Ameaças

Uma nova estratégia para colocar jornalistas em risco pode estar em curso. No final de semana, a jornalista e professora de Jornalismo da Universidade Federal da Bahia (UFBa) Malu Fontes foi surpreendida por um texto assinado por ela que circulava massivamente no WhatsApp. No artigo, ela acusava milicianos e policiais de crimes graves, com palavras pesadas. Afirmava que um dos filhos do presidente eleito, Flavio Bolsonaro, saberia quem matou Marielle Franco. A questão é que Malu Fontes NUNCA escreveu esse texto.

Jornalista respeitada, com uma voz contundente em seus comentários na Rádio Metrópole e suas colunas no jornal Correio, Malu é responsável. Ela não acusa sem provas nem faz afirmações que não sejam solidamente baseadas em fontes confiáveis. De repente, ela se descobriu responsabilizada por um texto que jamais escreveu. E um texto que colocava contra ela pessoas muito perigosas. E pelo WhatsApp, uma plataforma sobre a qual, como a eleição de 2018 mostrou, não há qualquer controle.

É muito grave o que aconteceu com Malu Fontes. Nós, jornalistas, historicamente corremos riscos, às vezes de morte, por aquilo que escrevemos contra poderosos. Em 2018, até o início de outubro, a Abraji(Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) havia contabilizado 137 ameaças contra jornalistas em contexto político, partidário e eleitoral. No atual cenário do Brasil, em que um presidente de extrema-direita foi eleito estimulando o ódio de seus seguidores, os riscos de quem tem o dever profissional de fiscalizar, denunciar e iluminar os cantos escuros dos candidatos e dos eleitos, assim como de todo e qualquer governo, se multiplicam.

Os jornalistas que merecem este nome costumam pagar um preço alto por fazer o seu trabalho. Historicamente somos ameaçados pelo que efetivamente escrevemos nos jornais e revistas impressos e online ou falamos no rádio ou na TV. O que pode estar acontecendo agora é algo ainda mais perverso: ser colocado em risco por aquilo que NÃO escrevemos e NÃO falamos. Plataformas como o WhatsApp podem ser extremamente perigosas, porque a informação circula de forma privada.

Ainda não está provado se o que aconteceu com Malu Fontes foi feito deliberadamente para colocá-la em risco – ou se foi um engano de alguém que leu um post de outra Malu e, ao passar adiante, trocou seu nome. Mas o estrago foi feito. E não há como dimensioná-lo. A jornalista tem se esforçado para divulgar que não é a autora do texto. Mas quantos saberão?

Se esta for uma nova modalidade de colocar jornalistas em risco, pelo que não escrevemos mas atribuem a nós, o número de mortes de profissionais da imprensa, que já é alto no Brasil, aumentará. Ser linchado na internet ou ser concretamente ameaçado de morte pelo que escrevemos, dois atos que em geral estão conectados, é terrível para nós e para nossas famílias. Mas ser linchado e ameaçado de morte pelo que nunca escrevemos mas é atribuído a nós representa um degrau a mais na escala da perversão de criminosos de vários tipos, que ocupam diferentes posições na sociedade.

Vivemos num país – e num mundo – em que parte da sociedade tem demonstrado que não tem qualquer escrúpulo. A pessoa que usa palavras de ódio porque não leu e não gostou, ou porque leu e não gostou do que escrevemos, não percebe que este tom e estas palavras não são possíveis na vida em comum. E que o ódio que vomita verbalmente pode levar uma outra pessoa, mais desequilibrada, ou a serviço de forças criminosas, a nos destruir fisicamente.

Nós, jornalistas profissionais, escrevemos em sites confiáveis. Não reproduzam o que não está linkado, o que tem apenas nosso nome sem qualquer garantia de que efetivamente somos os autores. Especialmente no WhatsApp. Reproduzam apenas aquilo que está em sites que possam ser verificados. E deem o link.

Cada um é responsável pelo que dissemina nas redes sociais e em plataformas como o WhatsApp. Se responsabilizem. Não adianta pedir desculpas depois. As desculpas podem chegar tarde demais. Neste momento tão grave do país, precisamos todos ficar atentos. É isso também que significa a frase deste momento: “Ninguém solta a mão de ninguém”.

Precisamos voltar a compreender que não temos inimigos. Temos adversários, temos opositores, discordamos. E temos uma Constituição para nos dar uma base comum. A conversão de opositores em inimigos tem levado a assassinatos neste país. Não importa o que você defenda, cuide para não ser a mão oculta por trás daquele que aperta o gatilho. Você nunca saberá o que as suas palavras de ódio começaram quando as lança num espaço como as redes sociais e o WhatsApp.

Nenhum jornalista ou pessoa de qualquer profissão deve ser linchado verbalmente e correr risco de morte por fazer o seu trabalho numa democracia. Quando esse pacto começa a ser rompido, sabemos que é a estrutura democrática que começou a romper em alguns pontos, às vezes muitos, e começou a vazar. É preciso ficar muito atento aos sinais.

Este texto é de minha exclusiva responsabilidade. Mas acredito falar por muitos jornalistas quando afirmo: nos ajudem a ficar vivos e a seguir documentando o Brasil.

