Autor: Análise & Opinião
LUIZ-OLYNTO TELLES DA SILVA/Do Caos à Desordem
Luiz-Olyntho Telles da Silva
Uma vez um Dalai-lama disse só haver dois dias no ano em que não se pode fazer nada. Um se chama ontem e o outro amanhã.
Uma premissa retórica para dizer da importância do dia de hoje para crescer, amar, fazer e, principalmente, viver. É assim. Mas temos de lembrar que uma das coisas importantes a fazer no hoje é historiar o ontem e planejar o amanhã.
A grande mensagem desse líder espiritual é destacar a importância destes três momentos, o passado, o presente e o futuro. E o interessante é que essas palavras não são atribuídas nem a Gedum Truppa, nem a Tenzin Gyatso, quer dizer, nem ao primeiro nem ao último Dalai-lama.
A afirmação soa como uma simples emanação da sabedoria oceânica de sua posição, a qual consiste, antes de tudo, em pôr ordem nas coisas.
Pela busca da ordem começa também o Gênese. Primeiro separou o céu da terra, depois a luz das trevas, as águas acima do firmamento das águas abaixo do firmamento, os mares dos continentes e, com todas essas realizações, o Criador estava muito empolgado.
No dia seguinte, fez um pomar, com todas as frutas, e crescia sua empolgação. Mais um dia e fez aparecer as estrelas, o sol e a lua, para iluminar o dia e a noite, sempre contente.
No quinto dia fez os peixes e as aves, e no dia seguinte os animais e o homem, sendo este último – já pleno de júbilo, como uma espécie de assinatura, para garantir sua autoria –, feito à sua imagem e semelhança.
Enfim, estava pronto! E tomou todo o sétimo dia para descansar. O descanso, contudo, não estava na frase do Dalai-lama e minha mãe, muito prática, justificava dizendo que se descansa de uma coisa fazendo outra. Thomas Hobbes, por exemplo, como quem puxa as brasas para sua sardinha, preferia pensar no ócio como sendo a mãe da filosofia.
Seja por isto, ou por aquilo, a questão é que a felicidade do Criador, depois de ter parado para descansar, e pensar, já não foi a mesma, a completude estava perdida. Suas reflexões levaram-no a perceber que algo não estava bem.
Quer dizer, ao olhar para trás, para o que tinha feito no ontem, historiando-se pela primeira vez, pensou que, para o futuro, seria melhor que o homem tivesse uma auxiliar que lhe correspondesse.
É aí que, provavelmente no primeiro flashback da literatura universal, o narrador volta no tempo para dizer como tinham sido feitos os animais e conduzidos ao homem para serem nomeados; mas, como em nenhuma dessas feras encontrou a tal da auxiliar que lhe correspondesse, isto é, aquela com quem, de forma conjunta, pudesse responder às emergências da vida, o Criador fez cair um torpor sobre o homem, que dormiu e, ao sonhar, forneceu um modelo a partir do qual sua companheira foi feita.
Depois de pronta, o Grande Arquiteto, vendo-a pelos olhos de Adão, por certo sorriu, com aquele ar de satisfação, e lá com seus botões pensou: – Este, sem sua história, nunca terá futuro!
Cerca de mil anos depois desse primeiro livro do Pentateuco, o evangelista João, com os recursos críticos de sua época, tendo percebido a criação do mundo como efeito de discurso, como efeito do Fiat, e convencido de ter feito uma descoberta importante, já não teve dúvidas em afirmar que no princípio era o verbo. Foi seu modo de pôr um pouco mais de ordem na narrativa.
Todo o trabalho da cultura, no final das contas, é uma tentativa de colocar ordem no caos cotidiano. Cada vez que um historiador reescreve a história, ele o faz a partir de dados encontrados no seu próprio tempo, na sua contemporaneidade. Quando não há dados disponíveis para saber da história, inventam-se mitos.
Assim que, quando Hesíodo, por exemplo, nos diz que no começo do mundo havia o Caos, precisamos fazer um esforço para lembrar que ele não é um repórter, que ele não é uma testemunha ocular da história: ele não estava lá. Aliás, no decantado começo, não estava ninguém que pudesse vir mussitar esse segredo.
Conheçamos um pouco de Hesíodo. É um poeta que faz poiesis, que cria a partir do que lhe inspiram as Musas helicônias, quer dizer, cria a partir do que está no seu cotidiano.
Vale dizer que no cotidiano de Hesíodo estava o Caos – e também as Musas; necessariamente, tinham que estar porque, se não, como poderia Hesíodo falar deles? E com tal inspiração? E o que era para ele esse Caos?
Posso pensar em algo parecido com a minha mesa de trabalho, no início de cada novo texto, mas por certo não seria apenas algo tão superficial. O que move um poeta precisa passar por suas entranhas, causando-lhe aquela sensação de vazio, de escuro, a partir do qual se pode inventar todo um mundo.
Sabemos que Hesíodo nasceu na antiga Ascra, na Beócia, bem próximo ao golfo de Corinto. Na época de seu nascimento, seus pais haviam mudado recentemente para aí, vindos de Kainé, na Eólia, do outro lado do mar Egeu e por trás da ilha de Lesbos.
Parecia-lhes que nesse lugar estariam melhor e, na verdade, tudo indica que nele tenham prosperado, pois mais tarde o poeta teve muitas disputas com seu irmão Perses, por causa da divisão das terras e dos bens herdados.
Suponho que essa seja uma maneira de dizer que o caos renova-se a cada dia. Na minha mesa de trabalho, pelo menos, é assim. De modo que Hesíodo nasceu aí, junto ao monte Hélicon – onde diz viverem as Musas inspiradoras.
Já velho, conta-se, foi assassinado. Mesmo tendo sido criado em um ambiente agrícola, ele abandonou a agricultura para dedicar-se à poesia, provavelmente devido às disputas com o irmão, julgando que este teria sido beneficiado na divisão das terras.
De certo modo, é como se ele tivesse aprendido com Caim e Abel que, quando um irmão se dedica a alguma coisa, no caso do irmão de Hesíodo à agricultura, o melhor que o outro tem a fazer é dedicar-se a outra atividade.
Caim, a propósito, também estava ocupado com a organização de seu caos; para garantir seu futuro, queria ser amado por Deus e, para isso, em suas oblações, oferecia em sacrifício uma amostra de sua messe. Mas o cheiro que alcançava as narinas de Zeus era de palha queimada, quer dizer, nada aromático, ainda mais, perto do perfume das oferendas de seu irmão, criador de gado. E comparar o odor da palha carbonizada ao aroma da carne assada? Não dá! Nem sempre é fácil organizar nosso caos.
Para Hesíodo, dedicar-se à poesia, honrando os deuses imortais com sua genealogia e ocupando-se da organização do mundo dos mortais, desde sua origem, limitações e deveres, parece ter sido a sua maneira de encontrar seu próprio caminho, seu próprio domínio, buscando assim colocar ordem nos seus sentimentos fraternos transformados em um caos pelas desavenças. Em todo o caso, longe de casa, não consegue começar um poema sem antes invocar as Mousai de sua infância.
É verdade também que dizer Caos, hoje, já não é o mesmo que no século VIII (ou VII) a.C., época em que Hesíodo viveu; se, para ele, o Caos era apenas uma desordem passível de organização, uma desordem capaz de comportar uma organização, organização esta, quem sabe, já compreendida no próprio Caos, a cultura de nossa época, quando se começa a investigar as leis da desordem, e tendo alcançado a segunda lei da termodinâmica, confirma-nos a previsão aristotélica de que a desordem parece ser o destino de tudo que nasce. Daí a busca da ordem cotidiana ser uma luta que não parece ter fim.
DIEGO PAUTASSO/ Made in China 2025
Os processos nacionais de desenvolvimento são, via de regra, construídos a partir de uma complexa estrutura intergeracional, cujo caminho é repleto de percalços e contradições.
No caso da China, a longa estrada rumo ao desenvolvimento pleno da nação entrelaçou, em suas origens, a confluência de processos de descolonização, de revolução anti-sistêmica e de reconstrução nacional a partir de heranças imperiais milenares.
Assim, o desenvolvimento resulta, pois, da combinação de processos globais com políticas nacionais, pragmaticamente adequadas às oportunidades conjunturais.
Absolutamente todos os países hoje considerados desenvolvidos se utilizaram amplamente de políticas industriais, comerciais e tecnológicas (ICT) para atingirem tais condições.
Em outras palavras, atingem-nas a partir de uma intrincada rede de interações e conhecimento mobilizada em prol da potencialização da economia nacional, com o progressivo aumento de produtividade se vinculando aos mecanismos de agregação de valor, de conhecimento e de inovação que, por sua vez, vinculam-se ao aumento do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH).
O avanço de qualquer projeto nacional consistente tende, em última instância, a se defrontar com os limites impostos pelas estruturas hegemônicas de poder de sua era, formados por mecanismos de dominação que direta e indiretamente respaldam a supremacia de determinados países e a legitimação de certas organizações internacionais.
Daí a importância da plena articulação de uma estratégia de inserção internacional consequente e a afirmação de um projeto nacional de desenvolvimento de longo prazo para a superação do gap produtivo-tecnológico que sustenta tais estruturas de poder.
Por isso, não é possível compreender as questões concernentes ao desenvolvimento das nações quando as dissociando da dialética da forma como se refletem no deslocamento dos centros decisórios globais.
Afinal, são os resultados da contenda entre polos dominantes e ascendentes que acabam por determinar os respectivos graus de autonomia e lugar dos países nas configurações hierárquicas de poder no mundo.
