DULCE TORRES / Geração Y: exigente e inovadora

Uma geração que está entre nós já há algum tempo, mas que ainda não foi devidamente reconhecida pela sociedade atual: a Geração Y.

É um grupo que tem entre 18 e 35 anos, possui espírito inovador e capacidade investigativa, cultiva novas formas de relacionamento, comunicação e aprendizado, domina informática, aprecia a autonomia e consegue fazer várias coisas ao mesmo tempo. Se alguém possui esse perfil, se enquadra no que os sociólogos chamam de “Geração do Milênio, Net ou Y”. Esses jovens formam uma legião que, só no Brasil, já conta com 55 milhões de mentes inquietas que têm como uma das principais características o fato de estarem totalmente inseridos no contexto das transformações sociais e tecnológicas que levaram à popularização da Internet.

Essa geração, acostumada ao “tempo real”, que vive conectada ao mundo em rede, que inventou as “selfies”, e que oscila entre múltiplos relacionamentos virtuais ainda não está totalmente compreendida. São jovens conhecidos por serem extremamente ansiosos, com sentimento de autoestima fortemente elevado e por terem presenciado o surgimento do mundo digital, pois estão sempre ligados ao celular e se utilizam de uma gama de termos peculiares dos quais tentarei fazer uso neste texto.

Todas as formas de interação e de comunicação são feitas “de boa” por meio de dispositivos (tablets, smartphones, etc). Mas um contato online apenas não lhes é suficiente e executam várias coisas ao mesmo tempo dada a sua facilidade, versatilidade e familiaridade com essas ferramentas.

São acostumados a rapidez e a velocidade na chegada das informações. São bastante exigentes nesse quesito, pois estão acostumados a ter essas informações em mãos já que solicitadas, com o simples “clicar” de um botão. Afinal, foi assim que a sua vida começou.

Tudo se complica e “a parada fica sinistra” quando os “Y”, autênticos nativos digitais, invadem o mercado de trabalho em busca de um lugar ao sol, de uma oportunidade profissional, pois terão que conviver com seu oposto, a “Geração X” (pessoas nascidas na década de 60) e que pensam completamente diferente. Esse entrosamento é difícil e demorado.  Os “y” desejam, sim, trabalhar por prazer. E não é só isso… gostam de trabalhar “tipo” menos formal, ou seja, “bem manero” com jornadas flexíveis que lhes permita, “tipo” não apenas trabalhar das 8h às 18h, mas preocupar-se em saber o que produzirão entre esses horários. O que importa é fazer aquilo que gostam, é a sua realização pessoal. Se não houver essa realização, para eles, “não rola”, ou seja, não vale o investimento na profissão. Projetos são seu foco e a criatividade, a sua mola propulsora.

Vamos ver então o que todas essas características provocaram no cotidiano atual. São jovens cujo comportamento e objetivos alteraram, de forma veemente, os costumes atuais e os modelos de gestão tradicional até então arraigados às instituições de modo geral. Por esse e outros motivos tais como, dificuldade em obedecer a hierarquias, por exemplo, criaram conflitos e constrangimentos dentro de ambientes de trabalho que ainda não se adaptaram a essa nova geração de profissionais que assim agem porque lhes parece uma atitude normal e correta. Digamos que, na sua visão, estão “mandando bem”.

Para Don Tapscott, um estudioso da “Geração Y”, “essa geração possui algumas características interessantes e, porque não dizer, inéditas até aqui. Por exemplo, seu critério de julgamento é a “consciência” e não a “obediência”. Subordina-se a “vínculos” e não a “cargos”, gosta de ter autonomia, também de receber feedback a cada trabalho e é movido a elogios e reconhecimento. Não é orientado por “fins”, mas sim por “meios”.  Desafios e promoções são os seus objetivos.

Mas o que acontece quando um “Y” descobre que o mercado de trabalho é pouco atraente, tanto pela disponibilidade de vagas quanto pelo tipo de trabalho maçante que é ofertado? Nesse momento, a “chapa esquenta”. E o que fazer então? Certamente será partir em busca de outras paragens, do tipo “show de bola” que venham ao encontro de suas expectativas

Apesar de serem costumeiramente chamados de prepotentes e individualistas, os jovens dessa geração procuram sempre relacionar-se e interagir com pessoas de “tipo” todos os lugares do mundo. São jovens generosos que trocam experiências sem nenhum constrangimento e sem medo de ensinar ou aprender.

Além dessa interação constante, há a mobilização que essa geração tem para com as ações sociais, do meio ambiente e de sustentabilidade. Até hoje nunca uma geração interessou-se tanto por essas questões engajando-se nesses movimentos com todo o vigor de sua juventude. Fica provado então, através dessas constatações, que o futuro não terá caráter individualista, mas, sim, um caráter colaborativo.

Na verdade, são jovens de inteligência privilegiada, pensamento rápido, personalidade marcante e comportamento diferenciado. Se ele um dia chamar alguém de “cara” (quer seja homem ou mulher), calma! Não é falta de respeito, é cumplicidade… um sinal muito bom e significa que ele está “de boa” onde está. Não se deve impedir o “cara” de iniciar a frase com um sonoro “MEO”! Porque ele poderá ficar mudo e o que foi conquistado poderá se perder.

E vale a pena cuidar bem do “cara”? Vale, claro!  Afinal é esse “cara” que vai comandar empresas e o país lá na frente. Ele é a mais poderosa fonte de inovação e muita competitividade. Ele não é uma promessa… ele é bom agora, pois aprende a trabalhar com facilidade em rede, domina algumas dimensões ou expertises profissionais que geram processos ou produtos inovadores. Sua energia resulta em superação de obstáculos. Não se conforma com desempenho medíocre. Bem gerenciado é um profissional de alta performance muito disputado no mercado de trabalho e objeto de desejo de empreendedores natos.

