o Planalto não souber se adaptar ao novo equilíbrio mundial.”

 

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