“É uma carta branca para favorecer bancos”

Economista Maria Lucia Fattorelli ganhou a medalha Tiradentes, da Alerj / Ag.Alerj

A economista Maria Lúcia Fattorelli, coordenadora de um movimento que defende a revisão da Dívida Pública do Brasil, define o projeto de autonomia do Banco Central como “um golpe contra a democracia e a soberania monetária nacional”.

Além de contrariar o artigo 61 da Constituição Federal, que dá ao presidente da República competência exclusiva para apresentar esse tipo de projeto,  a autonomia do Banco Central como está proposta “entrega o órgão que deve regular e supervisionar todo o sistema financeiro nacional ao controle daqueles que deveria fiscalizar: os bancos”.

A Auditoria Cidadã da Dívida, coordenada por Fattorelli,  classifica o o projeto como inconstitucional, e entrou com uma interpelação que poderá, no futuro, embasar uma ação judicial.  A organização enviou o documento, por email, a todos os deputados federais.

O argumento de que é preciso deixar o BC livre de pressões político-partidárias é insustentável, segundo Fattorelli.

“Tornar o Banco Central ‘autônomo’, imune à interferência de qualquer ministério ou órgão público, amplia e torna definitiva a captura da política monetária do país pelo setor financeiro privado, colocando em grave risco a soberania financeira e monetária do país, com sérios danos às finanças públicas, à economia e a toda a sociedade”, afirma.

O projeto de autonomia do Banco Central ( PLP 19/2019) foi aprovado no Senado em novembro/2020, sem que houvesse  audiência pública ou possibilidade de manifestação social, diante do isolamento imposto pela pandemia.

Ainda de acordo com a coordenadora, apesar de buscar “autonomia”, com a aprovação do PLP, o Banco Central não se responsabilizaria por eventuais prejuízos.

“Segundo o Art. 7º da Lei de Responsabilidade Fiscal, eles seriam transferidos para Tesouro Nacional, ou seja, arcados pela população brasileira.”

“O PLP tem vício de iniciativa, competência do presidente da República, não poderia ser de iniciativa parlamentar”, argumenta o senador Paulo Paim (PT-RS), que votou contra o projeto.

Segundo ele, caso o projeto seja aprovado, “o governo eleito terá um papel reduzido nas decisões econômicas do país. As  decisões do BC têm natureza política, impacto distributivo, afetando crescimento econômico  e o nível de emprego no Brasil. É necessário que as decisões do BC envolvam a sociedade por meio dos seus representantes eleitos”.

A primeira tentativa de legalização da ‘independência do Banco Central’ surgiu com o PLP 200/1989, há mais de 30 trinta anos. De acordo com Fattorelli, “não por acaso a matéria deixou de ser votada ao longo de mais de três décadas: trata-se de proposta extremamente polêmica e perigosa, que deixa o controle da moeda e a política monetária do país em situação de injustificável vulnerabilidade, nas mãos dos bancos privados nacionais e internacionais. É um atentado à nossa soberania!”.

Em março de 2020, a Comissão Brasileira Justiça e Paz, vinculada à a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, publicou nota manifestando preocupação com o PLP 19/2019, à época ainda não votado no Senado.

Segundo o documento, iniciativas como esta “negam o direito de controle dos Estados, encarregados de velar pela tutela do bem comum. Instaura-se uma nova tirania invisível, às vezes virtual, que impõe de forma unilateral e implacável, as suas leis e as suas regras”.

“Autonomia do BC” não é o único projeto de interesse do presidente.

Paralelamente ao PLP 19/2019, consta da lista de prioridades tanto de Bolsonaro como de Lira outros projetos, como o PL 3.877/2020,  que propõe a criação do “Depósito Voluntário Remunerado” aos bancos pelo BC, sem limite ou parâmetro algum.

A proposta de independência do BC e criação do depósito voluntário remunerado aos bancos consta também do PLP 112/2019, enviado ao Congresso pelo ministro da Economia Paulo Guedes, pelo presidente do Banco Central Roberto Campos Neto e por Jair Bolsonaro.

O dinheiro depositado ou aplicado nos bancos por pessoas físicas, empresas ou órgãos governamentais gera um montante que deveria ser emprestado à sociedade em geral, a juros baixos ou até negativos, e, ao circular na economia, gerar emprego e renda.

Somente uma parte desse dinheiro existente no caixa dos bancos não pode ser emprestada: é a parte referente ao depósito compulsório: uma reserva para dar garantia ao sistema e impedir que bancos emprestem o mesmo dinheiro várias vezes.

Com a aprovação desses projetos, o BC receberia uma carta branca para remunerar a sobra de caixa dos bancos, sem limite de valor.

De acordo com a interpelação extrajudicial enviada a Lira, o PL 3.877/2020 tornaria o Banco Central obrigado, por lei, a remunerar qualquer valor que os bancos queiram depositar junto ao órgão.

O gasto público com essa remuneração diária poderá ser ainda mais elevado que as “Operações Compromissadas”, que têm sido remuneradas no nível da taxa básica Selic.

Esse risco se deve ao fato de o PL 3.877/2020 não estabelecer qualquer limite ou parâmetro para a remuneração, deixando essa decisão à vontade do Banco Central.

“A situação é tão perigosa que, em março, quando o Banco Central disponibilizou mais de R$1 trilhão de liquidez aos bancos, e o dinheiro ficou empoçado, conforme declaração do próprio ministro da Economia Paulo Guedes, o BC chegou a remunerar essas instituições financeiras sobre esse valor, parado em seus caixas, enquanto centenas de milhares de empresas quebraram por falta de acesso a crédito”, relata Fattorelli.

 

 

Um comentário em ““É uma carta branca para favorecer bancos””

  1. impressionante a garra dessa economista que, praticamente solitária, enfrenta os barões das finanças. Fatorelli precisa de companhia em sua heróica luta.

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