Dulce de Almeida Torres é graduada em Letras Inglês, professora da Área de Linguagens e Sociedade da Escola Superior de Educação do Centro Universitário Internacional Uninter.                               

FRANCISCO ARID / De armas na mão

Nos últimos dias, foi noticiado um significativo aumento das candidaturas de policiais e/ou militares em relação às eleições anteriores.

São sargentos, delegados, coronéis que fazem da segurança pública sua principal bandeira, muitos dos quais se aproveitando do “efeito Bolsonaro” para concorrer a uma vaga nas prefeituras e câmaras de vereadores por todo o país.

Erra quem se apressa em condenar ou menosprezar esse fenômeno de forma generalizada, vendo-o necessariamente como um sinal dos retrocessos que o Brasil está vivendo.

Em primeiro lugar, o fato de que tantos candidatos dão tamanha atenção à segurança pública mostra que essa é uma preocupação real da população – afinal, o Brasil é um país com altíssimos índices de criminalidade e violência.

Os discursos populistas e violentos (que conhecemos da já consolidada “bancada da bala” e dos discípulos do bolsonarismo) de muitos desses candidatos devem ser repudiados, é claro, mas é importante lembrar que, se chegamos a esse ponto, é porque a segurança pública foi um tema negligenciado ou sucateado por vários governos anteriores, que inclusive adotaram medidas bem parecidas ao modelo militarista, punitivista e ineficaz defendido por partidos de direita.

Entretanto, não é somente por meio desses partidos que são lançadas candidaturas de policiais e/ou militares: também há, na área da segurança pública, candidatos com propostas progressistas que enfrentam o modelo vigente.

Se queremos combater o autoritarismo que toma conta da política e da polícia no Brasil, não podemos entregar à direita punitivista o monopólio do debate sobre segurança pública.

Por isso, a existência de candidaturas que disputam essa narrativa e apresentam alternativas viáveis e democráticas é algo a ser visto com bons olhos.

O Brasil é um país extremamente violento e autoritário. Por isso, em vez de condenarmos a priori a presença de policiais nas eleições, é essencial que levemos a sério as preocupações da população e nos informemos acerca dos candidatos.

A vitória de um modelo alternativo de segurança pública não pode depender de discursos fáceis e promessas vazias, mas de planejamento, propostas concretas e resultados.

Francisco Arid é estudante de Ciência Política na Universidade de Marburg, na Alemanha, e articulista da Saíra Editorial.

VILSON ROMERO / Renda cidadã, “pedaladas” e reeleição

Cá em Pindorama das hoje mais de 212 milhões de vidas, com cerca de 90 milhões delas ocupadas em atividades informais ou precárias, outros 67 milhões de  habitantes tiveram, até este início de primavera, acesso a uma ajuda governamental denominada de Auxílio Emergencial, para mitigar as chagas do desemprego, do desamparo, da fome, do abandono agravadas pela maior crise sanitária da história recente da humanidade.

Mas a linha do tempo da benemerência oficial acaba em dezembro, já tendo seu valor reduzido pela metade a partir de outubro. Porém a pandemia não foi debelada, a atividade econômica continua em retomada tímida e os níveis de empregos seguem deprimidos, e os desempregados e desalentados também.

Com isto, o governo começou a lançar balões de ensaio para ampliar seus programas de transferência de renda para amenizar as dores da desigualdade social que faz concentrar 41,9% da renda total do país na mão, no bolso, na conta ou no cofre dos 10% mais ricos.

O festival de desatino foi incomensurável.  Primeiro, aventaram a hipótese de extinguir o benefício do seguro-defeso pago a cerca de 800 mil pescadores no período de quatro ou cinco meses quando a pesca é proibida, depois ameaçaram detonar com o abono salarial, espécie de 14º salário devido aos trabalhadores formais que recebem até dois salários mínimos. Tudo isto para criar um novo programa denominado em agosto de Renda Brasil.

Por derradeiro, anunciaram, num deslize de autoridade do terceiro escalão que se pretendia congelar o reajuste de aposentadorias e pensões do INSS e dos Benefícios de Prestação Continuada (BPC) – auxílio pago a idosos e pessoas com deficiência de baixa renda – por dois anos para garantir grana para o projeto com ingredientes eleitorais evidentes.

Apesar de vitupérios em rede social, o mandatário que havia encerrado o debate sobre o assunto, voltou a carga rebatizando o auxilio oficial como Renda Cidadã e largou no colo do ministro da economia e do relator do Orçamento da União no Congresso a responsabilidade de “cavocar” fontes de financiamento no apertado caixa federal.

Começaram a ser entabuladas formulas criativas na contabilidade oficial.  A primeira operação casada divulgada pretendia desviar recursos destinados à educação básica que estão no Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb). Agregada a esta “pedalada orçamentária”, já que os recursos do Fundeb não estão submetidos ao teto de gastos, arquitetaram um “calote” de cerca de R$ 40 bilhões nos precatórios que são dívidas de ações judiciais transitadas em julgado e débitos líquidos e certos do governo com pessoas físicas e jurídicas.

A grita foi geral. A última hipótese no “samba do crioulo doido” é acabar com o desconto de 20% do Imposto de Renda da Pessoa Física, aplicado para aqueles que optam pela entrega da declaração simplificada. Só no ano passado, 17 milhões de declarações simplificadas foram entregues. Uma outra arquitetura ministerial  sinalizava acabar com as deduções médicas e de educação, já que elas beneficiam somente a classe média e não as camadas mais pobres da sociedade, estimadas em cerca de R$ 20 bilhões ao ano.

