Um novo Brasil no "País Chamado Favela"

No turbilhão das campanhas eleitorais no país, um novo Brasil foi apresentado aos brasileiros na semana que passou, com o lançamento do livro Um País Chamado Favela, de autoria do publicitário Renato Meirelles e do empreendedor social Celso Athayde (Ed. Gente).
Athayde, carioca, é fundador da Central Única das Favelas – CUFA, instituição reconhecida pelo trabalho com jovens de periferias de mais de 300 cidades e 17 países; autor de três livros com grandes tiragens – “Falcão – Menino do Tráfico”, “Mulheres e o Tráfico” e “Cabeça de Porco” e, hoje, diretor executivo da Favela Holding Participações, um grupo de empresas que investe em negócios para desenvolver as comunidades carentes.
Considerado um dos maiores empreendedores sociais do país, Celso lançou recentemente o conceito do “Setor F”, que reflete sobre a economia da favela como uma revolução social. “O modelo social adequado não é aquele que todos são ricos, mas que todos têm oportunidades”, analisa.
Meirelles, diretor do Instituto Data Favela, instituição referência em pesquisas das classes C, D e E. Considerado um dos maiores especialistas em mercados emergentes do Brasil, foi colaborador do livro “Varejo para Baixa Renda”, publicado pela Fundação Getúlio Vargas, e conduziu mais de 300 estudos sobre o comportamento do consumidor tendo atendido empresas como P&G, Febraban, TAM, C&A, Vivo, Caixa, SEBRAE e Ambev.
Em setembro do ano passado, o publicitário coordenou a maior pesquisa já feita sobre as favelas brasileiras, que incluem também bairros de periferia. Sua equipe percorreu 63 favelas e entrevistou dois mil moradores para mapear a visão de mundo e os padrões de consumo destes milhões de brasileiros que, agrupados, formariam o quinto maior estado brasileiro, maior que a população do Rio Grande do Sul. O resultado revela outros números impressionantes, e desconhecidos sobre “uma nova classe média brasileira”.

O livro/Edissa Waldow/FamecosPUCRS
Livro traz dados da pesquisa/Edissa Waldow/FamecosPUCRS

Os dados foram apresentados de forma resumida no dia 22 de setembro na PUC de Porto Alegre, durante a realização do SET Universitário que a Faculdade de Comunicação Social (Famecos) realiza todos os anos. Já está na 27ª edição.
Os autores foram os palestrantes da abertura do SET com o tema Que Brasil é esse que construímos? Tiveram a companhia de Eduardo Lyra, 26 anos, cujo depoimento ilustrou a revolução social que ocorre nas favelas. Filho de um ex-drogado e ex-criminoso, Lyra não se deixou levar pelo ambiente ruim que o cercava desde o nascimento, tomou como exemplo de vida as lições de sua mãe, tornou-se jornalista e escritor, autor de Jovens Falcões. Fundou o Instituto Gerando Falcões e por meio do hip hop, dança de rua, teatro e literatura, já tocou a vida de mais de 200 mil jovens de comunidades. Se não bastasse, foi eleito pelo Fórum Econômico Mundial, um dos 15 jovens brasileiros que pode melhorar o mundo e saiu na lista da revista Forbes Brasil como um dos 30 jovens mais influentes do País, sendo o único de periferia.
Palestrantes /Edissa Waldow/FamecosPUCRS
Palestrantes na abertura do SET/Edissa Waldow/FamecosPUCRS

Meirelles apresentou a nova classe média brasileira, mais rica que 54% da população mundial. Disse que o Brasil mudou muito nos últimos dez anos, sendo que a renda dos 25% mais ricos cresceu 12,8%, enquanto a renda dos 25% mais pobres cresceu 44%. A estrutura do país passou da pirâmide social para um losango social, com mais gente nas classes C, D e E, a nova classe média. Isso significou uma enorme transformação no perfil do consumidor e no mercado de comunicação.
“O controle da inflação e o crescimento dos empregos formais no país deram origem à nova classe média, ou classe C, que tem renda de R$ 320 a R$ 1.120 por pessoa da família”, afirmou.
Outra questão interessante levantada pelo publicitário é que as classes ricas A e B, que representam 5% da população com renda de R$ 10 mil, não se reconhecem como ricas. Se veem como classe média e, por isso, se sentem incomodadas quando percebem a ascensão das classes C, D e E.
Ele ressalta que a mobilidade de classes econômicas no Brasil aconteceu de baixo para cima. “Hoje, 44% das classes A e B representam a primeira geração com dinheiro da família. Os avós e os pais não tinham uma boa renda, mas ele tem. São milhões de brasileiros que têm o modo de pensar da classe C e o bolso da classe A”, disse.
Athayde e Meirelles, atualizam as informações a respeito deste universo gigantesco / Foto Divulgação
Athayde e Meirelles, os autores / Foto Divulgação

“Renda dos moradores das favelas brasileiras é de R$ 64,5 bilhões, quase o consumo do Paraguai e Bolívia, juntos”
Nesse contexto, segundo Meirelles, os territórios que eram completamente invisíveis ganharam força. “As favelas, locais de exclusão, de ocupações, são os consumidores antes invisíveis que agora tem poder de compra. Nas favelas, 53% das pessoas já passaram fome. Mas o quadro está mudando. O Brasil tem 14 milhões de pessoas morando em favelas. Se existisse um estado da federação chamado Favela, seria o 5º maior do país. Há mais favelado do que pessoas morando aqui no Rio Grande do Sul. A renda anual desses moradores de favelas é de R$ 64,5 bilhões. Essa renda é quase o consumo total do Paraguai e Bolívia. E, acreditem, ainda é invisível para muitas empresas, inclusive veículos de comunicação. As empresas não sabem se aproximar desse novo consumidor”, revelou.
A expectativa é de que a favela continue melhorando porque a vontade de empreender lá dentro é muito grande, segundo o publicitário. “Nas favelas, 28% dos moradores têm intenção de um dia abrir seu próprio negócio, 81% gostam de viver na favela onde estão, 62% declaram ter orgulho de pertencer à comunidade onde moram e 2/3 não gostariam de mudar para outro bairro, sendo que apenas 16% acham que a favela onde moram vai ficar mais violenta e 76% acreditam ela vá melhorar”, completa.
Cleber Dioni Tentardini

Procuradores querem frear terceirização de contratos de trabalho

Mais um round da briga judicial em torno da terceirização de atividades-meio e atividades-fim no mercado de trabalho: no último dia 10 de setembro, a Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT) interveio contra a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 324, apresentada em 25 de agosto junto ao Supremo Tribunal Federal pela Associação Brasileira do Agronegócio (ABAG).
Alegando que o preceito constitucional da livre iniciativa empresarial não pode ser tolhido pela Justiça do Trabalho, a ABAG pede a suspensão de quaisquer processos em andamento sobre o tema terceirização de contratos de trabalho. Quer inclusive a suspensão dos efeitos de decisões já proferidas, o que equivale a escancarar a porteira para a passagem das tropas do capitalismo neoliberal.
Representada por Roberto Caldas e mais seis advogados atuantes no Distrito Federal, a associação dos procuradores do Trabalho argumenta que “a medida (da ABAG) preconiza um liberalismo anacrônico e selvagem, escorado numa delirante noção de livre iniciativa sem limites, flagrantemente contrária ao horizonte normativo, ideológico e principio lógico da Carta de 1988, de forte inspiração social e democrática, que preconiza um Estado dotado de necessário papel regulador dos abusos do poder econômico”.
Apelo ao agronegócio
Em sua intervenção, que entrou a tempo de ser analisada pelo ministro Luiz Roberto Barroso, a ANPT argumenta que a ABAG não tem legitimidade para se intrometer no tema da terceirização, objeto de um ousado recurso da Cenibra, que recorreu ao STF para não pagar R$ 2 milhões de multa trabalhista em processo por terceirização de mão-de-obra no leste de Minas/noroeste do Espírito Santo.
Talvez por se sentir acuada na briga, a Cenibra (associação da Vale com capitais japoneses) pediu ajuda da entidade do Agronegócio, que tem um grande peso político e econômico. Em outras palavras, a ABAG late mais alto e seu ‘au-au’ pode ecoar até nos eucaliptais do Sul.
Na prática, o que o empresariado está querendo é podar a Justiça do Trabalho, que cumprem uma missão constitucional no sentido de evitar fraudes no mercado de trabalho. Se o STF der guarida à Cenibra, estará liberando a terceirização, que já ocupa 25% dos trabalhadores do Brasil. O bom senso indica que o pleito da ABAG e da Cenibra não pode passar, mas nessas horas todo mundo pensa no velho ditado: de barriga de mulher, cabeça de juiz e urna eleitoral, pode-se esperar qualquer coisa.