Os direitos humanos e o governo Bolsonaro

Discurso do jornalista Luiz Claudio Cunha na sessão especial do Senado Federal em comemoração aos 70 anos da Declaração dos Direitos Humanos.
“Hoje, segunda-feira, 10 de dezembro, celebramos os 70 anos do documento público mais traduzido do mundo, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, transcrita em 514 diferentes idiomas do planeta.
Na quinta-feira, 13 de dezembro, lembraremos os 50 anos do maior golpe contra os direitos humanos no Brasil: a edição do AI-5, o ato institucional mais implacável da ditadura de 21 anos que, a partir do golpe de 1º de abril de 1964, agrediu duramente os direitos humanos e políticos de milhares de brasileiros – perseguidos, presos, interrogados, torturados, mortos, desaparecidos, exilados ou cassados pelo regime dos generais.
E dentro de três semanas, na primeira terça-feira de 2019, primeiro dia do novo ano, teremos os militares de volta ao poder, 34 anos após a queda da ditadura em 1985.
Em 1964, os generais tomaram o poder pela força das armas e dos tanques.
Em 2018, os generais voltam ao poder pela santidade do voto popular.
Os militares brasileiros retomam o comando do País porque nós, o povo, elegemos o capitão Jair Bolsonaro e, com ele, seus camaradas de tropa. Esse é o paradoxo, essa é a tragédia da democracia brasileira.
A civilização do processo político é a radicalização do poder civil. A generalização do poder, pela exagerada presença e ingerência dos generais, é a degradação da política.
Nenhuma grande democracia no mundo dá tantos poderes aos generais.
Nem os cinco generais-presidentes da ditadura de 1964 deram tanto espaço aos militares como o capitão-presidente da democracia de 2018.
O primeiro deles, o marechal Castello Branco, tinha só 5 oficiais-generais em seu ministério. O segundo, general Costa e Silva, teve 7 militares no seu gabinete. O terceiro, general Garrastazú Médici, acolheu outros 7 militares. O quarto, general Ernesto Geisel, convocou também 7 militares para sua equipe. O último da ditadura, general João Figueiredo, abrigou 6 militares.
O novo governo terá 9 militares em postos chaves do ministério: Um general no Gabinete de Segurança Institucional – Augusto Heleno. Um general na Defesa – Fernando Azevedo e Silva. Um general na Secretaria de Governo – Carlos Alberto dos Santos Cruz. Um almirante nas Minas e Energia – Bento Costa Lima. Um general na Comunicação – Floriano Peixoto Vieira Neto. Um general na Secretaria de Assuntos Estratégicos – Maynard Marques de Santa Rosa. Um tenente-coronel na Ciência e Tecnologia – Marcos Pontes. Um capitão na infraestrutura – Tarcísio Gomes de Freitas.  Um capitão na Transparência, Fiscalização e CGU – Wagner Rosário.
São nove militares, sem contar o capitão presidente e o seu vice, general Hamilton Mourão. A overdose de militarismo revive a Guerra Fria e sua paranoia anticomunista.
O muro de Berlim caiu no final da década de 1980, mas ele continua de pé no entorno de Bolsonaro, que vê ameaça marxista em tudo.
O capitão escolheu como chanceler um diplomata do baixo clero do Itamaraty, Ernesto Araújo, que, como ele, idolatra Donald Trump, “o único que pode salvar o Ocidente”. Missão dada ao chanceler por Bolsonaro, segundo ele: “Libertar o Itamaraty do marxismo cultural!”.
Araújo quer levantar “barricadas contra a China maoísta que dominará o mundo!”. Alguém precisa avisá-lo que a China pode ser qualquer coisa, menos maoísta…
O chanceler esperto de Bolsonaro diz que os defensores do aborto querem “uma sociedade onde ninguém nasça, nenhum bebê, muito menos o menino Jesus…”
Araújo diz ter uma missão divina: “Ajudar o Brasil e o mundo a se libertarem da ideologia globalista, um sistema anti-humano e anticristão pilotado pelo marxismo cultural. A fé em Cristo significa lutar contra o globalismo… abrir-se para a presença de Deus na política e na história”.
Traduzindo isso aí, como diz Bolsonaro: o Brasil acima do globalismo, Deus e Trump acima de todos…
Os direitos humanos — que hoje celebramos aqui — estarão sempre ameaçados quando a estupidez oblitera a inteligência.
O primeiro nome pensado para a Educação foi o de um respeitado ex-reitor da universidade de Pernambuco. Não emplacou porque Mozart Neves Ramos foi vetado pela bancada evangélica.
O sonho da bancada era Guilherme Schelb, um procurador abilolado com a discussão sobre gênero em sala de aula. Diz ele: “Crianças de 8, 9 anos, recebem como dever de casa quesitos sobre sexo grupal, como dois homens transam, o que é boquete…”
Schelb não disse onde viu isso, não provou nada do que disse, mas mereceu uma longa audiência com Bolsonaro, dia 22 de novembro, até ser descartado como ministro.
Para a Educação, o capitão não chamou um general, mas alguém que os forma. O colombiano Ricardo Vélez Rodríguez, brasileiro naturalizado há 20 anos, é professor emérito da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME), passagem obrigatória para majores e tenentes-coronéis que ambicionam ser generais, o topo da carreira.
O homem da Educação de Bolsonaro é, como seu capitão comandante, um nostálgico da ditadura. Vélez escreveu no seu blog: “1964 é uma data para lembrar e comemorar… ela nos livrou do comunismo”.
Vélez criticou a Comissão Nacional da Verdade, que investigou as violações aos direitos humanos pela ditadura militar e responsabilizou os cinco generais-presidentes pelos 434 casos de mortes e desaparecimentos praticados por 377 agentes públicos do regime militar, sempre louvado por Bolsonaro e seus camaradas.
Para o novo ministro, a CNV foi  “mais uma encenação para a ‘omissão da verdade’… a iniciativa mais absurda que os petralhas tentaram impor”.  
Assombrado pelos demônios da Guerra Fria, Vélez diz que “os regulamentos do MEC fizeram os brasileiros reféns de um sistema de ensino afinado com a tentativa de impor à sociedade uma doutrinação de índole cientificista e enquistado na ideologia marxista…” E por aí vai o emérito professor dos futuros generais!
