Fotógrafo registra degelo nas montanhas em todo o mundo; leia entrevista

João Paulo Barbosa fotografado por Christophe Ngo Van Duc

Por Márcia Turcato

Ele é cidadão do mundo. Mas seus documentos dizem que é brasiliense, apesar de ter nascido em Curitiba e ter parentes em Porto Alegre. Quando menino viajava para a praia de Torres com a família. O diploma universitário, da UnB, entrega que é bacharel em História. Mas ele combina o conhecimento acadêmico com atividades de fotografia, escalada, navegação, organizador de expedições antárticas ou para qualquer outro canto do planeta onde a curiosidade possa provocá-lo.

O dono desse perfil é João Paulo Barbosa, 49 anos de idade, primogênito do químico Antônio e da advogada Joy, tem três irmãos, casado com a professora Aline Bacelar, pai do pré-adolescente Ian, e atualmente tendo a capital paulista como endereço residencial.

João Paulo atuou como pesquisador convidado da Faculdade de Educação da UnB e foi curador do Museu Virtual de Ciência e Tecnologia. Desde 1999, promove cursos, palestras e expedições ao redor do mundo.

Seu trabalho foi premiado, exibido e publicado em cerca de 50 países e reconhecido pela National Geographic Society (EUA, Alemanha e Itália), Smithsonian Institution (EUA), Bruckmann (Alemanha), Banff Centre (Canadá), CICI (Coreia do Sul), The Guardian (Inglaterra),  Glénat (França), Patagon Journal  (Chile) e ICMBio, WWF e Greenpeace no Brasil, entre outros.

Suas fotografias fazem parte de coleções particulares e de acervos como o National Museum of the American Indian, em Washington DC, Museu de Fotografia de Fortaleza (Ceará), Instituto Moreira Salles, Itamaraty e Memorial dos Povos Indígenas.

A partir de 2011, João Paulo começou a fazer viagens rotineiras à Antártica e atualmente está dedicado à documentação fotográfica e histórica das zonas frias do planeta para registrar as alterações provocadas pela ação humana.

Tem 10 livros publicados. O último, de crônicas de viagem, é Caminhos Imprevisíveis, edição limitada, onde ele diz “se eu tivesse que ter apenas um livro, teria um Atlas”.

Conheci o João Paulo há cerca de 30 anos. Estávamos no mesmo grupo que fazia uma trilha de jeep pelo Cerrado. Ele ainda era estudante de História e desde já apaixonado pela Antártica, onde eu já estivera para escrever ampla reportagem para a revista Isto É (edição 582, de 17 de fevereiro de 1988)  e este foi nosso laço em comum. Também estivemos juntos em algumas competições off road e numa reportagem sobre turismo de aventura no Amapá.

Depois perdemos o contato porque João Paulo não parou mais de viajar. E se fosse possível percorrer a galáxia, com certeza ele já teria feito.

Por tudo isso, foi um enorme prazer reencontrá-lo e fazer essa entrevista para que os leitores do JÁ possam conhecê-lo e também o  trabalho que realiza.

JÁ- Qual o principal foco das tuas viagens?

JP-Faço viagens e faço expedições. As expedições envolvem muita logística, equipamentos e pessoas, também tomam mais tempo de preparação e organização.  Varia muito o meu foco, às vezes eu estou participando de um projeto para fazer um livro ou uma exposição fotográfica. Às vezes eu viajo só para fazer uma escalada, como aconteceu recentemente no Paquistão. Mas preciso destacar que a viagem para o Paquistão também envolveu a relação com o clima, porque estou envolvido em um projeto sobre o gelo, é um projeto de quatro anos, estou fotografando o gelo ao redor do mundo e os glaciares do Paquistão fazem parte do projeto. Também faço viagens com cunho social porque  trabalho para algumas organizações não governamentais (ongs), principalmente inglesas, para fazer reportagens. Já participei de expedições científicas, como o projeto Darwin, programas antárticos do Brasil e também do Chile, e projetos com universidades. É bem variado meu leque de temas mas todos eles têm viagens.