Como se vê, a situação está longe de ter uma definição. Dia destes, para contribuir, dois grandes jornais reuniram cerca de uma dezena de economistas para contribuírem com alternativas de recursos. Como era de prever, cada um deles tinha uma forma diversa para resolver a questão.

Enquanto isto, cerca de 70 milhões de brasileiros e aqueles que deles dependem ficam agoniados com as incertezas do que virá em 2022. Durma-se com um barulho destes.

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Vilson Antonio Romero é jornalista, auditor fiscal aposentado, conselheiro da Associação Brasileira de Imprensa e diretor da Associação Gaúcha dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil

ANTONIO BRITTO / Debate presidencial americano simboliza a crise da democracia

São dez cidadãos americanos, considerados independentes, respeitados pelo País, com destaque na comunidade acadêmica e em atividades empresariais. Formam a CPD – a Comissão para Debates Presidenciais –  instituição criada em 1988 para assegurar e organizar os encontros entre os candidatos que, a cada quatro anos, lideram a disputa para a Casa Branca.

A ideia de um “organizador neutro” tinha duplo objetivo. Primeiro, garantir que os debates ocorram depois das tentativas fracassadas em 1976, 1980 e 1984, anos em que o impasse entre partidos ou o desinteresse do líder nas pesquisas, impediu a realização dos encontros. E, mais importante, “trazer para o eleitorado debates educativos e de alta qualidade”.

Desde a última 3ª feira, após a pancadaria verbal entre Trump e Biden e o enorme desserviço prestado pelo debate, os dez integrantes da CPD não têm mais sossego. Andam em busca de uma fórmula que proteja os americanos, ao menos durante hora e meia, do personalismo, autoritarismo, grosserias, mentiras e descumprimento de regras.

De alguma forma, o debate se deixou contaminar pelo estilo redes sociais. Quem via Trump e Biden na verdade estava lembrando dos milhões de pessoas que têm sido estimulados pelas mais diversas plataformas a adotar o insulto e o ódio como formas de expressão e a intolerância como postura.

Por isso, a mudança nas regras dos debates, em discussão na CPD, de modo a preservar seus objetivos, simboliza perfeitamente a tensão e o esforço dos que em todo o mundo promovem a mesma busca, em escala maior e mais dramática: como proteger as instituições, onde existe liberdade, do mesmo tipo de inimigo.

Nos debates ou na vida politica, o problema é similar: suas regras e seus objetivos não se realizam se os atores em disputa não tiverem compromisso, atitude e comportamento, também eles, democráticos.

Respeitar o outro, ouvi-lo ao menos com atenção, falar sem grosseria, responder ao que se pergunta não são dispositivos válidos apenas para uma hora e meia de conversa, mas metáforas para a própria convivência democrática.

O que Trump fez em Cleveland, ao atropelar os manuais do debate e das boas maneiras,  revela na verdade sua posição sobre a essência da democracia: ela deve estar subordinada ao seu interesse. E, se seu interesse passa por descumpri-los, danem-se eles.

Ou, no caso brasileiro, o que faz Bolsonaro, o real, o do cercadinho, quando livre dos conselhos de alguns palacianos e de ambientes mais cerimoniosos, fica livre para mostrar o que é: um político que se sente apertado, desconfortável, sem condição de movimentar-se como queria, vestindo o traje democrático.

Provavelmente, o CPD vai anunciar pequenas mudanças para os próximos e últimos dois debates, especula-se nos Estados Unidos. Sejam quais forem, não alcançam Trump. Assim como nenhuma reforma do sistema eleitoral será capaz de evitar que a democracia, através do voto, acabe fragilizada pelos que não se conformam com ela.

Melhor e muito mais difícil seria seguir o sábio conselho do advogado, filósofo e professor gaúcho João Carlos Brum Torres, experiente e instigador ao transitar intelectualmente na discussão sobre a crise da democracia que grassa pelo mundo. Ele insiste, com acuidade, em sugerir que em vez de apenas questionarmos Trumps ou Bolsonaros ou tentarmos adequá-los à vestimenta democrática, comecemos a nos perguntar que razões, motivações ou  frustrações dos cidadãos pelo mundo levam estes tipos populistas e autoritários ao Poder.

Em outras palavras, a democracia, para os que a defendem, precisa com urgência entender o que fez e, especialmente o que não fez, para permitir que discursos e comportamentos como os da última terça-feira consigam ser majoritários, de forma crescente. Lamentar ou criticar, poderia dizer Brum Torres, pode nos consolar. Mas nosso problema só será resolvido quando a democracia souber equacionar e pagar o que está devendo à maior parte da população no mundo. E retirar dos que não a admiram ou a praticam a possibilidade de caminharem pelo solo ressecado mas fértil das frustrações coletivas

ELMAR BONES / A granada do Guedes

Paulo Guedes começou a perder o sentido no governo Bolsonaro na fatídica reunião do dia 22 de abril, cujo vídeo foi divulgado.

Para mostrar serviço, ele definiu seu projeto congelando o salário do funcionalismo como  “a granada no bolso do inimigo”.

Um ministro da economia que se refere ao funcionalismo público federal como “inimigo” em cujo bolso ele coloca granadas!

Até ali ele “personificava”, como diz O Globo, o programa econômico liberal que elegeu Jair Bolsonaro.  Mas ali já ficou claro que um outro plano estava em andamento e que Rogério Marinho era o seu mentor.