Dito isso, para compreender no que consiste o Made in China 2025, cabe recuperar a trajetória mais ampla da China, emblemática da tensa e contraditória relação entre desenvolvimento e inserção internacional.
A política de Reforma e Abertura, de Deng Xiaoping, visava superar contradições do ciclo de reconstrução nacional iniciado em 1949. O ajuste nas estratégias tanto de desenvolvimento nacional quanto de inserção internacional incluíram movimentações bruscas, como a aproximação político-diplomática entre China e Estados Unidos da América na década de 1970, em plena Guerra Fria, num contexto de recém superação dos sobressaltos da Revolução Cultural.
Atos como esse demonstram, com exatidão, que a política é, na maioria das vezes, mais sinuosa do que pareceres pautados por juízos morais podem fazer crer.
Nesse quadro de aproximação sino-americana, a expansão financeira estadunidense potencializou o progressivo deslocamento do epicentro produtivo global do Atlântico Norte para a Ásia Oriental.
Esse resultou, nas décadas seguintes, num perceptível e vigoroso renascimento do papel protagonista da Ásia a partir da liderança da reemergente civilização chinesa, e da reconstituição do sistema sinocêntrico.
Hoje, enquanto as potências ocidentais endossam a crescente desregulamentação financeira e atrofiam setores fundamentais de suas economias, a China aprofunda a condição de epicentro da produção mundial.
No âmbito das exportações, os valores passaram de 16,8 bilhões de dólares, em 1980, para 82 bilhões em 1990, 370 bilhões em 2000, 1,680 trilhão em 2010 e 1,980 trilhão em 2016.
Entre 2007 e 2017, os superávits comerciais acumulados da China totalizaram quase 3,5 trilhões de dólares.
Na década de 1980 as exportações chinesas praticamente se restringiram ao petróleo e seus derivados, alimentos e outros produtos primários; durante os anos 1990 passaram a ter importante composição de calçados, vestuário, brinquedos e outros bens manufaturados de baixo valor agregado; já na atualidade, predominam os equipamentos eletroeletrônicos, motores, veículos, materiais de construção, dentre outros bens sofisticados.
A atuação das empresas chinesas no âmbito global reflete a amplificação do poder do país oriental na esfera internacional. Tal fato pode ser bem ilustrado pela rápida expansão do número de suas multinacionais entre as grandes corporações do mundo.
Não obstante as dificuldades de mensuração, devido aos dados variáveis de controle acionário e perfil das empresas, é evidente a ascensão ocorrida: dentre aquelas listadas como as 500 maiores empresas do mundo pela revista Fortune, a China detém hoje cerca de 120, quando eram apenas 18 em 2005;
Nesse mesmo período os EUA reduziram o número de suas empresas na lista, passando de 176 empresas, em 2005, para 126 empresas, em 2018. Ressalte-se: não se trata apenas de empresas ligadas a setores tradicionais, vinculados à exploração de minérios, petróleo, alimentos, têxteis, por exemplo, mas muitas empresas de tecnologias de ponta, incluindo setores de informática, comunicação, energia limpa, entre outros.
O país, que nos anos 1990 se notabilizou por exportar produtos de “1,99”, tornou-se um polo protagonista de inovação produtiva e tecnológica.
Durante a política de Reforma de Abertura, do final da década de 1970, a ênfase chinesa recaiu sobre o desenvolvimento da capacidade produtiva nacional, com atração de investimentos estrangeiros voltados para a internalização de capital e de tecnologias; a partir dos anos 1990, a China já ensaiava a projeção de seus investimentos para o exterior, priorizando os países periféricos como destino; desde 2005, entretanto, a China tem expandido ainda mais seus investimentos no exterior, ensejando uma evidente transformação qualitativa da expansão dos seus negócios internacionais.
Alinhada a essa dinâmica, foi elaborada, em 1999, a estratégia Going Global, justamente no contexto de ingresso do país na Organização Mundial do Comércio (OMC), em 2001, voltada para a ampliação da segurança em recursos naturais, alimentares e energéticos, via controle das cadeias de valor desses setores em outros países.
Atualmente, a China desenvolve a Going Global 2.0 com o objetivo central de promover demanda à economia nacional, alavancando-a por meio da Nova Rota da Seda.
Diante do exposto, pode-se compreender e abordar os principais aspectos do Made in China 2025, que sinaliza o aprofundamento da sinergia entre desenvolvimento nacional e potencialização da inserção global da China.
É um caso exemplar da capacidade estatal de promover políticas de ICT em favor da indústria nascente. Ou seja, o governo chinês tem impulsionado a interação entre Estado e setor privado e financiado a fusão de setores, conformando oligopólios (“campeões nacionais”) com vistas a aprofundar a produtividade e a socialização do investimento.
O planejamento estatal inclui financiamento barato oferecido por bancos públicos nacionais, produção de insumos básicos com preços baixíssimos e estímulo da demanda por meio de compras governamentais.
Como já abordado, políticas de ICT têm sido historicamente cruciais para possibilitar processos de desenvolvimento das nações.
No entanto, num segundo momento, após a consolidação destes processos, costumam combinar a manutenção de seus principais sustentáculos com uma retórica de defesa de políticas liberais no âmbito global multilateral.
Assim, é “chutada a escada” para evitar a ascensão de competidores que queiram trilhar o mesmo caminho, e o país desenvolvido passa a alimentar ações e empreendimentos voltados à garantia da monopolização de seus domínios (patentes) e a inibição destas mesmas políticas públicas, que lhes deram origem, em terceiros países.
Trata-se, portanto, de uma estratégia ciclicamente adotada por potências mundiais em prol da reafirmação de suas vantagens e, por extensão, das assimetrias globais expressas na divisão internacional dos processos produtivos – ou seja, na estrutura que rege o lugar que cada país ocupa nas cadeias de valor e riqueza.
Com efeito, o caminho ao desenvolvimento combina, portanto, a execução de um projeto nacional com a paralela construção da capacidade política para romper estruturas internacionais hegemônicas, voltadas para a cristalização das configurações globais de riqueza e poder.
No caso da China, entrelaçam-se as políticas de reafirmação da soberania, integridade territorial e reconstrução nacional da Era Mao com as reformas modernizantes desencadeadas pela Era Deng.
No caso atual, falamos das múltiplas políticas públicas governamentais voltadas para a promoção da complexidade econômica chinesa, englobando a abertura comercial gradual, com complexo sistema de tarifas, barreiras não-tarifárias e licenças; a atração de investimentos condicionados às transferências tecnológicas e joint ventures, o encadeamento dos distintos segmentos da indústria nacional; os fortes estímulos à engenharia reversa e a aplicação branda das leis de proteção intelectual; a criação de clusters nacionais por meio de requisitos de conteúdo local; além de uma política econômica capaz de combinar câmbio desvalorizado, juros baixos, controle de capitais, dentre outros mecanismos.
Nesse quadro de acirramento da competição interestatal e corporativa, a China mira o que se convencionou chamar indústria 4.0 – conceito criado em 2011, na feira de Hannover, na Alemanha, para se referir à produção de manufatura avançada.
São inovações tecnológicas ligadas à inteligência artificial, robótica, internet das coisas, Big Data, veículos autônomos, impressão em 3D, nanotecnologia, biotecnologia, armazenamento de energia, novos materiais (grafeno) e computação quântica.
A política Made in China 2025 (MIC 2025), inspirada no plano “Indústria 4.0” da Alemanha (adotado em 2013), foi aprovada pelo Conselho de Estado da China em 2015, voltada ao desenvolvimento da manufatura inteligente.
Trata-se de um aprofundamento de outro estudo, de 2010, intitulado China’s drive for ‘indigenous innovation’, cujo objetivo era valer-se do poderoso regime regulatório chinês para forçar a diminuição da dependência de tecnologia estrangeira, por meio da promoção de inovações nacionais.
O MIC 2025 se propõe a impulsionar a liderança da China nas redes globais de produção e inovação, conferindo eficiência e qualidade aos produtos nacionais.
O plano foi elaborado pelo Ministério da Indústria e Tecnologia da Informação (MIIT), com a contribuição de 150 especialistas da Academia de Engenharia da China.
Este documento governamental destaca 10 setores prioritários de atuação: 1) nova tecnologia de informação avançada; 2) máquinas e ferramentas automatizadas e robótica; 3) equipamentos aeroespaciais e aeronáuticos; 4) equipamento marítimo e transporte de alta tecnologia; 5) equipamento moderno de transporte ferroviário; 6) veículos e equipamentos de nova energia; 7) equipamentos de energia; 8) equipamentos agrícolas; 9) novos materiais; e 10) biofármacos e produtos médicos avançados.
Para tanto, o governo chinês não está focado apenas na inovação, mas em toda a cadeia de produção e serviços modernos.
O objetivo central é aumentar o conteúdo de componentes e materiais nacionais primeiramente para 40%, até 2020, e posteriormente para 70%, até 2025. A estratégia do governo chinês inclui políticas cujos objetivos são acelerar os esforços de transferência de tecnologias e de requisitos de licenciamento e aquisição de empresas estrangeiras estratégicas, bem como de diversas atividades de engenharia reversa.
É interessante observar as metas na indústria automotiva, setor em que se entrelaçam tecnologias da informação, veículos autônomos, novas formas de energia, dentre outros.
O Made in China 2025 é, definitivamente, um ambicioso plano para afirmar a liderança industrial e tecnológica da China, em compasso com um robusto processo de substituição de importações.
