ELEIÇÕES 2020: Milícias consolidam poder político no Rio de Janeiro

De tempos em tempos emergem dados assustadores sobre o aumento do poder das milícias no Rio de Janeiro.

Na semana passada veio a público uma pesquisa que mapeou grupos criminosos na ex- capital federal que hoje faz jus ao título de “cidade mais bandida do Brasil”.

De acordo com o “Mapa dos Grupos Armados do Rio de Janeiro”, título da pesquisa, os bairros onde milicianos atuam, somados, ocupam 57,5% do território do município.

É uma área quase quatro vezes maior do que a controlada por facções do tráfico de drogas. As três facções de traficantes, somadas, agem em bairros que perfazem 15,4% da área total da cidade. Juntos, milicianos e traficantes atuam em 73% da área do município.

Pouco mais de um quarto do território carioca (25,2%) ainda está em disputa entre tráfico e milícia.

A pesquisa não registra ação de grupos criminoso em apenas 1,9% da área total do Rio. Nessa área sem denúncias, estão bairros como Urca, Jardim Botânico, Lagoa, Campo dos Afonsos e Vista Alegre.

Os pesquisadores analisaram um total de 37.883 relatos que mencionam milícias ou tráfico de drogas, recebidos pelo Disque-Denúncia (2253-1177) no ano de 2019.

Segundo o Promotor Fábio Correa, do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), apesar de ainda existir sob a forma de células e franquias, a milícia caminha para um projeto de comando único no Rio.

“Ela está em expansão, visando a um projeto de comando único”, ele disse.

O sociólogo José Claudio Alves, que pesquisa grupos paramilitares define como “narcomilícia”, a novo modelo de organização que está se formando da aliança entre traficantes e milicianos.

Quanto ao número de cariocas que vivem em bairros com atuação de traficantes ou milicianos,  a pesquisa estima em mais de 2,1 milhões de habitantes, aproximadamente um terço (33,1%) da população do município do Rio.

Nos bairros onde o tráfico atua vivem mais de 1,5 milhões de pessoas, ou 24% da população da cidade.

Cerca de quatro em cada dez cariocas — 2.659.597 habitantes (41,4% da população) — residem em territórios ainda disputados pelas organizações criminosas.

Não só no município do Rio.

O estudo também expandiu a análise para a Região Metropolitana. E o quadro não é muito diferente, embora o predomínio aí ainda seja das facções do tráfico. Numa malha que envolve mais de mil bairros, os milicianos atuam em 199 (21,8%) as três maiores facções atuam em 216 bairros, 26,7% do total de bairros da região.

O poder armado desses grupos pode ser avaliado pelo número de armas de fogo apreendidas pela polícia. As estatísticas registram queda, mesmo assim é um número impressionante: de janeiro a setembro de 2020, foram apreendidas 4.858 armas de fogo no Estado do Rio – 218 fuzis, 2.213 pistolas, 1776 revólveres.

O índice é 26% menor do que o do mesmo período de 2019, quando foram retiradas de circulação 6.588 armas (438 fuzis). Já houve ano (2003) que a polícia apreendeu quase 12 mil armas de janeiro a setembro.

O número de homicídios também está em queda, mas ainda foram 2.650 homicídios de janeiro a setembro deste ano, isso com queda de 13% em relação ao ano passado.

Fortemente armados, esses grupos criminosos agora buscam consolidar um poder político.

Nesta segunda-feira, 26 de outubro, a Rede Fluminense de Pesquisas sobre Violência, Segurança Pública e Direitos Humanos divulgou um estudo alertando para a atuação de milícias dentro do Poder Executivo e casas legislativas da região metropolitana do Rio de Janeiro.

Trabalho de um ano, a pesquisa “Controle Territorial Armado no Rio de Janeiro“, conclui que as conexões entre milícia e polícia estão se tornando estruturais. Foram ouvidos promotores, policiais, jornalistas, ativistas e especialistas em dados.

O grupo destaca que a ligação entre criminosos e instituições legais ameaçam o Estado democrático de Direito. Há menos de um mês das eleições, a rede afirma que é preciso haver um esforço suprapartidário para garantir o voto livre e a proteção a candidatos.

“Talvez essa expansão dos interesses milicianos a instâncias dos poderes legislativos locais guarde relação, ainda que parcialmente, com o elevado número de mortes violentas envolvendo candidatos a vereadores no último processo eleitoral municipal, em diversos municípios da região metropolitana do Rio de Janeiro.”

Para o grupo, é urgente o monitoramento da relação das milícias com os poderes Executivo e Legislativo. “Na relação com o Estado, as milícias passariam a atuar não mais como grupos que precisam estabelecer alianças com os poderes instituídos, e sim como parte interna e orgânica ao aparelho estatal“, diz a nota.

A rede afirma que é preciso tentar reverter o fenômeno. “Se ele se confirma e se consolida, conforma-se um quadro de banditismo político, de grupos que, historicamente, começaram guardando relações com elites locais para, posteriormente, assumirem protagonismo tanto nas atividades econômicas quanto no poder político”, lê-se no texto.

As organizações criminosas têm, de acordo com a nota técnica, “habilidade para transitar entre o legal e o ilegal” e atuam em “ um projeto ambicioso de tomada de poder do Estado“.

FORMA DE ATUAÇÃO
Para ganhar terreno, as milícias se aproveitam da sensação de insegurança existente em populações mais vulneráveis. Dessa maneira, controlam ilegalmente serviços para acumular poder político, econômico e social. Segundo a rede, a característica distintiva das milícias é a diversificação dos mercados em que atuam.

“Há registro de atuação de milícias em serviços de transporte coletivo, gás, eletricidade, internet, agiotagem, cestas básicas, grilagem, loteamento de terrenos, construção e revenda irregular de habitação, assassinatos contratados, tráfico de drogas e armas, contrabando, roubo de cargas, receptação de mercadorias e revenda de produtos de diversos tipos e proveniências”, diz o texto.

Um outro estudo mostra que nas áreas controladas pelas milícias, só conseguem fazer campanha os candidatos que elas permitem.

 

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