Não por acaso, os dois ilustres ministros do capitão-presidente atendem a uma sugestão de um bizarro brasileiro enquistado há uma década em Petersburg, uma pequena cidade de 30 mil habitantes no Estado americano da Virgínia. Olavo de Carvalho é um exótico ex-astrólogo que se tornou guru do clã Bolsonaro e da direita radical brasileira.
Muçulmano e marxista na juventude, Olavo agora se diz filósofo (embora não tenha título universitário) e se converteu depois em cristão fundamentalista e em conservador extremado.
Na sua alucinada arrogância supostamente intelectual, Olavo tem a audácia de atacar alguns dos gigantes que moldaram o pensamento da humanidade.
O ex-professor de astrologia e alquimia diz que Isaac Newton disseminou o vírus da burrice na Terra, Galileu Galilei era charlatão, Charles Darwin é o pai do nazismo e Albert Einstein não passa de uma fraude.
Da cabeça amalucada de Olavo, que faz a cabeça do capitão-presidente, brotaram algumas das frases mais grotescas e cômicas da atualidade. Alguns exemplos: “O general Geisel era comunista”, “cigarro não dá câncer”, “o nazismo e o FMI são de esquerda”, “a Pepsi-Cola usa fetos abortados como adoçante”, “não há provas de que o Sol seja o centro do sistema solar”…
Uma das brilhantes constatações científicas de Olavo começa por uma pergunta:  “Você entende um cachorro, a cabeça de um gato? Não entende. Mas você tem amor por eles… A mulher, também. Não é para entender, meu filho…”
Olavo é autor de um best-seller que já vendeu 320 mil exemplares: O Mínimo que Você Precisa Saber para não Ser um Idiota. Pelo conteúdo impagável de suas ideias delirantes, Olavo certamente não leu seu próprio livro…
Em 1962, pouco antes do golpe militar, dois autênticos gênios da cultura brasileira, que não devem habitar o universo olavista, conversavam no Bar Veloso, santuário carioca da Bossa Nova em Ipanema. O humorista Millôr Fernandes definiu, aliviado, para seu amigo, o compositor Tom Jobim: “O mundo tem muitos idiotas, Tom, mas felizmente estão todos nas outras mesas…” O admirável mundo novo da Internet, para nosso desconsolo, agora trouxe gente como Olavo de Carvalho para as mesas de todos nós!
É dele a expressão “alarmismo climático”, que Bolsonaro e outros ilustres seguidores do olavismo sem fronteiras usam para desdenhar do aquecimento global — uma evidência cada vez mais assustadora comprovada pelos cientistas, pelos satélites da NASA e pelo noticiário intenso e crescente de todo dia na TV sobre inundações, secas, destruição de rios e florestas.
São os efeitos dramáticos da ação desordenada de líderes arrivistas e governantes complacentes que ajudam a agredir o meio ambiente da Terra, o lar de todos nós — até mesmo de Bolsonaro e seus olavistas.
Um relatório assustador de outubro passado da ONG WWF (World Wildlife Fund) revelou que, de 1970 para cá, a população de mamíferos, pássaros, peixes e répteis diminuiu em 60%.
Nos últimos 50 anos, desapareceram 20% da vegetação da Amazônia, o maior pulmão do planeta. Se chegar a 25%, a grande floresta entrará num colapso sem volta. O Brasil, maior fronteira de desmatamento do mundo, já perde 1,4 milhão de hectares de vegetação natural por ano — o equivalente a mais da metade do Estado de Alagoas. 
Inspirado em seu avatar Donald Trump, Bolsonaro ameaça deixar o Acordo de Paris, um tratado arduamente costurado durante meses por quase 200 nações do mundo e selado em 2015.
Para provar que fala sério, o capitão já desistiu de fazer, no Brasil, a próxima Conferência do Clima, a COP 25, que estava marcada para 2019.  O olavismo predatório devasta as poucas áreas de sensatez e de consciência do país.  
Anunciado só ontem, domingo (9), sintomaticamente a última escolha ministerial de Bolsonaro, o novo ministro do Meio Ambiente, o advogado Ricardo Salles, fundador do Movimento Endireita Brasil, já bateu continência para o desatino que deve colocar o Brasil na contramão da inteligência: “A discussão sobre aquecimento global é secundária. Essa discussão agora é inócua…”
O penúltimo ministro anunciado por Bolsonaro foi a pastora evangélica Damares Alves, que vai cuidar dos Direitos Humanos.
O repórter Bernardo Mello Franco, de O Globo, revelou sua crença maior, confessada no púlpito de uma igreja batista em Belo Horizonte, em maio de 2016, e que contraria frontalmente o princípio constitucional do Estado Laico: “Chegou a nossa hora. É o momento da igreja de Jesus ocupar a nação. É o momento da igreja governar. As instituições piraram. Só uma não pirou: é a igreja de Jesus. Se a gente não ocupar esse espaço, Deus vai cobrar da gente. A escola não é mais lugar seguro para nossos filhos. Todas as instituições estão falidas. O único lugar em que seu filho está protegido, nesta nação, é o templo, é a igreja…”
Essa é a inacreditável barafunda de pensamentos obtusos, definições esdrúxulas, bobagens explícitas, boçalidade galopante e rombuda ignorância que parece intumescer alguns cérebros ilustres do futuro Governo Bolsonaro.
São características assustadoras que resumem uma overdose acumulada de militarismo redivivo, uma visão retrógrada da realidade, um claro preconceito intelectual, um medieval fundamentalismo religioso e uma absurda repulsa a marcos civilizatórios consagrados nos países mais avançados e abertos do mundo.
O Brasil de Bolsonaro — de seus avatares autoritários e astrólogos influentes, de seus diplomatas e professores impregnados da ideologia que fingem combater, de seus fanáticos siderados pela fé e pela salvação divina — ameaça iniciar uma marcha batida pelos coturnos da insensatez,  na contramão do progresso, da inteligência e da história.
Tenho 67 anos, dois filhos e três netos lindos. Estou angustiado, temeroso pela visão de Brasil e pelo futuro que os aguarda na escola, no convívio da sociedade, na vida.
É por tudo isso que sou, hoje, um homem apreensivo e cético em relação aos direitos humanos que o país do capitão Jair Bolsonaro nos reserva. 
 