Entre 2016 e 2020, o MIIT e o Banco de Desenvolvimento da China executaram programas de financiamento – incluindo empréstimos, títulos e leasing – para os grandes projetos, com um financiamento estimado em mais de 45 bilhões de dólares.
Trata-se de uma escalada produtiva que tende a recrudescer a competição interestatal e interempresarial internacional, típicas dos contextos de reorganização do poder mundial.
E é por isso que nem a ‘guerra comercial’ desencadeada pelos Estados Unidos contra a China em 2018, nem a detenção de Meng Wanzhou, diretora financeira da gigante de telecomunicações chinesa Huawei, resumem-se a litígios deslocados desse quadro geopolítico mais amplo.
Consequentemente, não restam dúvidas quanto a veracidade de que o desenvolvimento nacional e a projeção global de um país se entrelaçam e se fortalecem mutuamente – e a trajetória da China é emblemática dessa sinergia.
O projeto Made in China 2025 é causa e consequência desse processo, cujas origens remontam à reconstrução nacional iniciada em 1949, dinamizada e potencializada após as reformas empreendidas nos anos 1970.
Se é fato que a 3ª Revolução Industrial e a assim chamada “indústria 4.0” trarão mudanças estruturais na produção e no trabalho, estas não se dissociam do desenvolvimento e poder das nações e, com efeito, de suas políticas públicas voltadas à produção de riqueza (complexa e tangível). Consequentemente, o maior poder geoeconômico da China torna imperativa uma maior assertividade geopolítica, tensionando as estruturas hegemônicas de poder lideradas pelos Estados Unidos.
É, sem sombra de dúvidas, dessa resultante que surgirão as novas configurações de poder internacionais, a serem estruturadas a partir de rupturas com maior ou menor escala de violência, a depender dos rumos que suas dinâmicas assumirem.
Diego Pautasso*
*É doutor e mestre em Ciência Política e graduado em Geografia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Atualmente é professor de Geografia do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA) e professor convidado da Especialização em Relações Internacionais – Geopolítica e Defesa, da UFRGS. Autor do livro China e Rússia no Pós-Guerra Fria, ed. Juruá, 2011. E-mail: dgpautasso@gmail.com
MIRIAM GUSMÃO / O Santo Ofício esquerdista nas redes sociais
O que querem nas redes sociais os esquerdistas que se ocupam da condenação e execração pública de pessoas arrependidas de terem votado em Jair Bolsonaro? Que serviço estão prestando, a que causa servem, esses diligentes integrantes de uma espécie de tribunal da inquisição? À beira de novas eleições, em lugar de oferecerem alguma contribuição minimamente eficiente para tentarmos reverter o desastre dos desmandos da extrema-direita no país e do desmonte das políticas públicas empreendido pelo neoliberalismo tardio tupiniquim, esse contingente de ativistas da Web prefere ações deletérias contra indivíduos.
Sem o mesmo porte do aparato das Fake News utilizado pelos bolsonaristas para enxovalhar biografias nas últimas eleições, a investida desse arremedo de Santo Ofício contra os denominados “arrependidos” é análoga. Ainda que, às vezes, menos agressiva, é uma ação da mesma natureza, do ponto de vista ético e moral.
No que concerne à prática política, observa-se ausência de inteligência em ações de intolerância que só alimentam a aversão fomentada pelos conservadores contra as esquerdas. E, estranhamente, ao invés de computarem como positiva a debandada de apoiadores da candidatura Bolsonaro, e de atuarem no sentido de ampliar essa debandada, os ativistas da inquisição perdem precioso tempo tentando desacreditar os arrependidos.
O afã com que se dedicam a apontar culpados aleatórios pela ascensão da extrema-direita ao poder, e a sentenciar que os arrependidos não terão perdão, substitui a necessária análise mais aprofundada do revés histórico e situa como meras vítimas muitos protagonistas da derrota. Trata-se de um conhecido procedimento de transferência de culpa de quem não consegue assumir responsabilidades. O lamentável é que a análise rasa do cenário político e dos papéis dos diferentes agentes não habilita a correção de rumo e não oferece perspectivas de superação.
É um entretenimento tão fácil quanto gratuito ficar se deleitando a tripudiar famosos que se arrependem do voto, seja através dos usuais memes, seja com textos debochados ou arrogantes (mesmo com frequentes erros de Português que desautorizam a empáfia!). Difícil é se debruçar no exame de fatores anteriores ao momento do voto, como, por exemplo, a desastrosa tática eleitoral de flertar com o fascismo, buscando polarização com Bolsonaro nos momentos iniciais da disputa, quando ele era ainda um candidato inexpressivo. A hipótese de que ele seria um candidato mais fácil de derrotar no segundo turno não mediu o risco irresponsável.
Duas características notórias das ações do tribunal esquerdista da inquisição, e que as tornam muito próximas das ações bolsonaristas, são o preconceito e a despreocupação com a verdade. Em palavras ligeiras, tentam reduzir a pó toda uma vida e o trabalho, muitas vezes vasto, de uma pessoa. Um exemplo disso foi o que disseram, nos últimos dias, sobre a escritora Lya Luft. No entanto, apenas tentam desmerecer, pois a grosseria e a inconsistência das agressões – boa parte delas demonstrando que esses detratores nem leram os livros que se atrevem a desqualificar – depõem muito mais contra quem fez a crítica do que contra quem foi alvo dela.
Romancista traduzida em diversos países, poeta e ensaísta, Lya Luft é também tradutora de obras em Inglês e Alemão, incluindo livros de autores complexos como Virgínia Wolf, Doris Lessing e Rainer Maria Rilke. Seus livros são constantes objetos de estudo no meio acadêmico, havendo teses sobre eles em universidades federais e outros estabelecimentos de ensino superior de todo o país, dentre os quais a UFMG, a UFSC e a FURG.
Vários recortes de suas obras possibilitaram estudos sobre a condição humana, a temporalidade e a memória, a situação da mulher, as opressões domésticas nas famílias tradicionais, as situações limites da vida, as perdas e a solidão, a condição de famílias imigrantes, as técnicas narrativas e muitas outras temáticas. Um de seus livros inovadores em termos formais é O ponto cego, pelo que experimenta quanto ao foco narrativo e por ter como narrador uma criança.
Todo esse trabalho foi reduzido a supostos “livros de autoajuda” numa das postagens de um desses ativistas do Santo Ofício (que, aliás, escreveu autoajuda com hífen. É preciso destacar o erro para constranger a soberba). Outros comentários, desconhecendo o grande público heterogêneo da autora, suas enormes filas de autógrafos e a superlotação das salas de suas conferências para jovens e adultos, trataram a escritora como uma mera senhora que agrada “tiazinhas” (frases que denotam vários preconceitos). Ainda outros comentários reiteraram aqueles simplórios jargões das parcelas desavisadas da esquerda, depreciando a autora por ser “da elite branca”, por ser “de direita”. Com essas simplificações, jamais conhecerão um pouco da rica diversidade, da pluralidade de autores e obras da literatura nacional e universal. E com essas posturas demonstram falta de habilidade, de sensibilidade, para angariar adeptos na militância política.
ALDO REBELO/Padre Vieira na mira dos iconoclastas
Aldo Rebelo*
O filósofo Hegel (1770-1831), em sua obra Filosofia da História, censurava nos historiadores de seu tempo a apreciação que faziam do imperador Alexandre O Grande. Hegel, admirador de Alexandre, dizia: “Não seria justo para essa figura maior da história mundial se Alexandre fosse avaliado pelos princípios modernos, por exemplo, os da virtude ou da moralidade subjetiva, como fazem os mais recentes historiadores menos preparados.”
O filósofo alemão enaltecia em Alexandre o seu favorecimento às ciências e às artes, para ele tão importantes quanto as conquistas.
A verdade, porém, é que além de fundar cidades e levar os feitos da civilização helênica para o Oriente, Alexandre também cometeu violências e crimes que se julgados à luz dos padrões identitários de hoje justificariam a remoção de seus bustos e de sua memória logo após suas conquistas, de tal forma que atualmente pouco restaria e pouco conheceríamos de sua presença na história.
Alexandre, ao ocupar a cidade de Tiro, localizada hoje às margens do Mediterrâneo no Líbano, mandou executar todos os seus habitantes jovens e adultos e ordenou a venda das crianças e mulheres como escravas. E assim o grande general procedeu em vários episódios de suas conquistas.
Após a revolução socialista de outubro na Rússia, militantes radicais tentaram destruir relíquias do Museu Hermitage na cidade de São Petersburgo, a pretexto de que seriam símbolos do Czarismo.
Lênin, o chefe da Revolução, protegeu as antiguidades com o argumento de que seriam representações da cultura e dos artistas e artesãos russos. Provavelmente, pelo critério das seitas identitárias contemporâneas, as obras deveriam desaparecer para que com elas cessasse o passado mórbido do regime dos czares.
O que ocorre é que formas de produção que se sucedem, ao construir seus novos sistemas de poder, procuram apagar a memória imediatamente anterior, por vingança, narcisismo ou insegurança. O capitalismo contra o feudalismo, o socialismo contra o capitalismo, de tal sorte que não restaria passado comprometedor.
Mesmo a Revolução Francesa, o rebento político mais celebrado do Iluminismo, nasceu banhada em sangue e na esteira da destruição. Ocupa lugar destacado na crônica da sordidez a obra do chefe de polícia de Napoleão Bonaparte, o sinistro Joseph Fouché, na execução de inocentes, na destruição de igrejas e símbolos religiosos. Fouché bem caberia no figurino de patrono da horda identitária da atualidade.