JÁ- Como é esse projeto sobre o gelo no mundo?

JP-  O N’Ice Planet​ é um projeto pessoal e consiste na realização, ao longo de quatro anos, ​de ​expedições ao redor do mundo para documentar zonas frias e divulgar as principais questões relativas ao gelo, como os dilemas populacionais​, as migrações por conta de mudanças climáticas e o risco de extinção dos povos árticos. Também mostro ativistas​ ambienta​is que trazem mensagens importantes​​, que fazem alertas sobre os riscos que o planeta experimenta, relato conversas com cientistas e mostro trabalhos de geoengenharia que eles desenvolvem, e também procuro documentar o que está sendo feito para mitigar os efeitos do aquecimento global e o consequente derretimento do gelo. É um projeto inédito e relevante por sua proposta abrangente e popular. Os conteúdos produzidos serão divulgados ​regularmente em redes sociais e diversas mídias com o objetivo de instigar o público a refletir, discutir, indagar e atuar por soluções junto aos governantes.

Documentar a urbanização das mais altas montanhas geladas do planeta é dos mais tristes temas que compõem a minha pesquisa sobre o gelo no Antropoceno (termo empregado pelo químico holandes Paul Crutzen, vencedor do Prêmio Nobel de química de 1995, para designar uma nova época geológica caracterizada pelo impacto do homem na Terra).

Será que logo mais haverá um hotel sofisticado na montanha K2 (também chamada Qogir Feng, no Himalaia), a exemplo do que já acontece no Aconcágua e no Everest? O black carbon (concentração de fuligem na atmosfera) acelera o derretimento das geleiras. Há 30 mil refugiados do clima na região do Himalaia apenas no último Verão.

JÁ- Qual foi a tua primeira grande viagem?

JP- A primeira grande viagem foi o nascimento, a segunda grande viagem foi minha adoção (João Paulo foi adotado em Curitiba quando tinha  pouco mais de um ano de idade, e veio com os pais  para Brasília. Se considera brasiliense.) A terceira grande viagem  foram os sete meses que vivi na França (João Paulo acompanhou a família durante o pós-doutorado do pai em Paris). Depois disso vieram inúmeras viagens, todas também importantes e inesquecíveis.

JÁ- Quais as melhores viagens e qual a sua região preferida?

JP- Existem muitas melhores viagens. Inclusive a da imaginação, que é viajar quietinho. A viagem a Ásia, que comento em meu último livro (“Caminhos Imprevisíveis”, Editora Caseira e Ateliê Casa das Ideias), foi entre 2007 e 2008.  Fiz uma viagem de 480 dias que foi muito importante pra mim, quando vi o Himalaia pela primeira vez e fiquei alguns meses na região, mas eu gosto muito do deserto do Atacama, gostei muito das duas expedições que fiz ao Pico da Neblina, em Roraima, na área Yanomami, que chamamos de Yaripo, que significa Montanha do Vento. A Patagônia, principalmente os fiordes da Terra do Fogo, que são lugares em que eu frequento de veleiro, é um lugar lindíssimo (veleiro Kotik, de 40 toneladas,  60 pés, cinco camarotes e  espaço para  10 pessoas). E claro, meu lugar preferido é a Antártica, a Península Antártica e a costa oeste da península, que acho muito especial.

JÁ- Quantas vezes você esteve na Antártica?

JP- Neste mês de fevereiro de 2023 eu vou participar da minha nona expedição antártica e será minha sétima embarcado no  veleiro Kotik, do comandante francês Igor Bely.

JÁ- Qual a melhor experiência que você experimentou numa dessas viagens?

JP- Quando eu tinha 18 anos de idade e estava no norte do Canadá,  em Quebec, e vi a aurora boreal foi uma experiência fantástica, eu estava acampado com seis amigos. A aurora boreal durou horas, muito colorida, foi emocionante. Os primeiros mergulhos utilizando garrafa (cilindro com oxigênio) também foram emocionantes. Escalar o Aconcágua (maior montanha da cordilheira do Andes, na Argentina, com 6.961 metros de altura), sozinho, aos 20 anos, também foi muito emocionante. Em 2014, na minha terceira viagem para Antártica a bordo do veleiro Kotik foi incrível porque eu sonhava em viajar nesse barco e com uma galera que eu sonhava muito em estar junto. Durante muito tempo eu chorei de emoção ao chegar na Antártica e chorava de tristeza quando tinha de ir embora. Também preciso falar de uma outra  experiência ótima, quando subo montanhas e vulcões com amigos, sem mídia, sem publicidade, só por amizade e com esforço físico. Em 2020 eu tive a experiência de remar por nove dias, na Antártica, numa canoa polinésia para três pessoas, a V3, e eu remei com dois campeões brasileiros de canoa.  Inclusive eles são representantes do Brasil no campeonato mundial de canoagem  (os remadores  Marcelo Bosi e Rudah Caribe).  Isso foi muito bom.

JÁ- Qual a maior dificuldade que você experimentou?

JP- Essa é fácil. É o estreito de Drake (também chamado de mar ou passagem). Passar o estreito de Drake em um veleiro não é brincadeira não. Eu já passei quase 20 vezes, contando ida e volta. A travessia leva cerca de quatro dias, então é inevitável passar por pelo menos uma grande tormenta. Três vezes foram terríveis, de terror e pânico. Pensei que ia morrer, mas lembrei que estava num barco feito para essa situação adversa, com mono casco de aço, feito por um ex-cientista da Nasa, com uma tripulação incrível, e então não me entreguei emocionalmente, reagi. O corpo fica acabado, mas o espírito aguenta. O estreito de Drake é o maior perrengue da galáxia.

JÁ- Qual a melhor forma de viajar, sozinho ou em grupo?

JP- Eu tenho quatro formas de viajar: sozinho, com a família, com  amigos e por conta do trabalho. Todas são muito legais. Mas eu gosto muito de viajar sozinho e recomendo que todo mundo tenha essa experiência. É muito importante viajar sozinho para aprender, para se misturar com a população local. Entretanto, tem lugares que é muito bom viajar com um grupo de amigos para se divertir com eles, como eu fiz nos fiordes da Terra do Fogo.

JÁ- Você tem parentes em Porto Alegre. Como é essa relação?

JP- Eu tenho uma tia avó, Marília Escosteguy, ela tem 102 anos de idade, mora na rua Jacinto Gomes, no bairro Santana. Ela é uma mulher fantástica, ela apresentava um programa na antiga TV Tupi, quando viveu no Rio de Janeiro. Foi casada com o artista plástico e escritor Pedro Geraldo Escosteguy – de Santana do Livramento-  que também é médico, já falecido. O Pedro tinha um acervo literário e artístico incrível, e que agora está disponível ao público no Departamento de Literatura da UFRGS.

Eu aprendi muitas coisas com a minha avó e também viajei com ela para praias gaúchas, lembro bem de Torres. Aprendi principalmente a ter cuidado com as coisas, a ter carinho com os objetos e com tudo, com as pessoas também, obviamente. Na casa dela tudo é muito cuidado, tudo merece respeito, uma coisa meio assim oriental. E por conta dela eu tenho muito carinho por Porto Alegre.

O MAR DE DRAKE

Mar onde há mudanças bruscas nas condições de temperatura, visibilidade e, principalmente, do vento.  Comandantes de aeronaves e de navios passam por processo de treinamento especial para operar nessa área. O Mar de Drake é o terror dos navegantes. Estima-se que 800 embarcações tenham naufragado em suas águas.

É o ponto mais austral da América do Sul e mais próximo da Península Antártica, com 650 km de extensão e quase cinco mil metros de profundidade, onde os oceanos Atlântico e Pacífico se encontram, se afunilam e se confrontam num grande espetáculo, provocando ondas gigantes.  Até a base brasileira, a Comandante Ferraz, são 900 km de distância.

Mais informações no Instagram: @ joaopaulobarbosaphotography

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