ELEIÇÕES 2020: cinquenta e um candidatos a prefeito são políticos donos de rádio ou TV

Arte: De Olho nos Ruralistas

Cinquenta e um candidatos a prefeito nas eleições de 2020 declararam ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) possuir pelo menos uma rádio ou TV. Alguns tem várias concessões.

Entre eles estão nomes de peso na política nacional, como Josiel Alcolumbre (DEM-AP), primeiro suplente no Senado de seu irmão, o presidente Davi Alcolumbre, do mesmo partido; os ex-governadores Mão Santa (DEM), do Piauí, e Nilo Coelho (DEM), da Bahia; dois deputados federais em exercício e outros oito políticos que já tiveram assento na Câmara dos Deputados.

A lista foi elaborada pelo De Olho nos Ruralistas a partir das declarações de bens entregues ao TSE. A expressão “pelo menos” refere-se a eventuais omissões de dados.

Nilo Coelho, ex-governador da Bahia da entrevista em sua própria rádio.

O ex-governador Nilo Coelho, por exemplo, candidato a voltar ao comando da prefeitura de Guanambi (BA), informou apenas ter feito um empréstimo à Rádio Cultura de Guanambi.

Mas ele continua sendo sócio-administrador da empresa, em sociedade com sua mulher Solange Maria de Oliveira Coelho.

A propriedade de rádios ou TVs é vedada para deputados e senadores em exercício porque se tratam de concessões públicas. Este impedimento está previsto no Artigo 54 da Constituição.

É, no entanto, ignorada pelos políticos que possuem meios de comunicação social e nunca foi devidamente analisada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), apesar de várias iniciativas judiciais a respeito.

Vários desses políticos “com rádio” ou “com TV”, entre eles o próprio Nilo Coelho, são também proprietários de terra.  Nilo Coelho já foi o político com a maior quantidade de bois entre 2008 e 2010, com 21.853 cabeças de gado declaradas nas eleições para prefeito, há doze anos. E é um dos maiores latifundiários nestas eleições, com 68.818 hectares em vinte fazendas — ele possui mais uma, a 21ª, mas não informou o tamanho.

Bolsonarista, o ex-governador do Piauí e ex-senador Mão Santa foi recebido pelo presidente no dia 17 de março, quando boa parte dos brasileiros começava a ficar em casa, no início da pandemia.

“Esse é um vírus boiola“, definiu três dias antes o prefeito de Parnaíba, médico, candidato à reeleição.

Ele tem cotas da Rádio Igaraçu, antiga Rádio Globo Parnaíba, a 95,7 FM, em sociedade com o neto homônimo. A parceria com a Globo existiu até 2014. Mão Santa informou ao TSE possuir R$ 365 mil em cofre. O valor da rádio é mais tímido: R$ 360.

MDB e DEM, os que mais tem mídia

Além de um suplente do Senado e dois ex-governadores, a lista de políticos com rádio e (ou) TV inclui dois deputados federais: João Henrique Holanda Caldas, o JHC, que integra a Frente Parlamentar da Agropecuária (PSB-AL) e o candidato do Republicanos no maior colégio eleitoral do país, São Paulo: Celso Russomanno.

O jornalista paulistano possui participação na Rede Brasil de Rádio e Televisão Leme, a FM 101,1, no município do interior paulista. É o sócio-administrador, ao lado da filha Luara e de outro sócio, o filho adolescente Celso Neuland. Russomanno não possui nenhuma face agrária visível.

Candidato em Maceió, João Henrique Holanda Caldas, o JHC, retransmite em suas rádios a programação da Igreja Internacional da Graça de Deus, do pastor RR Soares. Ele informou possuir 30% das cotas da Alagoas Comunicações, que tem concessão de cinco rádios e uma TV. Seu concorrente Alfredo Gaspar (MDB) move processo contra JHC por abuso de poder econômico, informa a Gazeta de Alagoas.

Segundo o candidato do MDB, as emissoras da família Caldas fazem propaganda exclusiva para JHC, sem abrir espaço para os concorrentes.

Entre os oito políticos na lista que já foram deputados federais, dois são de Minas Gerais (Humberto Souto e Zé Fernando), dois do Ceará (Bismarck Maia e Zé Gerardo Arruda) e dois de Pernambuco (Adalberto Cavalcanti e Marinaldo Rosendo).

A lista é completada por outro político paulista, Paulo Cesar de Oliveira Lima, dono de TV na região de Presidente Prudente, e pelo goiano Carlos Alberto Lereia da Silva, um velho conhecido das investigações relativas ao bicheiro Carlinhos Cachoeira.

Entre os partidos, a liderança entre os coronéis da comunicação fica com o MDB: nove candidatos com rádio ou TV. Em seguida vem o DEM, com seis candidatos.