Desde então, é o Guedes que se move como quem tem no bolso uma granada, prestes a explodir.

Em editorial neste domingo O Globo diz que Bolsonaro está traindo “o projeto consagrado nas urnas”,  que eram as reformas personificadas em Paulo Guedes.

Mesmo a reforma da Previdência,  foi “esvaziada, desidratada, diluída até ficar aquém do mítico trilhão em economias exigido por Guedes”.

E só foi aprovada porque contou com “o apoio valioso do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, figura essencial na hora de suprir a indigência política de Bolsonaro e Guedes”.

Desde então, foi só decepção: “A transformação do Estado, urgente para trazer dinamismo ao serviço público e reduzir a desigualdade, corre o risco de se tornar uma reforma de Pirro. O programa ambicioso de leilões, concessões e privatizações, apesar de alguns avanços, também parece seguir a mesma sina. A sensação é de paralisia”.

Além de não entregar o que prometeu, diz o jornal que orienta a maior rede de comunicação do país, Bolsonaro “se tornou refém de um arranjo político instável, construído em nome de seu plano de reeleição”.

 

 

 

 

 

MARIA CAROLINA AVIS / Como funcionam os algoritmos das redes sociais

Depois do lançamento do documentário “O Dilema das Redes” no Netflix, muitas pessoas tentam entender como os algoritmos das redes sociais funcionam e, principalmente, se o conteúdo pode de certa forma, manipular os usuários. O documentário relata experiências de ex-colaboradores de empresas como Facebook, Google, Pinterest, Twitter e YouTube, mostrando que a principal forma de operação dessas empresas é com a captação de dados e monitoramento das atividades dos usuários.

O que acontece é que as redes sociais funcionam com base em algoritmos de relevância, ou seja, algoritmos programados para mostrar com prioridade o que é mais relevante naquele momento. Isso porque, de acordo com Brian Boland, vice-presidente de Tecnologia de Publicidade do Facebook, existem, em média, 1.500 histórias que poderiam aparecer no feed, cada vez que uma pessoa se conecta. O que cada um vê no momento em que entra na rede é personalizado de acordo com a relevância do conteúdo e daquela página específica.

Mas o que são os tais algoritmos? De acordo com o dicionário Aurélio, “algoritmo é um conjunto de regras e operações bem definidas e ordenadas, destinadas à solução de um problema”.

Segundo o Instagram, o alcance orgânico é de 100%, ou seja, se o usuário rodar o feed até o fim, ele verá todas as publicações, então para os criadores de conteúdo, a chance da publicação chegar a todos seus seguidores é de 100%, na teoria. Na prática, o alcance orgânico não chega nem perto da média de 10%. É claro que para que o conteúdo alcance mais seguidores, ele precisa ser altamente interessante, já que os critérios do algoritmo são de qualidade.

As redes sociais não abrem como funcionam os algoritmos, portanto o que se sabe foi percebido em testes e experimentos práticos, visando entender a operação dessa inteligência artificial. Mas o que dá para saber sobre seu funcionamento é que são baseados em relacionamento, temporalidade e engajamento.

Relacionamento: você já percebeu que quando abre alguma rede social, vê com prioridade as postagens dos perfis que você se relaciona mais? Isso inclui: fotos com marcações, check-ins nos mesmos lugares, curtir a publicação um do outro, compartilhar a publicação um do outro, comentar nas publicações, responder inbox, passar certo tempo assistindo vídeos ou stories, clicar no “ler mais” para ver toda a legenda, marcar nos comentários, e até mesmo a velocidade com que se assistem os conteúdos; se a pessoa postar agora e eu abrir agora seu conteúdo, significa que tenho interesse naquela página. Se a pessoa postar uma sequência de 10 vídeos no stories e você assistir aos 10 sem pular, significa para o algoritmo, que você que tem interesse naquele conteúdo. Mas não é um desses fatores isolados que determina a ordem dos resultados, mas a junção de vários deles.

Temporalidade: apesar de as redes sociais não disponibilizarem as publicações por ordem cronológica, o tempo de uma publicação ainda é levado em consideração. Em geral, após 7 dias as publicações tendem a perder vez, e as mais recentes são mostradas com prioridade. É claro que cada rede social tem sua programação de relevância. No LinkedIn, por exemplo, uma publicação pode durar meses rodando no feed, já que existem poucos usuários produzindo conteúdo e a maioria apenas consome conteúdo, então o feed é, geralmente, menos disputado. Uma ótima oportunidade para gerar conteúdo relevante e alcançar uma boa base de pessoas.

Engajamento: é medido pelas curtidas, comentários, reações, compartilhamentos, envio da publicação via DM (mensagem direta no Instagram, quando você envia uma publicação para um amigo pelo bate-papo) e publicações salvas. O algoritmo calcula a taxa de engajamento das publicações para priorizá-las, então é natural que publicações com bastante engajamento apareçam com prioridade no feed, para dar maior visibilidade.

No LinkedIn, funciona diferente, na principal rede social profissional do mundo, para que uma publicação tenha boa posição no feed, ela precisa ter um conteúdo muito bom. Assim que a publicação é feita, os algoritmos analisam o conteúdo para classificá-lo, e se for spam ou conteúdo copiado, não terá bom alcance, ou podem até ser tirados do ar. O conteúdo é analisado pelo engajamento. As postagens com maior engajamento têm prioridade no feed. Quando um conteúdo viraliza, a postagem tem ainda mais chance de ficar no topo do feed, já que concentra muitos likes e comentários. Além disso, o LinkedIn analisa quais os temas mais relevantes para cada usuário e prioriza postagens sobre este tema.

Como mostrado no documentário, existe sim a especulação de que as grandes empresas de tecnologia manipulam as informações que recebemos, para fazer com que tenhamos preferências específicas. Em 2012, o Facebook financiou um experimento em que milhares de usuários tiveram seu feed manipulado, para analisar seu “contágio emocional”. Foi um estudo em conjunto com pesquisadores e universidades, em que o algoritmo do feed de mais de 600 mil usuários foi manipulado com conteúdos que manipulavam seus sentimentos. O objetivo era compreender se mensagens animadoras ou depressivas apresentadas aos usuários poderiam influenciar no emocional, refletidos em seus status. O estudo “contágio emocional em larga escala”, realmente constatou que as pessoas que foram expostas ao experimento reagiram atualizando seus status de acordo com o conteúdo que viram em seus feeds. Como essa pesquisa foi financiada pelo próprio Facebook, reforça que sim, podemos ser manipulados pelos algoritmos de relevância. E igualmente, uma empresa pode ter sua performance prejudicada, ou melhorada, pelos critérios de qualidade.

Maria Carolina Avis é professora do curso de Marketing Digital do Centro Universitário Internacional Uninter.

PAULO BRACK / Ecossistemas costeiros sob ataque do governo federal

Mais uma vez o governo federal inova no retrocesso em matéria de meio ambiente, via seu ministro, Ricardo Salles, condenado em primeira instância por improbidade administrativa.

Em regime de urgência foi colocada na pauta1 do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) para esta segunda-feira, 28 de setembro, uma proposta de resolução que
prevê a revogação das Resoluções do Conama n. 284/2001 e as de números 302 e 303 de 2002. Na realidade, desde o ano passado, o ministro já montava a derrubada de normas e resoluções infra legais (abaixo das leis), a partir do Decreto 10.139/2019, assinado pelo presidente Jair Bolsonaro. Porém, a partir de suas declarações que acabaram sendo vazadas no final de abril de 2020, o atual ministro de Meio Ambiente
parece ter levado a sério o termo “passar a boiada” em matérias ambientais.

O Conama, que define normas e critérios ambientais, já foi esfacelado em sua estrutura em meados de 2019. Em decorrência desta fragilização, o governo e os setores empresariais tem ainda mais poder de decisão. O Conselho teve seus membros reduzidos de um pouco mais de 96 para 23 representantes. As entidades civis perderam representação. Entidades da sociedade civil viram suas representações caírem de 23 para 4. Foi imposta a escolha das poucas entidades via sorteio. Os estados também perderam representação. Em um país de proporções continentais, a composição anterior tinha o objetivo de garantir maior representatividade aos diferentes segmentos da sociedade.
Se forem revogadas estas resoluções, em especial a Resolução 303/2002, estariam sendo derrubados artigos importantes de proteção a áreas de preservação permanente (APPs) de dunas, restingas e manguezais do litoral brasileiro. Cabe destacar que a referida resolução define proteção contra qualquer construção em dunas e restingas, em uma zona de 300 metros a partir do nível mais alto do mar para o continente, em áreas que
não urbanas de municípios litorâneos. Com isso, abre-se espaço para a especulação imobiliária desenfreada em faixas de ecossistemas litorâneos além de ocupação ainda mais indiscriminada de áreas de mangues para produção comercial de camarão por grandes empresas e em vegetação de praias.

É importante destacar que a Zona Costeira é Patrimônio Nacional, conforme o Artigo 225 da Constituição Federal, juntamente com as formações de restingas, também amparadas pela Lei da Mata Atlântica (Lei 11.428/2006). A partir desta decisão, podemos esperar que a flora e fauna exclusiva e endêmica destas áreas estejam em situação ainda mais crítica de ameaça de extinção, com situação provável de prejuízo às populações humanas, com o aumento do nível do mar (com aumentos de 0,5 a 1,5 m até 2100, segundo o IPCC), causado pelo aquecimento global,
com consequências dramáticas em áreas urbanas litorâneas, ainda mais agora, sem a presença de barreiras de dunas nas zonas próximas ao mar.
A justificativa do governo, que está expressa em documento4 da consultoria jurídica do MMA (CONJUR-MMA), com a alegação de que essas resoluções teriam “perdido a validade” a partir da Lei 12.51/2012 (Lei de Proteção à Vegetação Nativa, ou “Código Florestal”). A tentativa já tinha sido realizada em 2017, um ano após o golpe que retirou a presidente Dilma Rousseff. Entretanto o TRF4 apresentou parecer contrário a uma
demanda no mesmo sentido, a partir de ação da companhia de abastecimento de água de São Paulo (CETESB), autuada por intervenção em desconformidade com a legislação, tentando deslegitimar a resolução 303/2002.

Deve-se considerar que estas resoluções são instrumentos legais concretos que vêm protegendo, com maior efetividade, a nossa Zona Costeira.

O grande lobby de megaempreendimentos como resorts, condomínios fechados de alto luxo e empresas de criação de camarão do Nordeste deseja flexibilizar a legislação. Entretanto, esquecem que a Constituição Federal define, em seu artigo 225, também a proteção à diversidade biológica, às espécies ameaçadas, destacando-se neste caso, no sul do Brasil, o lagartinho-das-dunas, o tuco-tuco-branco, o sapinho-da-areia, as
dezenas de aves migratórias que se abrigam em pequenas dunas com plantas também exclusivas e adaptadas à elevada salinidade. Existem outras tantas centenas ou milhares de espécies de flora e fauna exclusivas no litoral brasileiro.