O alerta das abelhas

“Estamos pagando uma conta que não é nossa”, desabafou Aldo Machado, presidente da Cooperativa dos Apicultores do Pampa (Coapampa) e coordenador da Câmara Setorial de Abelhas, Produtos e Serviços da Secretaria da Agricultura do Rio Grande do Sul.
Junto com outros convidados, ele havia passado dois dias em um “diálogo participativo” promovido pelo Sindiveg – Sindicato da Indústria de Defensivos Vegetais, entidade que tergiversa sobre a responsabilidade dos agrotóxicos na mortandade de abelhas melíferas no interior gaúcho.
Ao explicar sua queixa-desabafo, Machado chegou a dizer que “o diálogo participativo é um engodo”, uma forma de ganhar tempo enquanto a cadeia de negócios da indústria agroquímica continua promovendo a chuva de agrotóxicos principalmente sobre as lavouras de soja, uma planta que só produz o que dela se espera se lhe forem dadas doses crescentes de “defensivos vegetais”, alguns aplicados sob a forma de coquetéis de drogas fatais para diversos seres vivos.
As vítimas mais imediatas têm sido as abelhas melíferas, um problema nacional que se tornou agudo no Pampa, onde as lavouras de soja vêm ocupando áreas de pastagens e de terras baixas tradicionalmente usadas por arrozeiros.
Embora não esteja estruturada em bases contábeis convencionais, pois é praticada por uma maioria de agricultores familiares que a exercem como fonte complementar de renda, a apicultura possui uma crescente vanguarda profissional voltada principalmente para a exportação de mel.
Se o produto não estiver de acordo com as normas internacionais de sanidade apícola, não embarca no navio ou será devolvido pelos países importadores.
É aí que mora o perigo: um dos melhores méis do mundo, valorizado pela diversidade de fontes apícolas, está ameaçado de ser vetado nos grandes mercados do Hemisfério Norte.
O que tem acontecido no interior gaúcho configura um quadro assustador que se repete toda primavera:
1) ao colher néctar e pólen de flores contaminadas por venenos agrícolas, algumas abelhas se desorientam e não voltam a seus ninhos, morrendo no campo;
2) outras voltam mas morrem do lado de fora das caixas;
3) ao processar o néctar e o pólen contaminados, as abelhas remanescentes podem provocar o colapso das colmeias por falta de alimento puro para as crias, que morrem e apodrecem nas caixas.
Em 2017, o apicultor Aldo Machado (citado acima) perdeu mais de 500 caixas, algumas já carregadas de mel.
Uma caixa com enxame saudável e caixilhos com cera alveolada, em início de temporada, custa R$ 200 para ser colocada no campo; na colheita, estando cheia de mel, pode ter valor duplicado ou render mais ainda, a depender das floradas e das condições climáticas.
Pequeno ou grande, o apicultor pode repor rapidamente as colmeias perdidas, mas não tem como recuperar o prejuízo causado pelo colapso das colônias de abelhas destruídas pelas agrodrogas.
O terror dos grandes apicultores-exportadores é que o mel produzido pelas colmeias sobreviventes saia dos apiários e das agroindústrias processadoras contendo traços de agrotóxicos da categoria dos neonicotinóides, dos quais o mais assustador é o fipronil, ingrediente-chave de inseticidas usados na sojicultura.
Se algo desse tipo for detectado em exames físico-químicos, o mel perderá a validade para exportação. Apenas o Rio Grande do Sul exporta uma média de US$ 7 milhões por ano.
Sem contar os prejuízos financeiros, que nem são calculados pois não há a quem reclamar ou apresentar “a conta”, o que mais dói nos criadores de abelhas é a reiterada falta de respeito.
Os apicultores constituem o elo mais fraco da cadeia do agronegócio, cujo carro-chefe é exatamente a soja, que lidera a produção de grãos e exerce influência fortíssima na produção de carnes, na agroindústria e na logística de exportação.
Aos sojicultores estão ligados umbelicalmente:
1) os fabricantes de sementes e de pesticidas, hoje integrados em poucos grupos econômicos globais;
2) os fabricantes de máquinas e implementos agrícolas, também concentrados em poucas marcas;
3) os revendedores de insumos agropecuários (1.500 lojas apenas no Rio Grande do Sul);
4) os prestadores de serviços de aviação agrícola;
5) os proprietários rurais que arrendam suas terras para profissionais da agricultura mecanizada;
6) os sindicatos rurais e suas respectivas federações.
Diante desse poderoso exército atrelado ao modelo norte-americano de agricultura, não é difícil entender a situação do elo mais fraco. Começa que a maioria dos apicultores depende da boa vontade dos proprietários rurais em ceder áreas para a instalação de apiários.
Nem todos gostam de abelhas ou de apicultores, muitos não dão valor ao mel ou à polinização executada pelas abelhas e alguns menosprezam a chance de receber 10% da produção de mel obtida em suas terras.
Mesmo que instalem seus apiários dentro de matos ou beiradas de córregos, os apicultores sabem que as abelhas podem chegar a locais pulverizados por inseticidas, pois voam até três quilômetros de casa, à procura de flores. Aí começa o problema.
Além do poder tóxico dos pesticidas, o maior perigo após a pulverização é a deriva, isto é, o produto químico jogado de avião ou de máquinas terrestres que se desloca levado pelo vento para áreas vizinhas, atingindo vegetação nativa e contaminando pequenos cursos d’água.
Há registros de que a deriva pode levar veneno a 15 quilômetros.
Em São Gabriel, onde se cultivam grãos como arroz e soja, exames em abelhas mortas constataram que elas não se contaminaram diretamente numa lavoura, mas ao coletar água (contaminada por agrotóxico) de uma sanga situada a seis quilômetros da plantação mais próxima.
Isso indica que o problema está mais generalizado do que parece. E já chegou a instâncias oficiais como o Ministério Pùblico, mas não há sinais de solução porque há um jogo de tirar o corpo fora e lavar as mãos.
O apicultor prejudicado pode reclamar às inspetorias veterinárias estaduais, obter um laudo toxicológico num laboratório público ou privado e entrar com uma reclamação judicial contra:
a) o agricultor que mandou aplicar o agrotóxico;
b) a empresa de aviação que prestou o serviço;
c) o técnico que receitou o produto;
e) o revendedor de insumos agropecuários;
f) o fabricante dos venenos.
Parece fácil, mas não é: “Se eu processar um agricultor ou fazendeiro que matou minhas abelhas, no dia seguinte todos os vizinhos dele vão pedir para eu tirar meus apiários das terras deles”, diz Aldo Machado, o apicultor citado no início deste texto.
Os apicultores estão presos dentro de uma engrenagem perversa. Se correr o veneno pega, se ficar o veneno come.
É um círculo vicioso que não apenas reduz a produção de mel, mas compromete a manutenção da biodiversidade, pois as abelhas exercem um papel fundamental na polinização da flora nativa e de lavouras e pomares.
“Sem abelhas, sem alimentos”, diz o slogan de uma campanha em curso no Brasil. O biólogo brasileiro Lionel Gonçalves, que se aposentou em Ribeirão Preto e foi dar consultoria à Universidade Rural do Rio Grande do Norte, para ajudar produtores de melão (fruta dependente da polinização por abelhas), criou uma organização não governamental chamada Bee Or Not To Be, numa referência direta à frase Ser ou Não Ser, de Hamlet, de Shakespeare.
LEMBRETE DE OCASIÃO
“Se as abelhas desaparecessem da face da Terra, a espécie humana teria somente mais quatro anos de vida. Sem abelhas, não há polinização. Ou, seja, sem plantas, sem animais, sem homens”. Albert Einstein (1879-1955)