O odioso assassínio de George Floyd por um policial branco nos Estados Unidos desencadeou o justo protesto em todo o mundo, expondo as entranhas da sociedade racista e segregacionista construída à sombra da prosperidade material da América.
O paradoxo é que a onda contra a intolerância racial nos Estados Unidos produziu uma outra onda de similar intolerância em relação à história, à memória e ao passado. Nos próprios Estados Unidos, a estátua de Thomas Jefferson (1743-1826) foi sacudida de seu pedestal e atirada ao solo na cidade de Portland. Jefferson é considerado o principal redator da Declaração da Independência, o mais influente dos pais fundadores da Nação e foi o terceiro presidente dos Estados Unidos. Mas Jefferson era proprietário de escravos em uma sociedade escravocrata, o que à luz do identitarismo é o suficiente para bani-lo das praças do país que ele ajudou a libertar do colonialismo e a guiar para a ciência e a cultura.
Em Londres, o Poder Público foi obrigado a proteger uma estátua de Winston Churchill, líder, junto com Roosevelt e Stálin, da resistência ao nazismo e um dos responsáveis pela derrota de Hitler. Mas Churchill foi chefe de um império colonial decadente, o que ao juízo identitário é o suficiente para varrê-lo das praças de Londres, cidade que ele salvou da tirania nazista.
Na mesma Londres, identitários de “direita” já haviam vandalizado o busto do filósofo alemão Karl Marx, localizado em seu túmulo no cemitério Highgate. Em Londres, Marx viveu boa parte de sua vida e escreveu sua monumental obra filosófica e econômica.
Mas foi em Lisboa que a seita identitária, pretensamente “progressista” revelou sua face mais reacionária e intolerante, ao vandalizar uma estátua do Padre Antônio Vieira, defensor dos índios, dos pobres, dos judeus, do Brasil e de Portugal, as duas pátrias que adotou por toda a vida.
Denominado pelo poeta Fernando Pessoa imperador da Língua Portuguesa, tido por muitos como homem mais culto de seu tempo, autor de sermões consagrados pela literatura portuguesa, pregador convidado pelo Papa para a convertida ao catolicismo rainha Cristina da Suécia, prisioneiro da Inquisição, acusado de ligações com o judaísmo, expulso do Maranhão por defender os índios contra a escravidão, Vieira teve sua estátua atacada por militantes identitários em Lisboa.
Segundo os agressores, Vieira justificou a escravidão africana, o que tornaria justa a remoção de sua memória da Lisboa na qual pregou sermões imortais, e do Portugal que ele defendeu contra os inimigos de Castela e de Holanda.
Ao ensejo dos 400 anos do pregador, celebrados em 2008, a Universidade de Lisboa e a Santa Casa de Misericórdia de Portugal organizaram um consórcio para a publicação em 30 volumes das Obras Completas de sua autoria. Do empreendimento participaram dezenas de instituições portuguesas e brasileiras, entre elas as mais importantes universidades do País. Atentar, portanto, contra a memória de Vieira é afrontar também a memória do Brasil.
No Brasil, a estátua de outro pregador, o Santo José de Anchieta foi alvo da fúria identitária no Espírito Santo. Anchieta celebrou a missa considerada o marco fundador da cidade de São Paulo em 1554. Destacou-se e é reconhecido por sua obra de evangelização e de proteção dos índios contra a escravidão. Ajudou a convencer o chefe indígena Araribóia a se aliar aos portugueses para expulsar os franceses do Rio de Janeiro. Seu nome batiza o Palácio do Governo e uma cidade no Espírito Santo e se chama Palácio Anchieta a sede da Câmara Municipal de São Paulo.
O identitarismo é uma corrente originária nos Estados Unidos e que colonizou com ideias e dinheiro parte importante do movimento progressista no Brasil e no mundo. Foi denunciado pelo professor norte-americano Mark Lilla, da Universidade Columbia, como cúmplice pela ascensão da direita na América, ao dividir o povo.
Uma marca da ideologia identitária colonizada é a seletividade de suas campanhas e denúncias. O silêncio quando o motor do protesto não nasce nos Estados Unidos. Não se protestou, por exemplo, contra o massacre de 800 mil integrantes da minoria Tutsi, pelos Hutus em Ruanda, na África, na década de 1990. Centenas de milhares de crianças iraquianas pereceram vítimas do bloqueio norte-americano logo após a primeira Guerra do Golfo (1990-1991), sem que o identitarismo erguesse sua voz indignada, reproduzindo apenas o que o centro de difusão determina e orienta.
O identitarismo precisa ser contido e derrotado no Brasil como uma corrente reacionária que divide o povo, fratura a luta em defesa do interesse nacional e dos objetivos coletivos que desafiam o futuro de retomada do desenvolvimento, redução das desigualdades e construção da democracia. A luta contra o racismo e em defesa dos direitos sagrados das minorias só avançará quando integrada a uma plataforma mobilizadora dos mais amplos interesses coletivos e da nacionalidade.
O identitarismo importa modelo de sociedade estranho à formação social brasileira, miscigenada na sua origem, na sua cultura, na sua religiosidade marcada pelo sincretismo das Iemanjá e dos São Jorge, dos terreiros das mães de santo e dos pais de santo, tão distinto da religiosidade absorvida diretamente de pastores brancos pela população negra dos Estados Unidos.
*Aldo Rebelo é jornalista, foi presidente da Câmara dos Deputados; ministro da Coordenação Política e Relações Institucionais; do Esporte; da Ciência e Tecnologia e Inovação e da Defesa nos governos Lula e Dilma.
MIRIAM GUSMÃO / Weintraub e a ignorância como arma política
JORGE BARCELLOS/Reflexões sobre pandemia e política no Brasil
O recente artigo de Larry Diamont, publicado pela Foreigh Affairs (disponível em http://fam.ag/3ddmozz) no último dia 13 de junho, merece atenção dos brasileiros.
O autor é membro sênior da Hoover Institution e do Freeman Spogli Institute for International Studies da Stanford University e autor de “Ventos ruins: salvando a democracia da raiva russa” e “Ambição Chinesa e Complacência Americana”. Nascido em dois de outubro de 1951, o sociólogo político americano é um dos principais estudiosos contemporâneos do campo dos estudos sobre democracia. Ainda que seja um pesquisador de um think tank de políticas conservadoras, suas ideias sobre politica e democracia merecem atenção.
Diamont está preocupado com as relações entre a pandemia e o surgimento de novos autoritarismos. Ele lembra que no final de março, o líder filipino Rodrigo Duterte lançou uma lei que lhe concedeu amplos poderes de emergência para combater o novo coronavírus, como realocar o orçamento nacional como julgasse conveniente e dirigir pessoalmente hospitais. Diamont lembra com atenção que ele berrou “Não desafie o governo, você vai perder” em um discurso ameaçador na televisão.
Na mesma linha, logo em seguida, o primeiro-ministro húngaro, Viktor Orban, aprovou uma legislação de emergência ainda mais abrangente que lhe permitia suspender leis existentes, decretar novas e prender indivíduos considerados delituosos por promover “falsidades” sobre a pandemia ou “obstrução”. Diz Diamont: “as tomadas de poder devido à pandemia de COVID-19 de Duterte e Orban eram especialmente descaradas, mas estavam longe de serem as únicas tentativas de líderes ou partidos autoritários de usar a atual crise da saúde como uma desculpa para reduzir as liberdades civis ou minar o estado de direito”.
Esse ponto é fundamental no pensamento do autor. A constatação de que a pandemia é um risco para a democracia não é exclusiva de Diamont, já que, outros autores de esquerda, como Slavoj Zizek e Giorgio Agamben já apontaram essa característica emergente na politica. A novidade é o ponto ser defendido inclusive por sociólogos conservadores como Diamont, numa das mais prestigiosas – e também considerada conservadora – revista de política internacional.
A análise de Diamont é interessante por fazer dividir o mapa dos regimes pós-pandemia em regimes autoritários como os de Bangladesh, Bielorrússia, Camboja, China, Egito, El Salvador, Síria, Tailândia, Turquia, Uganda, Venezuela e Vietnã que chegaram a prender críticos, trabalhadores da saúde, jornalistas e membros da oposição durante a pandemia e os regimes democráticos sob ataque, sob ataque, como Brasil, Índia e Polônia, onde líderes populistas ou partidos no poder de direita aproveitam a crise para aumentar seu poder ou enfraquecer a oposição. Diz Diamond “levará algum tempo, provavelmente anos, até que todo o impacto da pandemia na democracia em todo o mundo possa ser julgado. A extensão do dano dependerá de quanto tempo dura a crise da saúde e de quanto prejudica as economias e as sociedades. Também dependerá de como as democracias se saem, em comparação com as autocracias, para conter os efeitos econômicos e a saúde do vírus, de quem ganha a corrida para uma vacina e, de maneira mais ampla, de quem – China, Estados Unidos ou países democráticos coletivamente – é visto como o fornecedor mais generoso e eficaz de bens públicos globais para combater a pandemia”.