No que se refere a possibilidade de revogação da Resolução Conama  284/2001, desapareceriam os critérios federais para licenciamento ambiental de empreendimentos de irrigação. Ganharia o agronegócio imediatista e perderiam ecossistemas aquáticos e populações que se abastecem de águas em uma mesma bacia que tem disputa pelo
escasso recurso água, bombeado para irrigação. Quanto à Resolução 302/2002, entre outras perdas, não haveria definição da faixa de Áreas de Preservação Permanente junto a reservatórios de água.

Como afirma Carlos Bocuhy, presidente do Instituto Proam, “todas essas resoluções mereceriam uma discussão aprofundada”. E cabe lembrar que as resoluções em curso, sujeitas à revogação, foram discutidas e construídas amplamente durante anos. Agora, o governo usou o instrumento de regime de urgência, o que inviabiliza, inclusive, o
pedido de vistas à matéria por parte de qualquer membro do Conama.

O retrocesso em temas socioambientais e o descumprimento da Constituição Federal parecem não ter fim neste governo. A flexibilização das normas terá efeitos devastadores à proteção das Zonas Costeiras, à biodiversidade e as condições de maior vulnerabilidade das habitações nas zonas litorâneas, com a elevação evidente do nível do mar. Mais uma matéria a ser judicializada, no país que vê desaparecer sua democracia.

Paulo Brack é professor do Departamento de Botânica do Instituto de Biociências da UFRGS e integra a coordenação do InGá (www.inga.org.br)

(Este artigo foi elaborado às vésperas da 135a reunião do Conama)

GUILHERME CARVALHO / Motivos pra duvidar da tempestade perfeita do Jornalismo

A noção de crise no jornalismo tem perseguido profissionais, estudantes e pesquisadores da área com mais frequência nos últimos anos. Os fatores que estariam provocando a comunidade a se preocupar com o futuro da profissão estão associados a um aspecto conjuntural que poderia ser compreendido, no linguajar dos economistas, como uma “tempestade perfeita”.

A metáfora refere-se à “convergência de circunstâncias que levam a uma catástrofe”, conforme descrito por Daniel Fernandes, em um artigo publicado no Estadão, em 2015, ao lembrar que o uso se popularizou a partir do livro “The perfect storm”, de Sebastian Junger, também roteirizado para filme (traduzido no Brasil como “Mar em fúria”).

Há uma certa razão nisso. O jornalismo vive períodos turbulentos. E a realidade dá algumas pistas disso. Vejamos 4 aspectos fundamentais da crise:

  1. Em primeiro lugar, o jornalismo perdeu a primazia na produção e circulação de informação. A internet impôs um cenário de hiperconcorrência, escancarado pelas novas possibilidades de comunicação, conforme explicam os canadenses Jean Charron e Jean Bonville.
  2. Esta nova realidade avança para um segundo aspecto da crise, descrito no famoso e controverso dossiê do jornalismo pós-industrial de C.W. Anderson, Emily Bell e Clay Shirky.  Além da pulverização da audiência, que passa a consumir informação (ou desinformação) em outros ambientes, reduzindo o valor do espaço e tempo publicitário dos jornais, o movimento de fuga de recursos de anunciantes soma-se às novas possibilidades de comunicação entre organizações e público.
  3. Como consequência, temos o avanço do terceiro aspecto, expresso pelas dificuldades das empresas em garantir os empregos de jornalistas e o investimento em produções mais caras, como as grandes reportagens.
  4. O quarto e mais recente movimento diz respeito ao cenário político e pela chamada pós-verdade. Em países como Brasil, Estados Unidos, Hungria, Índia, entre outros, a crise das instituições, da qual emerge um novo tipo de populismo neoliberal, calcado também na desinformação e ataques ao jornalismo, tem promovido a desconfiança sobre o valor do trabalho jornalístico. As pessoas agora questionam, geralmente pelos motivos errados, se os jornais realmente estão pautados por critérios de relevância social e interesse público.

E, de quebra, ainda temos a pandemia, que aprofunda a fuga de capital publicitário dos jornais e exige a adaptação de jornalistas ao trabalho remoto.

O jornalismo, aquela atividade cuja função primordial tem sido inegavelmente a de dar sentido ao conceito de interesse público, deve ser percebido a partir do seu papel informativo marcado pelas contradições inerentes a uma instituição cujas lógicas fundamentais são a expressão da crise da modernidade: o aspecto comercial (interesse privado representado pela necessidade de audiência e captação de recursos para sustentação do negócio) e o aspecto emancipatório (interesse público representado pelo ímpeto jornalístico na busca por acesso à informação e justiça social).

A partir de um olhar histórico, portanto, podemos relativizar o sentido da crise do jornalismo ou do que poderia ser chamado de tempestade perfeita.

Como demonstra a pesquisadora estadunidense Elizabeth Breese, o jornalismo vive uma crise perpétua demarcada por um discurso que, volta e meia, ganha força, colocando em questão o futuro do jornalismo e da profissão. Geralmente mudanças tecnológicas, novas mídias ou novos perfis de entrantes na profissão tendem a arrefecer os argumentos dos mais saudosistas.

Se observarmos alguns dados recentes, como do Instituto Reuters, que monitora o consumo jornalístico anualmente mais de 40 países, veremos que nem tudo está perdido. Pelo contrário. A partir de um olhar geral sobre a compreensão da importância do jornalismo na vida das pessoas, o que temos é uma curva ascendente em muitos aspectos. Eu listo aqui 6 motivos para duvidarmos da tempestade perfeita.

  1. As organizações jornalísticas aparecem em quarto lugar dentre as mais confiáveis para se saber sobre o coronavírus, atrás apenas de cientistas, médicos e organizações de saúde. No Brasil, a proporção de pessoas que se diz preocupada com a difusão de conteúdos falsos na internet é de 84%, o que coloca o país no topo do ranking, sendo que 40% identificam estes conteúdos como provenientes do meio político, indicando algum grau de senso crítico sobre o assunto.
  2. Outro dado interessante é sobre os assinantes de veículos na web. Nos Estados Unidos 20% das pessoas assinam sites jornalísticos, na Noruega 42% e na Argentina 11%. No Brasil, grandes e pequenas marcas jornalísticas também têm comemorado o crescimento de assinantes. Estes são números promissores que indicam a capacidade de sustentação financeira do jornalismo pelo consumidor direto, sobretudo porque a maior parte das pessoas que assinam, o fazem porque acreditam que terão informação de qualidade.
  3. Outro dado importante que aponta a existência de uma demanda por produtos jornalísticos diz respeito ao jornalismo local. 71% das pessoas dizem buscar informações em sites de notícia local e o Brasil lidera o ranking mundial de pessoas que se dizem interessadas em notícias locais, com 73%.
  4. Diferentemente das análises que apontam uma redução da capacidade de cobertura horizontal e vertical do jornalismo, o que temos é um mercado cada vez mais heterogêneo e segmentado. Poderíamos listar uma série de inciativas que se abrem como novas possibilidades de trabalho aos jornalistas
  5. Consideremos ainda a demanda pelo trabalho de checagem de informações que vem se consolidando nos últimos anos, além de outras novas diversificações do trabalho jornalístico como as lives que vêm fazendo enorme sucesso, convertendo-se em novas oportunidades de faturamento.
  6. Por fim, é preciso também lembrar das produções para streaming, como documentários e podcasts, que têm apresentado um crescimento significativo nos últimos anos. Nunca se consumiu tanta notícia como agora, porque também nunca se teve tanto acesso e tanta diversidade de oferta e de canais neste mercado.

Não estamos dizendo que o jornalismo está superando a crise, porque a crise do jornalismo é insuperável. Mas se nos permitirmos estabelecer uma visão mais ampla do jornalismo, a partir de um olhar histórico, veremos que esta é apenas mais uma tempestade que desafiou o jornalismo a se adaptar à realidade. Não significa que temos um jornalismo melhor do que antes. Significa que temos novas condições em disputa que oferecem possibilidades de avanços e retrocessos.

Autor: Guilherme Carvalho é doutor com pós-doutorado em Jornalismo. Professor e coordenador do curso de jornalismo do Centro Universitário Internacional Uninter. Diretor científico da Associação Brasileira de Ensino de Jornalismo (ABEJ).

ANTONIO BRITTO / A democracia também precisa de vacina

Sinal dos tempos e assustador. A maior democracia do mundo, os Estados Unidos, entra na fase decisiva para escolha do novo presidente tendo como principal tema a ameaça de uma infindável disputa judicial, um nível recorde de radicalização e, talvez, o comprometimento do próprio processo de transição entre Trump e Joe Biden, se este obtiver a vitória até agora apontada pelas pesquisas.

Trump nos últimos dias confirmou, definitivamente, que conhece apenas um limite – o seu interesse. Trata o país e a constituição norte-americana como um dos terremos ou prédios que conquistou, geralmente de forma controvertida, ao longo de sua vida como empresário.

A entrevista que concedeu nesta 4ª feira (24) rompeu, mesmo para quem está acostumado aos padrões dele, qualquer noção de respeito ao processo democrático. Basicamente, Trump diz: vou apressar a indicação de um novo juiz para a Suprema Corte porque a disputa com Biden, se eu perder, vai se transformar em um impasse e este será decidido lá. Preciso garantir – e logo – um voto a mais.

Não haveria situação mais clara para identificar a crise política norte-americana: a uma semana do primeiro debate entre os dois candidatos e a seis semanas da eleição, Trump não prioriza buscar o voto de milhões de norte-americanos. Concentra-se na Suprema Corte, diminuída à condição de “tapetão” onde derrotas sofridas no campo legítimo de jogo possam transformar-se em vitórias.

A estratégia, que se amplia à medida em que as pesquisas indicam uma possível vitória de Biden, passa por requintes como o estímulo –pelo próprio Trump – à irregularidade com o pedido para que cada eleitor vote mais de uma vez pelos correios. Logo depois, o mesmo Trump anuncia que a eleição será fraudada. Por isso não se compromete a reconhecer seu resultado e, em consequência, a assegurar uma transição nos termos da Constituição e da tradição democrática, como demonstrou a extraordinária reportagem publicada esta semana pela revista The Atlantic.

Diante de um personagem como esse – e não é o único no mundo – como a democracia pode se defender? Que dispositivo legal poderia prevenir ou corrigir atitudes como esta ? Os norte-americanos, seguramente, deverão aprofundar a discussão sobre o anacronismo de um colégio eleitoral que pode se opor ao veredito popular e um complexo e ultrapassado sistema de apuração dos votos.

Voltemos, uma vez mais, ao “Como as democracias morrem”, obra emblemática sobre as crises atuais. A aceitação das regras do jogo, que os autores classificam como “tolerância mútua” e a “contenção” , não se pode estabelecer ou exigir por lei. A democracia, assim, não é apenas um conjunto de dispositivos escritos mas, e principalmente, uma prática consolidada e respeitada que pressupõe, para isto, que seus personagens compreendam, aceitem e atuem em conformidade com o não escrito –reconhecimento e tolerância com os outros.

Levitsky e Ziblatt, os autores, já tinham alertado: o maior risco, hoje, para as democracias não está no golpe de Estado, a quartelada tão típica de tempos idos e, sim, na “erosão” de práticas e princípios. “Democracias podem morrer não nas mãos de generais, mas de líderes eleitos… que subvertem o próprio processo que os levou ao poder”.

Hoje, porém, a revolução tecnológica gerou um grave problema político: equilíbrio, moderação, sensatez não “causam” nas redes sociais, não “impulsionam” o número de seguidores, não “viralizam” e passam como antigas nesses tempos em que o ódio virou instrumento de marketing. As figuras quase paternas que o Pós-Guerra consagrou como estadistas seriam hoje “entediantes”, como se diz de Biden. E maus candidatos.

As próximas semanas não serão importantes apenas por elegerem um novo presidente para os Estados Unidos. O que acontecer de hoje até novembro ou janeiro ou… dirá muito sobre o tamanho da doença que afeta o processo político no mundo. Não é, por enquanto, uma pandemia mas, a exemplo da que nos aflige com a covid-19, não descobrimos ainda a vacina que preserve sofridas conquistas civilizatórias como a liberdade e a democracia.

Antônio Britto é jornalista e foi governador do Rio Grande do Sul (1995-98)

VILSON ROMERO / A reforma administrativa e o loteamento do Estado

O governo federal enviou à Câmara dos Deputados no início de setembro a reforma administrativa há tanto anunciada e postergada por razões técnicas e políticas, agravadas pela pandemia que, desde março, assola o País.

Há diversos aspectos envolvidos nessa Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 32/2020, mas, basicamente, ao modificar 12 artigos da Constituição Federal (CF), com supressões ou revogações parciais ou integrais e acrescentar cerca de uma dezena de regras transitórias, o governo foca em duas questões primordiais: a eliminação do Regime Jurídico Único (RJU) e o fim do instituto da estabilidade.

Se aprovado como está o texto, o RJU (Lei 8.112/1990), determinado pelo artigo 39 da CF/88, em sucessão ao anterior Estatuto dos Funcionários Públicos Civis da União (Lei 1.711/1952) será desmembrado em cinco tipos de contratação nos entes públicos: a) vínculo de experiência, b) vínculo por prazo indeterminado (sem estabilidade), c) cargo típico de Estado (com estabilidade), d) vínculo por prazo determinado (temporário), e)cargo de liderança e assessoramento (equivalente aos atuais cargos de confiança).

Com isto, parece uma volta ao passado, com a extinção da exigência de concurso público para a maioria das admissões públicas, tal qual os celetistas pré-CF/88, que por beneplácito dos constituintes de então, transformaram-se, numa tacada, em estatutários. Cerca de 300 mil pessoas foram efetivadas e passaram a fazer jus à estabilidade, integralidade e paridade, em decorrência desta regra casuística benevolente, por estarem trabalhando nos órgãos da União desde 1983, sob o regime da CLT.

Ao mesmo tempo, o governo propõe fim ao instituto da estabilidade que surgiu no Brasil em 1915 com a Lei nº 2.924/1915, foi recepcionado pela CF de 1934 e desde então tem sido mantido em todas as Cartas Magnas nacionais.

Antes da CF/88 era direito conferido após dois anos de efetivo exercício e o servidor só perderia o cargo por infração disciplinar grave apurada em processo administrativo disciplinar (PAD).

A partir de 1988, a estabilidade passou a ser conferida após três anos ao servidor admitido em concurso público e aprovado em avaliação de desempenho, sendo possível a demissão nos casos de sentença judicial transitada em julgado, processo administrativo disciplinar e insuficiência de desempenho.

Em hipótese alguma, configurou-se, ao longo dos tempos,  a estabilidade como um privilégio inamovível. Apesar de a avaliação de desempenho ainda carecer de regulamentação, tal fato não impediu a União, por exemplo, de demitir servidores, mesmo sendo estáveis.

Desde 2003, foram cerca de oito mil servidores demitidos “ a bem do serviço públicos”, por diversas razões, desde desídia até corrupção, negligência e abandono.

Portanto , não há que se falar em blindagem dos servidores, mas sim, em proteção do interesse público coletivo ao impedir perseguições políticas e pessoais e evitar que órgãos públicos percam profissionais qualificados, ao livre arbítrio do governante da hora.

Da mesma forma, se extinto o RJU, abre-se a porta para a contratação de apaniguados dos inquilinos dos palácios que se alternam a cada eleição, eliminando a memória, a profissionalização necessária ao bom atendimento à cidadania, por fim, loteando o Estado de maneira a fazê-lo sucumbir, dentro dos preceitos ditados pelo Senhor Mercado e dos princípios do Estado Mínimo tão defendido pelos liberais e privatistas.

Ninguém pode ser contra aperfeiçoar, melhorar o serviço público, em todos os Poderes e esferas de governo, fazendo assepsias em exageros e excessos.

Mesmo com suas carências, o brasileiro sofreria muito mais na maior crise sanitária de todos os tempos, se não houvesse um serviço público de qualidade. Nos hospitais, na segurança pública, na diplomacia, no atendimento virtual, e, na maioria expressiva das atividades, que permaneceram, mesmo em teletrabalho ou sofrendo os riscos da atividade presencial, atendendo aos cidadãos.

Mas é muito preocupante a possibilidade de precarização do serviço público, no cenário que se avizinha se prosperar a tramitação dessa PEC, nos moldes como concebida.

Vilson Antonio Romero é  jornalista, auditor fiscal aposentado, conselheiro da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), assessor da presidência da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip), e-mail: vilsonromero@yahoo.com.br