Qual é, Mister Bols?

Estamos sendo fritos em óleo do pré-sal
GERALDO HASSE
O pessoal estranhou quando, ainda candidato, o capitão bateu continência para a bandeira dos EUA.
Tudo bem, a bandeira é um símbolo nacional, portanto, pode-se argumentar que ele reverenciou o povo americano.
Agora, convenhamos, não pegou bem esse lance de bater continência para uma subautoridade do governo americano.
Não precisava ser tão subserviente. Se em vez de um conselheiro viesse o próprio presidente Trump, Mr. Bols se ajoelharia?
A franqueza do presidente eleito vem tornando fácil o entendimento das coisas. Parece que ele quer deixar claro que se orienta para entregar o comando nacional aos gringos. Como se não bastasse a influência vigente. Talvez seu projeto de aposentadoria seja morar em Miami. Mas para isso não precisa se jogar aos pés dos poderosos.
Quando diz que os médicos cubanos eram agentes secretos infiltrados, Mr. Bols está admitindo implicitamente que o Brasil deve renunciar a qualquer veleidade de soberania diante da potência hegemônica.
Pelo que tem deixado escapar em declarações e desabafos, ele vai ajudar no desmonte dos direitos dos trabalhadores, quer restringir a liberdade de expressão do magistério, afrouxar a legislação ambiental, aprofundar a desnacionalização do petróleo e atender às pressões dos EUA para acuar Cuba, afastar-se da China e abrir novas brechas ao capital estrangeiro (leia-se americano) em nichos privilegiados da economia.
São vários retrocessos encadeados. No fundo, temos aí não apenas um caso de inépcia, mas de ruptura de compromissos históricos e o abandono de princípios inerentes à soberania.
No popular, a palavra que define esse comportamento é entreguismo. No léxico, pode ser traição.
 
LEMBRETE DE OCASIÃO
ENTREGUISMO – Termo utilizado de forma pejorativa a partir do final da década de 1940 para designar a corrente que defendia um modelo de desenvolvimento para o Brasil baseado na participação do capital internacional e na “entrega” da exploração das riquezas naturais a grupos estrangeiros. Aos entreguistas se opunham os nacionalistas, defensores do desenvolvimento baseado no capital nacional. Surgido a partir da campanha para a exploração do petróleo, o termo percorreu toda a década de 1950, caindo em desuso após 1964.