Ao localizar o Brasil entre as democracias que estão sob ataque, Diamond nos fornece uma pista importante para avaliar o governo Jair Bolsonaro. Democracia sob ataque de quem? Aqui pelo menos, a resposta óbvia é: do próprio presidente, que insatisfeito com o diagnóstico dos especialistas da necessidade de isolamento, luta para que a atividade econômica retorne a normalidade “CNPJs podem morrer”, afirma. Isso também significa que o julgamento de seu governo não é feito apenas pela oposição, mas também repercute internacionalmente e depende de quanto tempo durará a pandemia no Brasil. Segundo especialistas, com o andamento das atuais políticas, estamos na subida da onda e novos repiques poderão ocorrer como ocorreu no Rio Grande do Sul, onde na primeira quinzena do mês de junho, os casos aumentaram e o governador Eduardo Leite e o prefeito de Porto Alegre Nelson Marchezan Jr teve de adotar medidas restritivas. Para as outras referências apontadas por Diamont, o Brasil não faz competição: está longe de descobrir por si próprio uma vacina, apesar da contribuição inestimável de seus centros de pesquisa, mas não pode ser desprezado porque contribui para uma, oferecendo sua população como cobaia de testes: quem descobrir a vacina terá tido ajuda do Brasil. Por outro lado, ao contrário das grandes potências, não é fornecedor, mas consumidor de insumos para o combate a pandemia, exceto se, adaptar a sua indústria farmacêutica para a produção de grandes quantidades de vacina quando adquirir os direitos.
Diamond acerta quando aponta que o critério para avaliar o caráter democrático dos países na pandemia depende da capacidade das instituições em circunscreverem os enormes aumentos de poder governamental. Essa tensão existe no Brasil, com as prerrogativas que vem, ainda que lentamente, na opinião dos críticos, com a assunção de prerrogativas do Supremo Tribunal Federal, seja no encaminhamento de resoluções que garantem autonomia de governos estaduais e municipais no controle da pandemia ou questões envolvendo inquérito sobre as Fake News, que avançam em atores ligados ao presidente. Essa atuação também envolve a capacidade do Congresso Nacional em resistir às iniciativas do Prefeito, como o fez recentemente com a recusa do projeto que autorizava maior interferência do ministro da Educação na eleição de reitores de universidades brasileiras, que foi simplesmente devolvido a presidência pelo Senado. As instituições não são perfeitas, mas no seu limite, tem dado demonstrações de resistência no Brasil, e isso introduz um exemplo não citado por Diamont.
Diamont defende que há poucas razões para se tranquilizar sobre as perspectivas globais para a democracia e muitas razões para se preocupar “A pandemia nos atingiu durante o período mais difícil da democracia desde o final da Guerra Fria, e os regimes autoritários e pretensos autoritários não perderam tempo em explorá-la para ampliar e fortalecer seu poder. Pode haver mais perigo no horizonte, à medida que os governos democráticos pesam os dilemas do uso de novas tecnologias de vigilância para combater o vírus e a realização de eleições regulares em meio a uma pandemia”. O argumento de Diamont é importante para checagem da perspectiva brasileira. Em nosso caso, o período histórico de referência é o regime autoritário, onde de 1964 a 1977 o pais viveu seu pior regime de governo, com centralização do poder e autoritarismo. Pensava-se que não havia perigo após a promulgação da Constituição de 1988, mas a eleição de um governo de direita com Jair Bolsonaro, segundo seus críticos, vem representando uma ameaça à democracia no país. Por exemplo, a recente iniciativa de censura a um cartunista pela publicação de uma charge em que criticava o governo é apontada por críticos como elemento que comprova a intenção autoritária e antidemocrática do atual governo. Por outro lado, ao contrário do que o argumento de Diamont sugere, o caso brasileiro não se revela autoritário pela adoção de novas tecnologias de controle.
Minha tese é que no Brasil, houve uma dissidência na defesa da tecnologia: enquanto Diamond afirma que a tecnologia é adotada por governos que querem combater a pandemia, o caso do governo brasileiro é o contrário, ele não quer combater na verdade, já que adota medicação de referência, a cloroquina, já rejeitada por órgãos internacionais e luta contra o isolamento e a forma de divulgação de dados. Enquanto que para o governo federal, tecnologia e informação são o que menos importa, a dissidência se dá em relação a estados e municípios, que tem o interesse real de combater a pandemia e precisam da tecnologia, logo da informação para isso ao menos para o controle da taxa de circulação para efeitos de tomada de decisão quanto a medidas sanitárias.
Estamos numa espiral descendente da democracia? Isso depende do sucesso do presidente em sua politica. Se houver resistência das instituições, tenderemos a ficar numa linha reta onde a cada ação corresponderá uma reação. O problema maior que vejo é o cansaço das instituições, da sociedade, porque as iniciativas contra democráticas são diárias e a reação é dificultada pelo contexto da pandemia que impede a população ir as ruas para se manifestar.
As próprias instituições, com suas modalidades de trabalho on-line, sessões on-line, ainda reagem de forma lenta às iniciativas do presidente. Se a democracia decrescer, poderá ser revertida, como diz Diamont, “mas exigirá sociedades civis mobilizadas, gestão democrática eficaz da crise da saúde e uma renovação da liderança”. Isso, em termos nacionais, significa que projetos sociais democráticos emplaquem nas próximas eleições, mas isso depende também do avanço da direita em nosso pais. Ela se revelou presente nos 30% da população que apoiam de forma incondicional o presidente. A pergunta é: entramos na pandemia com esse percentual, mas é garantido que ele se mantenha até o final da pandemia?
Diamont lembra que a democracia não vacilou com a pandemia, ela vinha declinando nos últimos 14 anos segundo os estudos da Freedom House, uma erosão de direitos políticos e liberdades civis responsáveis pela reversão do padrão dos 15 anos anteriores da Guerra Fria “Enquanto golpes militares e executivos autoritários se tornaram mais raros, mais e mais líderes eleitos gradualmente evisceraram as democracias de dentro. Os políticos que inicialmente chegaram ao poder por meio de eleições democráticas – como Orban, na Hungria, Hugo Chávez, na Venezuela, Recep Tayyip Erdogan, na Turquia, e Sheikh Hasina, em Bangladesh – cooptaram tribunais e outras instituições independentes, além de fazerem cerco à imprensa, a oposição política e a sociedade civil; sem falar que procuraram subverter ou impedir as eleições que poderiam removê-los.” Por essa razão, a corrosão da democracia ampliou-se em todo o mundo e ao mesmo tempo e menos países fizeram a transição para a democracia.
Diamont aponta que de 2015 a 2019 mais países fizeram a transição da democracia para a autocracia, termo que o autor usa para definir os regimes onde há um único detentor de poder. Autocracia vem do grego auto (por si próprio) e kratos (poder), o poder por si próprio, isto é, de um poder que está concentrado em um único governante, podendo ser este um líder, um comitê, um partido, uma assembleia, etc. A pergunta é: essa definição se aplica ao governo Jair Bolsonaro? Entendo que ele quer ser autocrático, ter controle absoluto em todos os níveis do Estado, mas ele não consegue pelo funcionamento ainda do sistema de pesos e contrapesos. Várias vezes já manifestou seu desejo pela ditadura militar, brandiu de forma autoritária em reuniões ministeriais, mas a saída autoritária, felizmente, ainda não se efetivou. Ainda que o termo autocracia utilizado pelo autor não tenha funcionalidade para descrever a concentração ou controle do poder estatal, serve para avaliar o seu quanto de legitimidade democrática. O governo de Jair Bolsonaro não é autocrático ainda, mas com certeza, alimenta um desejo explicito por sê-lo. Entretanto, não podemos negar a importância do levantamento de Diamond, já que aponta que a população de países democráticos caiu justamente neste ano, 2020, a primeira vez que chega a menos de 50% desde o final da Guerra Fria, e que entre elas, está a decadência de democracias que se pensava consolidada como a Índia, Israel e Polônia. Estaria o Brasil nesta linha e os efeitos do governo Jair Bolsonaro se manifestarão em breve? Difícil dizer. Ou estaríamos, como aponta Diamond, alinhados ao caso de degradação mais sutil e pouco notados da democracia como é o caso da Coréia do Sul? Diamond lembra o constante declínio na qualidade da democracia nos Estados Unidos, cujo Presidente Trump oscila entre apoiar formalmente Jair Bolsonaro como aliado, como o fez no inicio do mandato, ou desprezar totalmente, como fez com a pirataria que realizou em cargas destinadas ao Brasil para o combate a pandemia.
A ideia é Diamond inspira é que o COVID-19 chegou ao pais quando os brasileiros críticos começaram a constatar a ameaça à democracia representada pelo governo Jair Bolsonaro. Se a crise da pandemia irá fazer com que o presidente siga o caminho de Erdogan e Orban, consolidando poderes autoritários é difícil dizer, pois dependem do sucesso de suas campanhas contra seus críticos, mídia e oposição, no caso último, o PT e o PSOL. Vivemos um tempo de tendência democrática negativa? Depende do sucesso das práticas repressivas, o que parece, ainda não se consolidou. Mas a pandemia ainda não acabou e o governo muito menos. Mas o que ainda o governo pode fazer? A implantação de sistemas de vigilância, na linha defendida por Diamond, não aconteceu a nível federal, apenas em nível dos estados e municípios e nada leva a crer que seja algo além de diagnosticar o percentual de pessoas nas ruas das cidades seja promovido de forma nacional. A privacidade está ameaçada? Provavelmente não, já que as empresas, ao menos no Rio Grande do Sul, declararam que os aplicativos estão localizando a partir de critérios gerais e dando indicações aos governos. É a mesma ferramenta criticada por Diamond, mas ainda está em termos não ofensivos, por assim dizer ”Os aplicativos geralmente funcionam ao acessar a localização GPS de um telefone e seu alcance de comunicação Bluetooth. Quando alguém que testou positivo para COVID-19 entra em contato com outras pessoas, o software alerta esses contatos e os aconselha a se auto isolarem. Com a devida supervisão democrática e restrições, esses aplicativos podem ser armas poderosas na luta para controlar o vírus. Mas sem esses limites, eles podem ser usados para espionar cidadãos particulares e expandir o controle social”, diz Diamond.