POR QUE OS JORNALISTAS ESTÃO ADOECENDO MAIS

Por Elaine Tavares*
O psicólogo, professor e pesquisador da Fundação Getúlio Vargas, Roberto Heloani, conseguiu levantar um perfil devastador sobre como vivem os jornalistas e por que adoecem.
O trabalho ouviu dezenas de profissionais de São Paulo e Rio de Janeiro, a partir do método de pesquisa quantitativo e qualitativo, envolvendo profissionais de rádio, TV, impresso e assessorias de imprensa.
E, apesar da amostragem envolver apenas dois estados brasileiros, o relato imediatamente foi assumido pelos delegados ao Congresso de Santa Catarina – que aconteceu de 23 a 25 de julho – evidenciando assim que esta é uma situação que se expressa em todo o país.
Segundo Heloani a mídia é um setor que transforma o imaginário popular, cria mitos e consolida inverdades. Uma delas diz respeito à própria visão do que seja o jornalista.
Quem vê a televisão, por exemplo, pode criar a imagem deformada de que a vida do jornalista é de puro glamour.
A pesquisa de Roberto tira o véu que encobre essa realidade e revela um drama digno de Shakespeare. Deixa claro que, assim como a absoluta maioria é completamente apaixonada pelo que faz, ao mesmo tempo está em sofrimento pelo que faz, o que na prática quer dizer que, amando o jornalismo eles não se sentem fazendo esse jornalismo que amam, sendo obrigados a realizarem outra coisa, a qual odeiam. Daí a doença!
Um dado interessante da pesquisa é que a maioria do pessoal que trabalha no jornalismo é formada por mulheres e, entre elas, a maioria é solteira, pelo simples fato de que é muito difícil encontrar um parceiro que consiga compreender o ritmo e os horários da profissão.
Nesse caso, a solidão e a frustração acerca de uma relação amorosa bem sucedida também viram foco de doença.
Heloani percebeu que as empresas de comunicação atualmente tendem a contratar pessoas mais jovens, provocando uma guerra entre gerações dentro das empresas.
Como os mais velhos não tem mais saúde para acompanhar o ritmo frenético imposto pelo capital, os patrões apostam nos jovens, que ainda tem saúde e são completamente despolitizados. Porque estão começando e querem mostrar trabalho, eles aceitam tudo e, de quebra, não gostam de política ou sindicato, o que provoca o enfraquecimento da entidade de luta dos trabalhadores. “Os patrões adoram, porque eles não dão trabalho”.
Outro elemento importante desta “jovialização” da profissão é o desaparecimento gradual do jornalismo investigativo. Como os jornalistas são muito jovens, eles não tem toda uma bagagem de conhecimento e experiência para adentrar por estas veredas.
Isso aparece também no fato de que a procura por universidades tradicionais caiu muito. USP, Metodista ou Cásper Líbero (no caso de São Paulo) perdem feio para as “uni”, que são as dezenas de faculdades privadas que assomam pelo país afora. “É uma formação muitas vezes sem qualidade, o que aumenta a falta de senso crítico do jornalista e o torna mais propenso a ser manipulado”.
Assim, os jovens vão chegando, criando aversão pelos “velhos”, fazendo mil e uma funções e afundando a profissão.
Um exemplo disso é o aumento da multifunção entre os jornalistas mais novos. Eles acabam naturalizando a idéia de que podem fazer tudo, filmar, dirigir, iluminar, escrever, editar, blogar etc…
A jornada de trabalho, que pela lei seria de 5 horas, nos dois estados pesquisados não é menos que 12 horas. Há um excesso vertiginoso.
Para os mais velhos, além da cobrança diária por “atualização e flexibilidade” há sempre o estresse gerado pelo medo de perder o emprego. Conforme a pesquisa, os jornalistas estão sempre envolvidos com uma espécie de “plano B”, o que pode causa muitos danos a saúde física e mental.
Não é sem razão que a maioria dos entrevistados não ultrapasse a barreira dos 20 anos na profissão. “Eles fatalmente adoecem, não agüentam”.
O assédio moral que toda essa situação causa não é pouca coisa. Colocados diante da agilidade dos novos tempos, da necessidade da multifunção, de fazer milhares de cursos, de realizar tantas funções, as pessoas reprimem emoções demais, que acabam explodindo no corpo. “Se há uma profissão que abraçou mesmo essa idéia de multifunção foi o jornalismo. E aí, o colega vira adversário. A redação vive uma espécie de terrorismo às avessas”.
Conforme Heloani, esta estratégia patronal de exigir que todos saibam um pouco de tudo nada mais é do que a proposta bem clara de que todos são absolutamente substituíveis. A partir daí o profissional vive um medo constante, se qualquer um pode fazer o que ele faz, ele pode ser demitido a qualquer momento. “Por isso os problemas de ordem cardiovascular são muito frequentes.
Hoje, Acidentes Vasculares Cerebrais (AVCs) e o fenômeno da morte súbita começam a aparecer de forma assustadora, além da sistemática dependência química”.
O trabalho realizado por Roberto Heloani verificou que nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro 93% dos jornalistas já não tem carteira assinada ou contrato. Isso é outra fonte de estresse.
Não bastasse a insegurança laboral, o trabalhador ainda é deixado sozinho em situações de risco nas investigações e até na questão judicial. Premidos por toda essa gama de dificuldades os jornalistas não tem tempo para a família, não conseguem ler, não se dedicam ao lazer, não fazem atividades físicas, não ficam com os filhos. Com este cenário, a doença é conseqüência natural.
O jornalista ganha muito mal, vive submetido a um ambiente competitivo ao extremo, diante de uma cotidiana falta de estrutura e ainda precisa se equilibrar na corda bamba das relações de poder dos veículos.
No mais das vezes estes trabalhadores não tem vida pessoal e toda a sua interação social só se realiza no trabalho.
Segundo Heloani, 80% dos profissionais pesquisados tem estresse e 24,4% estão na fase da exaustão, o que significa que de cada quatro jornalistas, um está prestes a ter de ser internado num hospital por conta da carga emocional e física causada pelo trabalho.
Doenças como síndrome do pânico, angústia, depressão são recorrentes e há os que até pensam em suicídio para fugir desta tortura, situação mais comum entre os homens.
O resultado deste quadro aterrador, ao ser apresentado aos jornalistas, levou a uma conclusão óbvia. As saídas que os jornalistas encontram para enfrentar seus terrores já não podem mais ser individuais. Elas não dão conta, são insuficientes.
Para Heloani, mesmo entre os jovens, que se acham indestrutíveis, já se pode notar uma mudança de comportamento na medida em que também vão adoecendo por conta das pressões. “As saídas coletivas são as únicas que podem ter alguma eficácia”, diz Roberto.
Quanto a isso, o presidente do Sindicato dos Jornalistas de Santa Catarina, Rubens Lunge, não tem dúvidas. “É só amparado pelo sindicato, em ações coletivas, que os jornalistas encontrarão forças para mudar esse quadro”.
Rubens conta da emoção vivida por uma jornalista na cidade de Sombrio, no interior do estado, quando, depois de várias denúncias sobre sobrecarga de trabalho, ele apareceu para verificar. “Ela chorava e dizia, `não acredito que o sindicato veio´. Pois o sindicato foi e sempre irá, porque só juntos podemos mudar tudo isso”. Rubens anda lembra dos famosos pescoções, praticados por jornais de Santa Catarina, que levam os trabalhadores a se internarem nas empresas por quase dois dias, sem poder ver os filhos, submetidos a pressão, sem dormir. “Isso sem contar as fraudes, como a de alguns jornais catarinenses, que não tem qualquer empregado. Todos são transformados em sócios-cotistas. Assim, ou se matam de trabalhar, ou não recebem um tostão”.
*Jornalista