(Verbete do Centro de Pesquisa e
Documentação da História Contemporânea
da Fundação Getúlio Vargas)

Carta a Luiz Schwarcz

Pedro Paulo Graczcki
Carta de amor aos livros uma ova.
O sr. Luiz Schwarcz, da Cia das Letras, escreveu uma pseudo-carta de amor aos livros e nos pede algo que ele nunca teve: solidariedade e defesa de classe. Pois bem, qualquer estagiário sabe que ter somente um fornecedor, ou somente um ou dois clientes é burrice. Ou erro estratégico se preferir.
Quer saber? Bem feito, vocês nos ferram há muitos anos. Sou pequeno livreiro em Cachoeira do Sul (RS), faço 200 feiras de livros por ano. Sem ajuda governamental. E faz muitos anos que o Sr. Schwarcz me ignora e tenta me derrubar. Ele com a Saraiva, a Cultura, a Fnac e as grandes editoras, fizeram de tudo para destruir o mercado livreiro, e agora que destruíram ele pede solidariedade, clama por socorro. Bem feito!!!!
Aprendam, nunca apostem todas as fichas numa única jogada e nunca menosprezem pequenos parceiros.
Nossa maior incoerência é termos muito mais editoras que livrarias. É como se tivéssemos 1.000 frigoríficos e 50 açougues no Brasil inteiro. E os frigoríficos ainda tentassem acabar com os açougues. Dá pra imaginar? Pois é assim mesmo no mercado livreiro. E para piorar as “grandes editoras e livrarias” tem 100% de isenção de impostos enquanto as pequenas pagam 7,8% sobre o faturamento.
Agora a vaca foi atirada no precipício. Que momento lindo, que oportunidade única para sentarmos todos, pela primeira vez em pé de igualdade e discutirmos de igual pra igual nosso futuro. Ao invés de uma mega-caloteira, por que não, 200 pequenas livrarias?
O Brasil tem mais de 5 mil municípios, mas os senhores só querem vender nas capitais. Dos 200 milhões de habitantes quantos compram na internet?.
Não existe associação de livrarias. As associações que estão por aí são todas tomadas por grandes editoras ou grandes livrarias. Quem fala em nosso nome, dos pequenos livreiros?
Schwarcz pede atenção aos protagonistas, mas nunca consideraram o protagonismo dos livreiros que são os Dom Quixote do mercado, correndo para cima e para baixo com caixas de livros para levar nossa literatura onde os senhores jamais foram. O senhor demitiu seis empregados de salários gordos? Eu vi muitos colegas mudando de profissão depois de 20, 30, 40 anos de estrada por que os descontos praticados pela Saraiva eram muito superiores ao preço que vocês nos vendiam.
É no andar de baixo que a vida pulsa mais profundamente. No andar de cima os acionistas têm capacidade financeira pessoal para salvar suas empresas. Que bom, então tá tudo ok? Agora é arrumar a casa, pedir umas orações, uma ajudinha pra galera e seguir em frente!
Caro Sr. Schwarcz, nós livreiros estamos aqui, sempre estivemos e estaremos, mesmo quando os senhores tiverem desistido de publicar livros por que o lucro é baixo. Se querem ajuda pra arrumar a casa, então queremos ser convidados pra festa quando ela acontecer.
Querem ideias pra sair da crise? Tenho várias, coloco elas em prática todos os dias. E é por isso que vou reabrir a Livraria São Paulo ainda em dezembro. Maior, mais bonita e mais prática, com a certeza que sem os senhores dando as cartas terei mais chance de sucesso no mercado.
Quer saber? Bem feito.

Pacto Alegre

CARLOS ALBERTO CASTRO
Há décadas Porto Alegre se desmilingue enquanto o Rio Grande do Sul
retroage à condição de “latifúndio agropastoril” de um século atrás.
E a capital que já foi um centro de desenvolvimento [“inovação”]
técnico e gerencial importante é hoje periferia dos outros dois polos
econômicos da Região Sul – Paraná e Santa Catarina.
Sem dúvida é preciso fazer alguma coisa!
E o que não estou entendendo?
Não estou entendendo as “circunstâncias” que conformam este Pacto
Alegre da Aliança pela Inovação. E cito algumas destas
“circunstâncias” [“intrigantes”]:

  • As universidades em Porto Alegre dispensaram recentemente professores
    e fizeram radicais mudanças nos seus currículos e na suas ofertas de
    titulação;
  • Centros de pesquisa do Governo do Estado – fundações fortemente
    integradas com as universidades – foram EXTINTOS, apesar dos
    insistentes alertas da própria comunidade universitária;
  • A sede de grupos empresariais importantes de origem gaúcha deixaram
    Porto Alegre em função do declínio econômico;
  • Diversos setores, como o da saúde, constituíam polos locais com
    densidade tecnológica “enraizada” nas nossas universidades mas foram
    “colonizados” por corporações geralmente estrangeiras;
  • A RBS, uma das “âncoras” assumidas do Pacto Alegre, está numa
    “trajetória” no mínimo estranha, pois desde 2014 faz movimentos em
    sentido contrário daqueles que se supõem serão “sustentados” pelo
    pacto;
  • E o mais intrigante: a CRISE FISCAL que infelicita e mina
    absolutamente as possibilidades de reversão da anomia e estagnação no
    Brasil, no Rio Grande do Sul e em Porto Alegre não é ao menos motivo de preocupação, portanto, não terá nenhum tratamento dispensado pelo  Pacto Alegre.