O temor é que aconteça no Brasil o que pode acontecer na Índia, onde muitos temem que o aplicativo de rastreamento possa se tornar uma ferramenta de vigilância em massa em um governo já empenhado em atropelar as liberdades civis. Ainda que os ataques do governo Jair Bolsonaro sejam semelhantes aos de Modi, primeiro-ministro eleito em 2014 na Índia, em termos de liberdade de imprensa, tolerância religiosa, independência judicial e respeito à dissidência, no Brasil a cada ataque houve reações correspondentes: quando o governo atacou um chargista, imediatamente reações no pais foram articuladas, o STF mantém autonomia e cobra atitudes do Presidente, enfim, no Brasil ainda o viés autoritário testa os limites das instituições. Em ambos os países, há o perigo da narrativa que é assumida pelos seguidores extremistas e também tolerada pelo presidente brasileiro e pelo primeiro-ministro indiano. Diz Diamond “Modi usou a crise do COVID-19 para centralizar a autoridade sobre as receitas à custa dos estados e parlamentos da Índia e para retirar o controle dos governos estaduais dos partidos da oposição”. No Brasil isso não aconteceu porque muitos governadores e prefeitos tinham força política para se opuser as diretrizes nacionais, e assim desobedeceram a pressão para liberar a economia em seus estados e recusaram tratamentos propostos como o uso da cloroquina. Isso não significa que o governo seja indiferente à informação. Recentemente nas redes sociais, servidores públicos do ministério da saúde alertaram para um novo manual de ética que cerceia as manifestações de servidores nas redes sociais. Mesmo usando como o argumento de avaliação da progressão, os servidores entendem que revela vigilância sobre a vida privada do servidor, algo inaceitável no contexto democrático. No caso indiano, diz Diamond “uma suspeita razoável persiste e só pode diminuir se a Índia fizer o que todas as democracias devem fazer – nomear um ombudsman independente para garantir que as regras sobre privacidade, coleta de dados, os aplicativos e tecnologias de rastreamento de doenças devem ser fundamentados em leis, deliberadas publicamente, transparentes, limitadas à duração da emergência e restritas aos requisitos específicos de combate ao vírus.”.
Outro ponto apontado por Diamond relaciona-se diretamente com a situação política do Brasil: o coronavirus tornou a realização das eleições municipais um enigma logístico “Muitas democracias têm que decidir o que representa a maior ameaça: realizar eleições dentro do prazo, quando a oposição não pode fazer campanha, os trabalhadores e os monitores podem não aparecer, e um grande número de pessoas não se sente seguro indo às urnas; ou adiar eleições e perpetuar no poder governos impopulares que os eleitores poderiam ter expulsado.” Foi o que aconteceu com o debate sobre as eleições municipais no Brasil, onde se oscilou entre preservar a realização em 2020 ou transferir para 2021, fazendo um governo “biônico”. A solução encontrada foi atrasar ao máximo o calendário eleitoral, que termina no final do ano, e não três meses antes, como de costume. Diamond traz a informação de que de acordo com a IDEA, uma organização intergovernamental internacional que apoia a democracia em todo o mundo, mais de 60 países e territórios adiaram as eleições no nível nacional ou (muito mais frequentemente) subnacional devido à pandemia. Diamond cita a recomendação da fundação Kofi Annan de que qualquer decisão de adiamento de eleições deve ser acordada por governo e oposição e comunicadas ao público, quer dizer, atrasos devem ser fundamentos e leis e proporcionais ao perigo do vírus.
O pais não sabe como estará no final do ano para realizar as eleições. Há estimativas que a pandemia no Brasil continue pelo ano de 2021. O motivo é o repique provocado pelo “abre e fecha” da economia pelos governantes. Mas será possível fazer campanhas políticas organizadas ainda no segundo semestre de 2020? Isso depende do estágio da pandemia, se numa curva ascendente ou descendente. Outra opção é a testagem politica das redes sociais: será suficiente o domínio da internet para obter sucesso nas eleições? O modelo que elegeu Jair Bolsonaro, um presidente que não participou de debates e chegou à presidência pela força das redes de whatsapp se repetirá? É difícil dizer, já que a sociedade está mais consciente quanto as Fake News e parte da base de sustentação das redes de whatsapp da direita foi derrubada. Um exemplo das possibilidades de reação vem do fato de que partidos de oposição venceram as eleições municipais de Praga em 2018 e em Budapeste em 2019. Diz Diamond: “Mesmo na ausência de uma perturbação eleitoral nacional, campanhas municipais semelhantes que envolvem questões práticas e transcendem divisões políticas podem limitar a capacidade dos autocratas de consolidar o poder após a pandemia. A opinião pública também pode ajudar a defender os limites desgastados da democracia”. Mesmo países de grande viés autoritário, como Filipinas, sofreram derrotas, diz Diamont, onde foi enviado ao Congresso projeto para autorizar o presidente a assumir temporariamente o controle de qualquer empresa pública ou privada. A resistência do Congresso e do público forçou uma linguagem muito mais restrita.
Diamond, como bom americanista, afirma que a recuperação democrática global depende da ação dos… Estados Unidos!. Entendo que a hipótese do autor, que coloca a perspectiva em torno do comportamento dos EUA e China é uma reminiscência da bipolarização da Guerra Fria. Após a perda de hegemonia da URSS, quem veio para ficar em seu lugar? A elevação da China a parceiro mundial dos EUA não é exclusiva de Diamont, já que Branko Milanovic, em Capitalismo sem rivais, o futuro do sistema que domina o mundo (Todavia, 2020) também parte dessa mesma tese. Para Diamond, a China está usando deliberadamente a pandemia para destruir a governança democrática e mostrar sua capacidade de lidar com emergências públicas “Ironicamente, a “outra” sociedade chinesa – Taiwan – expôs de maneira vívida a mentira de que uma governança competente em uma pandemia exige a extinção da liberdade”. Há diversos países como Austrália, Alemanha, Israel, Japão, Nova Zelândia e Coréia do Sul que tiveram bom desempenho em conter o vírus “Os governos bem-sucedidos responderam cedo e atentamente, com testes e rastreamento de contatos generalizados, e eles se comunicaram com seus públicos de maneira transparente e coordenada, colocando os profissionais de saúde em primeiro plano.”
Diamond critica os EUA justamente nesse ponto, capacidade de reação, que foi decepcionante nos Estados Unidos. E o pior, como o presidente Jair Bolsonaro é devoto seguidor do presidente americano, a tragédia é que estamos logo atrás em número de mortes. Ambos compartilharam as mesmas atitudes “desrespeitou rotineiramente imperativos elementares como usar máscaras, respeitar a ciência, confiar na liderança da saúde pública e não promover curas de vodu. O dano tem sido incalculável – não apenas na vida americana, mas também na estima global pela democracia americana e, portanto, pela própria democracia.” Não é a descrição exata do que aconteceu no Brasil?
Na verdade é o contrário do que prevê Diamond. A recuperação democrática global depende em grande parte da recuperação democrática nos diversos países que estão com a democracia sob ameaça. Não são os EUA que devem manter a casa em ordem, o que os EUA faz, o que o autor não menciona é que a lição de casa americana – o aumento dos suprimentos de ventiladores e equipamentos de proteção – é feita a custa de…pirataria de governo!. Não é de um pais sem uma liderança nacional de visão estratégica, que os EUA não têm como reconhece Diamond, de que depende o retorno da democracia global. Ela depende da reação das instituições afetadas por líderes autoritários nos demais países “O governo dos EUA deve não apenas estimular seu povo a agir com responsabilidade, mas também liderar o esforço internacional para distribuir equipamentos de proteção e – à medida que estiverem disponíveis – vacinas e medicamentos. Então, quando o coronavírus for derrotado, os Estados Unidos deverão retomar sua liderança nas democracias globais em defesa da liberdade e contra o autoritarismo, a corrupção e o bullying”, diz Diamond. Francamente, com Donald Trump na Presidência alguém acredita que esses objetivos serão alcançados? É claro que não, depende fundamentalmente, das demais instituições americanas.
O mesmo vale para o Brasil, onde suas instituições tem a grande função de reorientar a balança da democracia. Se os EUA deixarem de piratear produtos de proteção destinados ao Brasil já será uma grande coisa. Se o fim da Guerra Fria representou a decadência da URSS no cenário mundial e a disputa de seu lugar de poder por outras grandes potências europeias e asiáticas, agora parece que a pandemia representa o declínio dos EUA no cenário mundial não mais bipolar, mas multipolar. E nesse sentido, a América Latina, como a Ásia, poderá disputar espaço em condições melhores no cenário de poder internacional. Mas para isso, a última lição da pandemia é, com certeza, que os cidadãos precisam aprender a votar melhor.
Jorge Barcellos é historiador, Mestre e Doutor em Educação pela UFRGS. É autor de Educação e Poder Legislativo (Aedos Editora, 2014) O Tribunal de Contas e a Educação Municipal (Editora Fi, 2017) e A impossibilidade do real: introdução ao pensamento de Jean Baudrillard (Editora Homo Plásticus,2018). É colaborador de Sul21, Le Monde Diplomatique Brasil, Jornal do Brasil, Folha de São Paulo e do Jornal O Estado de Direito. Mantém a página jorgebarcellos.pro.br.