Depois, três partidos com quatro integrantes na lista: PDT, PSD e PTB. Outros cinco partidos possuem três candidatos cada entre os donos de rádio e TV: PP, PSB, PSC, PSDB e Republicanos.

O PRTB tem dois candidatos a prefeito na lista dos “com mídia”. Cidadania, Patriota, PL, Pode, PSL, PT e PV, um cada.

Doze prefeitos candidatos à reeleição possuem rádios ou TVs, entre eles o ex-deputado mineiro Humberto Souto, o ex-deputado cearense Bismarck Maria (pai do deputado homônimo) e três políticos que já foram deputados estaduais.

Entre eles está Tony Carlos, candidato do PTB em Uberaba, no Triângulo Mineiro. Ele anunciou a candidatura na própria rádio. É acusado pelo concorrente do PSL de uso indevido dos meios de comunicação social, mas principalmente pela parcialidade no uso de jornal impresso.

Constituição proíbe

De acordo com a Constituição, deputados e senadores não podem, depois de diplomados, “firmar ou manter contrato com pessoa jurídica de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviço público, salvo quando o contrato obedecer a cláusulas uniformes”. Rádios e televisões são concessões públicas.

A partir desta disposição da Constituição, organizações da sociedade civil apresentaram, ao longo de anos, várias Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPFs), que não caminham no sistema Judiciário.

Duas delas estão no STF, a ADPF 246 (desde 2011) e a ADPF 379,  ambas sob relatoria do ministro Gilmar Mendes.

Em dezembro de 2018, a então procuradora-geral da República, Raquel Dogde, enviou um parecer no âmbito de outra ADPF, a 429/2018, movida no fim de 2017 pela Advocacia-Geral da União, durante o governo de Michel Temer.

O antigo vice-presidente pretendia impedir, por meio de medida cautelar, que decisões de cancelamento de concessões fossem tomadas em primeira instância.

Essas ações em primeira instância são outra estratégia das organizações sociais, que propuseram representações públicas ao Ministério Público Federal e conseguiram decisões de cancelamento de concessões ou a saída dos parlamentares do quadro societário das empresas.

O governo Temer pretendeu fortalecer a legalidade dessas concessões e garantir a legalidade de seu controle por políticos. Dodge, em seu parecer, afirma que existe “potencial risco de que se utilizem dos canais de radiodifusão para defesa de interesses próprios ou de terceiros, em prejuízo da escorreita transmissão de informações”. E que isso constitui “grave afronta à Constituição brasileira”. Esta ADPF encontra-se, no Supremo, sob relatoria da ministra Rosa Weber.

Enquanto isso, a transparência sobre a propriedade dessas concessões é precária.

Os sistemas da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) não registram várias das participações informadas publicamente pelos candidatos ao TSE e registradas na base de dados da Receita Federal.

A candidata a prefeita em Amontada (CE), por exemplo, Jane Leila Lucas Santos, é a sócia-administradora da Rádio FM Gurupá Ltda — mas na Anatel aparecem os nomes de outros sócios.

Irmãos, filhos, maridos…

Outra forma de disfarçar o controle de concessões de rádios e TVs é registrá-las em nome de parentes.

Nas informações disponíveis no Sistema de Acompanhamento de Controle Societário da Anatel há listas de filhos, irmãos, mulheres, cunhados e outros familiares que mantêm a maior parte das cotas em empresas nas quais os políticos figuram como minoritários.

É o caso do ex-deputado Bismarck Maia, ex-secretário de Turismo durante o governo de Cid Gomes (PDT), candidato em Aracati (CE).

Entre as 20 mil cotas da Rádio Sinal, quase todas (19.600) pertencem a Glaucia Barbosa Pinheiro Maia, sua mulher, mãe do deputado federal Eduardo Bismarck (PDT-CE). Bismarck Maia, o pai, ficou com 400 cotas, declaradas por apenas R$ 400,00. isso não o impediu de declarar um crédito de R$ 672 mil junto à empresa.

Parentes de políticos, claro, também costumam se tornar políticos. A lista de candidatos com rádio ou TV traz o filho do ex-deputado Silvio Lopes, em Macaé (RJ); a mulher do deputado estadual Felipe Orro, em Aquidauana (MS); o filho do ex-prefeito Valderico Luiz dos Reis, em Ilhéus (BA); uma irmã de ex-prefeito em Capela (SE).

A mulher do deputado estadual Max Russi, Andreia Wagner, candidata em Jaciara (MT), possui uma cota na Rádio Xavantes — em um estado que dizimou indígenas.

(Reportagem de Alceu Luís Castilho e Patrícia Cornils  para o site “De Olho nos Ruralistas”)

 

 

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