Então não sei se foi feliz este nome de Pacto Alegre, pois para mim
não passa otimismo. Antes, me soa como ironia triste…

A avalanche antidemocrática

Passado um mês das eleições presidenciais, o eleito ignora a oferta de medalhões da política e, fora os notórios Paulo Guedes na Economia e Sergio Moro para a Justiça, escolhe figuras obscuras e afinadas com um ideário retrógrado.
Preso a uma camisa-de-força ideológica, ele está sendo coerente com o que pregou na campanha eleitoral, desdenhando dos direitos humanos e ignorando o conceito elementar de cidadania.
Há quem diga que o Brasil está voltando a 1964, mas não precisamos ir tão longe: basta que fiquemos em 1979, quando imperava o arbítrio ditatorial, e o casuísmo político era moeda de troca na vida nacional.
A maioria do eleitorado, com os 55% dados à Direita, colocou o país à mercê de uma avalanche conservadora que, a pretexto de combater a corrupção, encaminha-se para a destruição de programas sociais criados nos governos petistas.
Seja lá que nome se dê a isso — harakiri ou tiro-no-pé –, o eleitorado deu carta branca para a privatização de estatais, todas estigmatizadas como antros de empreguismo e focos de corrupção, tendo como referência o que se descobriu na Petrobras.
Assim, também por “culpa do PT”, empresas tradicionais como Banco do Brasil, BNDES, Caixa, Correios, Eletrobrás e outras foram colocadas no mesmo patamar da ineficiência e vulnerabilidade.
A esta altura do desenvolvimento brasileiro,  privatizar estatais eficientes é rasgar páginas da história nacional. Retrocesso!
Custa crer que compactuem com isso as Forças Armadas, que estão passando a exercer a tutela do governo do seu ex-pupilo desgarrado.
Se por um lado ele foi treinado para respeitar a hierarquia militar e seguir os regulamentos – dos quais se afastou, sendo por isso “reformado” para não ser banido –, por outro passou tanto tempo na Câmara a desfrutar da imunidade parlamentar que pode se achar no direito de ultrapassar os limites, como fez ao enaltecer a tortura e o estupro.
Quem vai com muita sede ao pote, corre o risco de quebrá-lo. Por enquanto, o eleito desfruta da leniência que protege os neófitos, mas em algum momento alguém precisará lhe ensinar bons modos. Quanto tempo levará para descobrir que o mundo não é binário e que o Brasil tem uma bem-sucedida tradição de altivez e pluralidade no concerto das nações?
A pressa em agradar os donos do Mercado alimenta a desesperança e a frustração da maioria sem recursos.
Quando diz que os médicos cubanos eram agentes secretos infiltrados, ele está admitindo implicitamente que o novo governo renunciou a qualquer veleidade de soberania diante da potência hegemônica.
Esse primarismo político, ideológico e diplomático é do tempo da Guerra Fria.
Voltamos, portanto, à doutrina de segurança nacional formulada em 1949 pelos intelectuais da Escola Superior de Guerra liderados por Golbery do Couto e Silva.
Essa doutrina de alinhamento automático aos EUA foi reformulada no governo Geisel (1974-1979), que ousou dar uma guinada para a Europa, a Africa e a Asia por meio de uma série de acordos técnicos e econômicos.
Acordo nuclear com a Alemanha; acordo tecnológico e comercial com o Japão para colonização do cerrado e exportação de soja; abertura com a Africa para obras de empreiteiras que abriram caminho para a exportação de serviços e equipamentos.
Pragmatismo responsável, esse o nome do jogo.
Pelo que tem deixado escapar em declarações e desabafos, o futuro presidente não conhece esses detalhes da História ou, com a cabeça feita não se sabe por quem, nutre por isso tudo um profundo desprezo.
O que o Brasil tem de melhor, do ponto de vista econômico, será mesmo concedido aos investidores internacionais? A parca experiência adquirida na gestão das riquezas nacionais vai para a cucuia? Qual o papel das Forças Armadas na atual conjuntura: serão agora pilares da nacionalidade ou correias da globalização financeira?
Quem poderá resistir a essa avalanche conservadora?
A Câmara dos Deputados, o Senado Federal, o Supremo Tribunal Federal, as instituições nacionais: universidades, sindicatos, os movimentos sociais, a sociedade civil representada pela OAB, ABI e, no fundo, a população.
LEMBRETE DE OCASIÃO
“Às favas os escrúpulos de consciência, senhor Presidente!”
Coronel Jarbas Passarinho ao apoiar a edição do Ato Institucional Nº 5 em 13/12/1968