FELIPE QUINTAS/ Em defesa das estátuas
Felipe Maruf Quintas*
A erupção de protestos de cunho identitário-racialista em vários países nas últimas semanas teve, como um dos seus desdobramentos, a derrubada da estátua do traficante de escravos Edward Colston (1636-1721) em Bristol, Inglaterra.
Não deixa de ser positivo o fato de os ingleses entenderem, por pouco que seja, o protagonismo do seu próprio país na escravidão moderna. Porém, o envolvimento inglês na escravidão vai muito além da figura de Colston.
Caso queiram fazer “justiça histórica”, nos termos que propõem para tal, os manifestantes ingleses deveriam destruir o seu país como um todo.
Ao contrário do que diz a historiografia anglófila, que situa a Albion como baluarte do abolicionismo e o iberismo como repositório exclusivo da escravidão, a escravidão moderna e a ascensão política, econômica e ideológica da Inglaterra estão intimamente associadas.
Como o historiador Laurentino Gomes muito bem coloca no volume I do seu livro Escravidão, a Inglaterra fora a maior traficante de escravos no século XVIII, e a própria rainha Elizabeth I (1558-1603) era sócia do primeiro grande traficante inglês, John Hawkins.
Próceres do liberalismo inglês, como John Locke e Thomas Malthus, estiveram intimamente associados à escravidão: Locke era acionista da Royal African Company, constituída com o objetivo único de traficar escravos e Malthus era professor da universidade da East India Company, de forte participação no comércio de cativos na África e na Ásia.
Como é amplamente sabido, a Revolução Industrial inglesa dificilmente teria ocorrido sem o fornecimento, à indústria têxtil deste país, de algodão cultivado por escravos no sul dos EUA.
Na Guerra de Secessão, o Reino Unido manteve-se oficialmente neutro, embora grande parte da aristocracia britânica apoiasse os confederados, pró-escravidão.
Além de tudo isso, o escravismo inglês não vitimou apenas os povos africanos e asiáticos, mas o próprio povo inglês.
Como expõe o pensador alemão Karl Marx no livro I da sua obra magna O Capital,uma lei do primeiro ano de reinado de Eduardo VI, em 1547, determinava que uma pessoa que se recusasse a trabalhar se tornaria escrava de quem a houvesse denunciado por vadiagem.
Eram permitidos todos os castigos físicos e todas as práticas ocorrentes na escravidão de negros ao sul do Equador. Esse é um exemplo de que a escravidão nunca foi um fenômeno estritamente racial, ao contrário do apregoado pelo identitarismo racialista.
O psitacismo de setores políticos brasileiros ditos progressistas não tardou em demandar, por meio de redes sociais como o Twitter, a derrubada e a vandalização de monumentos históricos do nosso País, como estátuas da Princesa Isabel, de Getúlio Vargas, do Duque de Caxias, de Borba Gato e do Monumento aos Bandeirantes.
Segundo tais setores, as personagens históricas homenageadas seriam equivalentes a Edward Colston e simbolizariam o racismo e a escravidão.
Não restam dúvidas, pelo menos entre os minimamente esclarecidos e bem-intencionados, do absurdo e da desonestidade de exigir, a pretexto de luta antirracismo, a derrubada das estátuas da Princesa Isabel e de Getúlio Vargas.
Ela assinou a Lei Áurea, sempre se identificou com o abolicionismo, cercou-se de abolicionistas negros como André Rebouças e José do Patrocínio e apoiava a criação de um Fundo de indenização para os negros libertos, no âmbito de uma reforma agrária em favor deles.
Vargas, a seu turno, desfez grande parte do legado de desigualdade e subdesenvolvimento da escravidão ao criar inúmeras leis trabalhistas e sociais, promover a educação e a saúde públicas e estimular a industrialização e o desenvolvimento das regiões mais precárias.
Também legalizou a capoeira em 1937 – como ele disse em 1953, a capoeira era o único esporte verdadeiramente brasileiro. Já na década de 1930, seu governo tirou o samba da marginalidade a que até então se encontrava para elevá-lo a ícone cultural da brasilidade, financiando inclusive as escolas de samba cariocas.
A derrubada das estátuas da Princesa Isabel e de Getúlio Vargas, então, atende a interesses oligárquicos, antinacionais e racistas, não aos interesses nacionais e populares. De que lado estão os nossos pretensos combatentes antirracistas?
Se as obras da Princesa Isabel e de Getúlio Vargas para o fim da escravidão e do seu legado e para a construção do Brasil soberano e justo são razoavelmente conhecidas do grande público, o mesmo não se dá em relação ao Duque de Caxias e aos bandeirantes.
Isso facilita a depredação da memória desses construtores da Nação, edificada em monumentos que, frequentemente, são alvos da fúria identitária.
Grande parte da historiografia e do ensino de história retrata o Duque de Caxias como mero opressor do povo paraguaio, ignorando a responsabilidade de Solano López pela deflagração da Guerra do Paraguai, bem como o fato de Caxias ter sido, ainda muito jovem, um dos principais combatentes da Guerra de Independência contra os portugueses na Bahia, onde as batalhas foram mais dramáticas.
Também colaborou para manter a unidade nacional ao reprimir, durante a Regência, revoltas separatistas comandadas por oligarquias locais.
No caso da Farroupilha, alforriou, em 1845, os negros que participaram seja de um lado ou de outro, contrariando instruções recebidas do Gabinete Liberal, que determinavam o envio à Corte dos escravos que fizeram parte das tropas rebeldes, provavelmente para se tornarem propriedade imperial.
Caxias, além de combatente da Independência e da unidade nacional – sem as quais seria impossível abolir a escravidão e superar o seu legado de subdesenvolvimento -, também foi um dos primeiros a colocar em prática o abolicionismo.
Da mesma forma, essa historiografia e esse ensino de história retratam os bandeirantes como meros predadores de índios e esmagadores de quilombos, pintando-os nas cores sombrias de “brancos, racistas e misóginos”, ignorando ou escondendo a enorme contribuição dada por eles às configurações territorial e demográfica do Brasil.
Foram os bandeirantes os responsáveis por estender, a partir de São Paulo, as fronteiras brasileiras além do Tratado de Tordesilhas, adentrando o continente e preenchendo-o de Brasil.
A magnitude do esforço humano empreendido por eles revela-se no exemplo da marcha de 12 mil km conduzida por Raposo Tavares entre 1648 e 1652, após ele ter combatido os holandeses entre 1639 e 1642.
Tendo alcançado os Andes, atravessou Rondônia, chegou ao rio Amazonas pelos rios Mamoré e Madeira e, por meio daquele, aportou em Belém. A interiorização das fronteiras e do povoamento contrapôs-se à lógica colonial e escravocrata de concentração populacional e econômica no litoral.
Enquanto o escravismo e o colonialismo limitavam o Brasil a sua costa marítima e a uma posição geoeconômica subordinada à metrópole de além-mar e aos circuitos comerciais por ela estabelecidos no Atlântico, o bandeirantismo, ao explorar a continentalidade brasileira e mapear as condições geográficas dos sertões, perfurou os próprios limites coloniais de Tordesilhas – anulados somente durante a União Ibérica (1580-1640) – e abriu caminhos alternativos aos escravistas e atlantistas para a formação brasileira, interiorizando o povoamento e as rotas de comércio.
O Tratado de Madrid, firmado em 1750, ao seguir o princípio do uti- possidetis,reconheceu como território brasileiro grandes porções de terra a oeste que haviam sido incorporadas ao âmbito brasileiro pela ação desbravadora dos bandeirantes.
Esse tratado, ao substituir o de Tordesilhas e pôr termo às disputas entre Portugal e Espanha pela delimitação das fronteiras na América do Sul, institucionalizou a obra bandeirante e a incorporou, de uma vez por todas, à formação da nacionalidade brasileira.
O bandeirantismo, além de contribuir para a definição da base territorial brasileira, também foi central para definir a identidade mestiça do nosso País.
O perfil indígena e mameluco das bandeiras em tudo contrasta com a falsa visão de que seria um fenômeno eminentemente branco e racista.
A sociedade paulista, de onde surgiram os bandeirantes, apresentava grande influência indígena e pouca distinção entre brancos e mamelucos.
Desse modo, o bandeirantismo representou a ocupação do continente e a formação do Brasil pela massa mestiça. Como escreve o historiador Boris Fausto em seu livro História do Brasil, “o número de mamelucos e índios sempre superou o dos brancos. A grande bandeira de Manuel Preto e Raposo Tavares que atacou a região do Guaíra em 1629, por exemplo, era composta de 69 brancos, 900 mamelucos e 2 mil indígenas” (p. 83).
A formação do tipo sertanejo e a correlata ocupação do Vale do São Francisco, espraiando-se pelas adjacências, também são devidas ao bandeirantismo, como registra Euclides da Cunha em Os Sertões.
Esse grupo, amplamente considerado um dos mais representativos da brasilidade, originou-se da migração dos paulistas para aquela região, desde o século XVII, e sua simultânea miscigenação com os indígenas locais, fazendo despontar “logo uma raça de curibocas puros quase sem mescla de sangue africano, facilmente denunciada, hoje, pelo tipo normal daqueles sertanejos” (p. 190)[1].
Consequências indiretas do bandeirantismo também foram cruciais para a formação histórica brasileira.
A exploração de metais preciosos em Minas Gerais, cujas jazidas haviam sido descobertas pelos bandeirantes, propiciou o deslocamento do eixo político, econômico e demográfico do Nordeste para o Centro-Sul.
Também gerou alguma articulação entre pontos distantes do Brasil, como o adensamento do comércio entre Bahia e Minas e entre ambas e o Sul.