A pororoca

GERALDO HASSE
Como diriam Gabeira e Mangabeira, não se pode ignorar a força de um resultado como o de 28 de outubro, algo que os narradores radiofônicos de outrora descreviam como “um placar elástico”.
No entanto, é preciso olhar os fatos com uma perspectiva histórica – um olho na frente, outro no retrovisor – e tentar compreender como e porque a maioria dos 5 a 4 caiu na cantilena dos missionários, nos slogans dos milionários e nas palavras-de-ordem dos militantes reacionários.
Dúvidas vêm e vão sem resposta. Quem está certo não precisa sair por aí gritando — a hora do grito passou.  A verdade virá ao natural, como a água que brota no alto e forma o rio a caminho do mar.
O que os governos petistas fizeram de coisas boas seria suficiente para mantê-los no poder por mais tempo, mas os famosos malfeitos pesaram na balança. Além disso, a conjuntura adversa ajudou a formar a pororoca que aí está.
Se Lula pretendia ser uma ideia (de gerar oportunidades para o lado pobre da sociedade), o que temos no bolso, agora, é uma anti-ideia ou uma não-ideia.
Seja o que for, é potencialmente perigoso. Não é o perigo em si, mas uma representação dele. Algo como um ator que adentra o palco sem a conveniente preparação, e passa a recitar falas sopradas por assessores, amigos, familiares e gurus secretos situados sabe-se lá aonde.
A pororoca capturou arrivistas, evangélicos, saudosistas da ditadura, revoltados com o PT, empresários sequiosos por oportunidades, jovens carentes, medrosos e ignorantes — enfim, uma magna malta de oportunistas de bíblia na mão e uma vontade indomável de trocar o dedo em riste por um trintão. Tudo isso turbinado por um merchandising de Primeiro Mundo, expresso no Facebook e em outros mecanismos eletrônicos.
A pregação embutida nesse arrastão desconexo procura levar o país para o Norte, onde impera Tio Sam, no momento representado por um bufão pior do que o canastrão Ronald Reagan. O que nos leva a uma conclusão pesarosa: quanto mais o mundo avança tecnologicamente, menos progride no campo da ética.
Por Trump e outros eleitos sabemos que o regime republicano, com todas suas instituições, é uma representação teatral do sistema capitalista. Ou, seja:
Um rico vale mais do que uma multidão de pobres
O patrão é mais importante do que os empregados
Se tem amigos no poder, um indivíduo possui mais direitos do que a comunidade
O voto é submisso ao dinheiro.
A curto prazo, os símbolos se sobrepõem aos fatos; e as ideias rolam subjugadas pela força da correnteza.
Nada a fazer, por enquanto. Só observar e talvez fazer prognósticos sobre quando lhes cairão os butiás do bolso.
 
LEMBRETE DE OCASIÃO
“Manter-se unido traz boa fortuna”
Livro do Tao (I Ching).

Temer x Moro

Sem o foro privilegiado, os processos contra Michel Temer terão outro andamento.
À luz dos fatos publicados e documentados, dificilmente ele escapará de uma condenação.
Como vai ser? Vai para a cadeia, como Lula?
Num governo que tem o combate à corrupção como bandeira, que papel terá o Ministro da Justiça nesse caso?
Ou vão arranjar um álibi para Temer? E Jucá? E Eunício?
O Ministro Moro não morrerá de tédio.

Birutas: Atem os cintos, o piloto não é confiável

GERALDO HASSE 
A História não registra quem inventou a biruta, o prosaico saco de pano hasteado nos aeroportos para orientar os pilotos de avião sobre o sentido do vento.
Talvez tenha sido ideia do Alberto dos Santos Dumont, um dos brasileiros mais criativos da História.
Pra quem inventou um veículo capaz de voar, criar a biruta foi fichinha: certamente Beto a bolou na mesma hora em que teve a ideia de atar o relógio no pulso, porque não tinha uma terceira mão pra tirar o patek philipe do bolsinho da calça enquanto fazia suas experiências aéreas nos arredores de Paris.
Por que falo de biruta? É a metáfora da hora.
Estamos sob nova direção pela vontade de 55% dos eleitores que decidiram: o Brasil deve caminhar pela direita após andar por alguns anos pela via da centro-esquerda.
Cabe perguntar se os brasileiros votaram baseados na biruta ou inspiraram-se em alguma sugestão do vento (“Blowing in the Wind”, como diz a canção) ou, ainda, no desejo secreto de cantar “Marcha, Soldado”?
É simplesmente absurdo que o exercício do voto, pilastra da democracia, tenha se tornado um espasmo quadrienal praticado a partir de sinais de fumaça emitidos por alguns aprendizes de feiticeiro que assopram dicas para os candidatos: “Diga que vai fazer isso porque é isso que as pessoas querem ouvir…”
Aí, depois de algumas semanas de bate-boca no rádio e na TV, os eleitores vão lá e apertam algumas teclas com a convicção de que estão fazendo a coisa certa.
Agora praticado em urnas eletrônicas que não emitem comprovante, o voto se tornou um exercício mais simbólico do que efetivo porque as campanhas eleitorais caíram nas mãos dos falastrões da marquetagem, que aplicam aos candidatos as técnicas de venda de produtos de consumo.
Encerradas as votações, os eleitos passam a responder à orientação de equipes que obedecem a planos macro de dominação político-ideológica.
A partir daí, os eleitores são arquivados por quatro anos e passam a ser considerados apenas consumidores.
Pergunnta-se por que não se usam os recursos da eletrônica, celulares, internet etc. para aprimorar de fato a democracia mediante consultas periódicas — mensais, bimestrais ou trimestrais, por exemplo — sobre questões fundamentais da vida das pessoas, famílias, comunidades?
Se as pessoas se acostumaram a digitar coisas  nos teclados em geral, por que não poderiam teclar SIM ou NÃO em relação a temas como PREVIDÊNCIA?
Por que as decisões fundamentais têm de ficar exclusivamente na mão de parlamentares que trocam seus votos por favores oferecidos por intermediários poderosos?
No fundo, birutas somos nós, os cidadãos.
LEMBRETE DE OCASIÃO
“É preciso que o fruto apodreça antes que a semente nova possa se desenvolver”.
(Do I Ching)