Desse modo, o Brasil estruturou-se como Nação antes mesmo da sua Independência, que foi a culminância de um processo histórico de integração nacional, tanto física quanto social, forjada, em grande parte, pelo bandeirantismo.
O vasto território e a unidade psicossocial brasileira pela mestiçagem, que devemos aos bandeirantes, são recursos nacionais de poder indispensáveis à edificação de uma Nação coesa e econômica e socialmente
Os ataques à memória dos bandeirantes, de Caxias, da Princesa Isabel e de Getúlio Vargas e aos monumentos que a simbolizam nada mais são, portanto, do que ataques ao Brasil e à sua unidade, à sua história e ao seu povo.
O identitarismo racialista, do qual se revestem os vândalos e seus defensores, propugna o divisionismo étnico em vez da união patriótica, enfraquecendo a capacidade da Nação de atingir seus objetivos autênticos.
Atenta contra a centralidade da Questão Nacional e a importância da história e dos valores pátrios, visando liquidar as bases de um projeto nacional à altura das nossas potencialidades.
Os ingleses que se resolvam sozinhos com o seu passado de potência escravocrata, se assim quiserem. As figuras históricas brasileiras mencionadas nada têm a ver com Edward Colston, servindo, então, como referenciais para a emancipação nacional brasileira.
Os monumentos que as homenageiam devem ser preservados e reverenciados como marcos da construção nacional, sem a qual não é possível o verdadeiro e necessário combate ao racismo e ao legado da escravidão no Brasil.
*Mestre e doutorando em Ciência Política na Universidade Federal Fluminense (UFF).
MIRIAM GUSMÃO / Perdidos no espetáculo
Quando as manifestações coletivas ficam imersas no espetáculo, tudo pode acontecer, pois no espetáculo tudo cabe. E será mais espetacular quanto mais catastrófico for.
Seria necessário que a humanidade, adormecida em cada um e em todos, acordasse e pulasse para além do espetáculo.
A humanidade tenta acordar dentro de um ou outro ser humano, mas os demais prontamente a fazem dormir. Não com acalantos, pois os acalantos fariam adormecer os mais eufóricos atores do espetáculo e acordariam a humanidade. Não com pensamento, pois o pensamento é um complicador para o mundo do espetáculo.
A humanidade volta a dormir sob alaridos diuturnos, sob o desdobrar de slogans e de slogans que imitam slogans. Volta a dormir cansada de tanto ver gestos caricatos, de tanto ver naufragadas no espetáculo causas que eram humanas.
Sobram duas perguntas: alcançaremos a vida além dos palcos? Ou: quando será o último ato?
(11.6.2020 )
VILSON ROMERO/ Farra no auxílio emergencial
Vilson Antonio Romero (*)
O brasileiro não se ajeita. Porisso não evoluímos, a miséria campeia, o crime se espalha, a corrupção não cessa. Abriu um porta, a bandidagem entra.
Uma situação, entre tantas: a Polícia Federal, em conjunto com a Caixa Econômica Federal (CEF) e com a Polícia Militar paulista, deflagrou há poucos dias a Operação Covideiros, visando combater fraudes no auxílio emergencial.
Funcionários de lotéricas eram cooptados por criminosos para facilitar a clonagem e troca de senhas de cartões do Bolsa Família, para sacar o novo programa social aprovado pela Lei n⁰ 13.982, de 2 de abril de 2020.
O auxílio emergencial federal de R$ 600 é destinado e está sendo pago, já na sua terceira e última parcela, a trabalhadores informais, desempregados, contribuintes individuais do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e Microempreendedores Individual, os chamados MEIs. Já há negociações para sua prorrogação por mais valores e períodos ainda não definidos.
Para receber é necessário o cidadão ter mais de 18 anos de idade e Cadastro da Pessoa Física (CPF) ativo; renda individual mensal de até meio salário mínimo (R$ 522,50) ou renda familiar mensal até 3 salários mínimos (R$ 3.135). A mulher mãe e chefe de família (ainda que menor de idade), e que esteja dentro dos demais critérios, poderá receber R$ 1,2 mil (duas cotas) por mês.
Em termos cadastrais, o candidato ao auxilio deve:
– estar inscrito no Cadastro Único (CadÚnico) para programas sociais do Governo Federal (Bolsa Família, Minha Casa, Minha Vida, Bolsa Verde – Programa de Apoio à Conservação Ambiental, Programa de Erradicação do Trabalho Infantil – PETI; Programa de Fomento às Atividades Produtivas Rurais; Carteira do Idoso, entre outros) até 20 de março;
– ser contribuinte individual ou facultativo do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), administrado pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) ou
– ser titular de pessoa jurídica, na condição de MEI (ter um negócio ou trabalhar por conta própria, com faturamento anual de até R$ 81 mil).
Era inevitável que haveria um expressivo número de pessoas na busca imediata de seu benefício, tão logo foi anunciada, em abril, a disponibilidade da verba através da CEF.
Houve dificuldades de atendimento, precariedade na inclusão digital, tráfego excessivo de dados no aplicativo criado pela CEF e precariedade de logística e de recursos humanos na rede bancária, potencializados com as restrições sanitárias a aglomerações.
Ao fim e ao cabo, o Tribunal de Contas da União (TCU) levantou que, em abril foram pagos R$ 35,78 bilhões do auxílio emergencial, num total de 59,3 milhões de cotas de R$ 600,00 para 50,2 milhões de pessoas, 42,6 milhões de famílias e 9,4 milhões de mães chefes de família.
Porém, a urgência, somada a inúmeras falhas, descontrole e falta de cruzamento eficaz de dados dentro do próprio Governo federal abriu a porta para oportunistas, fraudadores, estelionatários, num volume sem precedentes de usurpadores do dinheiro público.
Com base nas informações de emprego e renda da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Tribunal de Contas da União (TCU) estima que 8,1 milhões de brasileiros podem ter recebido indevidamente os R$ 600 e que, por outro lado, 2,3 milhões de cidadãos que estão no CadÚnico podem ter sido excluídos mesmo fazendo jus ao benefício.
A Controladoria-Geral da União (CGU), por seu lado, estima que pelo menos 233 mil brasileiros podem ter recebido o auxílio indevidamente, num custo de quase R$ 140 milhões aos cofres públicos. Entre estes, 23 mil que moram no exterior, 74 mil sócios de empresas que têm empregados cadastrados no programa, milhares de proprietários de embarcações e de veículos de mais de R$ 60 mil, além de 86 mil pessoas que doaram mais de R$ 10 mil a campanhas eleitorais nas últimas eleições e presidiários.
Supremo absurdo, a CGU também revelou que mais de 27 mil foragidos da Justiça foram aprovados para receber os R$ 600, entre eles 11 dos 22 traficantes e ladrões mais procurados do Brasil, como Willian Moscardino, o Baixinho, acusado de participar do roubo a uma empresa de transporte de valores no Paraguai em 2017 e Leomar de Oliveira Barbosa, o Léo Playboy, que foi braço direito de Fernandinho Beira Mar e está condenado a 36 anos de prisão.
Enquanto desempregados e informais pobres ou sem renda enfrentam longas filas ao relento, sob sol e chuva, nas calçadas defronte as agências da CEF, 189.695 militares da ativa, da reserva, reformados, pensionistas e anistiados receberam o coronavoucher, embolsando mais de R$ 113 milhões.
Já o Instituto Locomotiva fez uma pesquisa com 2.006 pessoas de 72 cidades de todo o país, entre 20 e 25 de maio e constatou que um terço das famílias das classes A e B dos consultados solicitou os R$ 600 nos últimos meses – e 69% foram aprovadas para receber o benefício. Isso pode significar que 3,89 milhões de famílias mais ricas têm algum integrante recebendo a ajuda criada para apoiar trabalhadores pobres durante a pandemia.
São esposas de empresários, jovens de famílias de classe média e servidores aposentados, que burlam as regras, omitem a renda familiar e se habilitam ao benefício indevidamente.
Todos estes absurdos decorrem do fato de que o governo federal tem diferentes bancos de dados e dificuldade para cruzá-los. Há os 40 milhões de trabalhadores formais, acompanhados pela Dataprev, os 30 milhões que declaram rendimentos à Receita Federal, constantes do Serpro, mais os 33 milhões de pessoas que recebem o Bolsa Família e os 77 milhões que estão no Cadastro Único do governo.
Além dos números do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), sobre doações de campanhas eleitorais, no Sigepe sobre funcionários ativos, aposentados e pensionistas, de civis e militares da União e outros cadastros em todos as demais esferas de governo.
É uma verdadeira “colcha de retalhos” referendando acórdão recente do TCU que identificou seis fatores de risco: baixa integração dos cadastros públicos, desatualização do CadÚnico, dificuldade para identificação inequívoca em cadastros públicos, limitações para verificação de composição familiar, limitações para verificação de vínculos de emprego e renda; e, limitações para cadastramento de pessoas com menor acesso a serviços públicos.
É fundamental que esta situação seja corrigida, que as falhas sejam detectadas e os cadastros se integrem, com aprimoramento constante e cruzamento ininterrupto inclusive com os dos entes subnacionais (Estados, Distrito Federal e municípios).
Sabemos que providências estão sendo tomadas, mas não podemos deixar de mostrar preocupação com o volume de recursos públicos que se esvai pelos ralos da ineficácia governamental e denunciar esta situação que escancara a farra do auxílio emergencial.
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(*)jornalista, auditor fiscal aposentado, conselheiro da Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e assessor da presidência da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip)