Mário Maestri, historiador e professor do PPGH da UPF
O velho caudilho rio-grandense alegraria-se com o elogio que lhe traçou Lauro Schirmer, na biografia Flores da Cunha de corpo inteiro, lançada com ampla divulgação pela RBS Publicações [239 pp, 30 reais]. Autor de outros estudos de cunho histórico, o conhecido jornalista rio-grandense aborda em forma elogiosa até mesmo aspectos pessoais discutíveis do ex-líder republicano, como a sua descontrolada paixão por “mulheres ligeiras”, pelo carteado, pelas corridas de cavalo.
Gaúcho de choro frouxo, Flores da Cunha chegaria às lágrimas com o ataque sem peias de Schirmer ao seu arquiinimigo Getúlio Vargas, antigo correligionário, companheiro de revoluções e, finalmente, responsável por sua deposição do governo do RS, em 1937, por seu exílio no Uruguai, por sua prisão na ilha Grande, no Rio de Janeiro. Sem dó, Schirmer desanca Vargas como ditador frio, mesquinho e sórdido, capaz de todas as infâmias.
Com enorme pertinência, o biógrafo destaca a minoração do papel histórico do caudilho sulino, nos anos 1930, quanto ao Rio Grande do Sul, como interventor-governador do Estado, por sete anos, e, no que diz respeito ao Brasil, como o grande responsável pela derrota da Revolução Constitucionalista, em 1932, e, sobretudo, como derradeira barreira ao golpe getulista do Estado Novo, de novembro de 1937.
A beatificação de Flores da Cunha como político liberal-democrático infesto a qualquer ditadura atrapalha a compreensão de seu enorme papel histórico. Flores foi lídimo filho do republicanismo positivista que, para defenestrar os segmentos liberal-pastoris dominantes, dominou o Rio Grande por quase quarenta anos sem pruridos democráticos. Flores da Cunha nasceu e alimentou-se nesse caldo autoritário e reinou sobre o Rio Grande, em 1930-35, sem perder o sono com a origem discricionário de seu poder.
O confronto entre Flores da Cunha e Getúlio Vargas não foi choque entre o bem e o mal, entre a integridade e a perfídia, entre a democracia e a ditadura. Para além das idiossincrasias pessoais, os dois políticos republicanos e positivistas sulinos eram um a cara do outro, farinhas do mesmo saco. No frigir dos ovos, desempenharam, de certo modo, o mesmo papel, um no Rio Grande, o outro no coração do Brasil. O choque de fins de 1937 deveu-se ao fato já sabido de que dois bicudos jamais se beijam.
Se Flores da Cunha fosse inimigo visceral da ditadura, não teria traído a palavra empenhada e reprimido correligionários e aliados rio-grandenses, condenando ao isolamento e à derrota a Revolução Constitucionalista, e, assim, assegurando que Vargas continuasse no poder. Em 1932, mesmo temendo Getúlio, o caudilho rio-grandense temia ainda mais o retorno da ordem liberal-oligárquica da República Velha, que fulminaria seu projeto de inserção privilegiada do Rio Grande na nova ordem nacional em construção.
O ambicioso programa florista de relançamento da economia agrária, pastoril e industrial sulina, de 1930-37, foi continuidade e superação das iniciativas de Vargas, quando governador do Estado, em 1928-30. Getúlio rompeu apenas com seus laços sulinos porque, no governo da nação, expressando o industrialismo carioca e paulista dominante, implementou nacionalmente o mesmo projeto sonhado por Flores para o Sul. E, se não o fizesse, teria sido possivelmente afastado do governo e reduzido a uma nota de pé-de-página da história do Brasil contemporâneo.
O duro tratamento dado por Vargas ao oponente derrotado não se deveu à maldade pessoal, mas à importância e perigo político que ele representava, mesmo no exílio. Flores da Cunha prosseguiu conspirando desde o exílio uruguaio, não vacilando sequer em envolver-se na fracassada tentativa de assassinato do ditador-presidente, na madrugada de 11 de maio de 1938, quando do assalto ao palácio Guanabara, capitaneado pelos integralistas, que passaram para a história como os quase únicos responsáveis pelo ato de sangue. Certo da liquidação de presidente-ditador, Flores da Cunha distribuiu a jornalista de Montevidéu versão sobre a vitória do ataque.
A minoração do papel histórico de Flores no Rio Grande registrada por Lauro Schirmer certamente se deve ao combate incessante à sua imagem pelo Estado Novo, que lhe cassou o título de general do Exército, conquistado por hábeis, reiteradas e destemidas intervenções nos campos de batalha; retirou seus bustos e seu nome de praças, ruas e educandários e, finalmente, o julgou, condenou e encarcerou, por longos nove meses.
Na quase amnésia histórica rio-grandense, certamente desempenhou papel significativo o retorno de Flores da Cunha à política, após 1945, em oposição visceral ao seu desafeto já despida de sentido político e social, nas filas da conservadora UDN, que jamais gozou de prestígio, sobretudo popular, no Sul, onde reinou forte o PTB de Getúlio, Jango, Brizola. No crepúsculo de sua vida, em 1955, o velho caudilho redimiria-se de sua opção conservadora, ao apoiar, como presidente interino da Câmara, a liquidação pelo general Lott das articulações golpistas do seu partido, a UDN, para impedir que Juscelino Kubitschek e João Goulart, eleitos presidente e vice-presidente, assumissem os cargos.
Flores da Cunha arregimentou contra o projeto ditatorial de Vargas, que sabia ser estruturalmente antagônico com a autonomia e desenvolvimento industrial do Rio Grande, a então poderosa Brigada Militar, forças irregulares, equipadas com modernas armas iugoslavas, e oficiais e tropas anti-golpistas do exército sediados no Rio Grande. Seu poderoso esquema militar foi vergado sem resistência devido a deserções internas.
Essas defecções registraram que importantes facções sulinas negaram apoio ao projeto autonômico de Flores da Cunha, satisfeitas com a posição subordinada de “Celeiro do Brasil” destinada ao Estado na nova reorganização nacional do trabalho em construção.
A moderna historiografia sulina registrou a adesão maciça dos intelectuais sulinos ao Estado Novo, despreocupados com a subordinação do Estado ao industrialismo do Centro-Sul. Foi como se o florismo não tivesse deixado herdeiros mesmo intelectuais no Rio Grande. Em 1945, com o fim da ditadura, o grande acontecimento cultural foi a celebração das raízes pastoril-regionalistas, na literatura e no tradicionalismo, e não a retomada dos ideais floristas. Apenas em 1958, o jovem governador Leonel Brizola, o derradeiro caudilho sulino, voltaria a questionar a minoração nacional do RS. Responsável pela restituição do nome de Flores da Cunha ao Instituto de Educação, retirado durante o Estado Novo, Brizola seguiria muito logo também para o exílio uruguaio, devido a golpe militar que, apoiado pela imensa maioria dos proprietários sulinos, consolidaria sem dó a subordinação nacional e internacional da economia sulina.
Autor: Elmar Bones
Imprensa, pressões e tribunais
Vilson Antonio Romero, jornalista, diretor da Associação Riograndense de Imprensa
Os jornalistas brasileiros trabalham atormentados por pressões das mais diversas origens buscando alterar matérias, editar textos ou evitar publicações que mencionem situações, pessoas ou empresas em situação irregular, ilegal ou criminosa. A Revista Imprensa atesta esta condição ao tabular e divulgar pesquisa com 400 profissionais em atividade no primeiro semestre deste ano. E reforça: 86% dos repórteres, editores, apresentadores e pauteiros que responderam à enquete já sofreram pelo menos dois tipos diferentes de pressão profissional, interna ou externa.
As ocorrências mais freqüentes envolvem: pedido de não publicação ou divulgação de matéria (73%), ameaça de processo jurídico (47%), solicitação de manipulação de dados ou informações (39%) e ameaça de demissão ou afastamento efetivo (18%). Apesar de a maioria maciça dos entrevistados (85%) reconhecer que a liberdade de exercício da profissão é mais complicada e mais estreita no interior do Brasil, outra pesquisa recente também traz preocupação aos profissionais da imprensa dos grandes centros.
A organização não-governamental (ONG) Article 19, com sede em Londres e escritório recentemente instalado no Brasil, e que pauta sua atuação com a bandeira da liberdade de expressão, revela dados assustadores sobre a relação entre a imprensa, o cidadão e os tribunais.
Com base em levantamento feito pela revista Consultor Jurídico, a Article 19 constata que existe uma ação de indenização por danos morais para cada jornalista que trabalha nos cinco principais grupos de comunicação do país (Folha, Globo, Estadão, Três e Abril). Estão tramitando cerca de 3,1 mil processos para um universo de 3,3 mil profissionais atuando nos setores de comunicação social destas empresas.
Um outro dado preocupante é que o valor médio das indenizações passou de R$ 20 mil em 2003 para R$ 80 mil em 2007, enquanto o salário médio de um jornalista brasileiro é R$ 1,5 mil.
Apesar de a maioria dos processos versar sobre nomes e empresas reveladas em processos, apurações e investigações sobre corrupção, desvios de recursos e escândalos envolvendo políticos, governantes e magistrados, fica evidente a fragilidade da estrutura legal sobre a qual se assenta o pilar da liberdade de imprensa no país.
Tanto a elevada pressão sofrida nas redações ou fora delas pelos profissionais no exercício da atividade de bem informar, quanto a ameaça constante de serem – estes mesmos profissionais – chamados “às barras dos tribunais”, evidencia a falta de um marco regulatório no setor, a inexistência de salvaguardas classistas e jurídicas e escancara uma conjuntura desmotivadora evidente para os jornalistas que pretendem independência, isenção e profissionalismo na busca e na transmissão da informação.
1917 – Um Ano Vermelho Também no Brasil
Mário Maestri, historiador e professor da UPF.
A Primeira Guerra mundial ensejou expansão das exportações primárias e da produção industrial no Brasil. A conjuntura internacional favorável aos grandes proprietários foi acompanhada por grave deterioração das já duras condições de existência das classes populares, agoniadas pela carestia dos alimentos, dirigidos à exportação, ou dos manufaturados, escassos devido à militarização da indústria européia e estadunidense e produzidos no país a preço elevados.
Em 1917, ocorreram através do Brasil e do Rio Grande do Sul importantes greves dos trabalhadores urbanos. Em 31 de julho, em Santa Maria, com apoio da combativa Federação Operária do Rio Grande do Sul [FORGS], eclodiu paralisação dos trabalhadores da Viação Férrea do Rio Grande do Sul por aumento de salários, semana inglesa e jornada de oito horas. Ao envolver todos os municípios servidos pela rede, o movimento tornou-se a primeira greve estadual sulina.
Em 1° de agosto, após reunião patrocinada pela FORGS, milhares de operários da capital [alfaiates, carpinteiros, chapeleiros, comerciários, eletricitários, estivadores, motorneiros, tecelões, tipógrafos, etc.] entraram em greve, sobretudo por melhores salários e pelas oito horas de trabalho. Ajudados pela paralisação dos ferroviários, o movimento parou a capital rio-grandense, então com uns 150 mil habitantes.
A assembléia de 1º de agosto da FORGS formou Liga de Defesa Popular que lançou manifesto reivindicando diminuição do preço dos alimentos; mercados livres populares; matadouro público; tabelamento do pão; aumento de salário; oito horas de trabalho para homens e seis, para crianças e mulheres, etc. Por primeira vez, o movimento operário capitaneava programa reivindicativo do conjunto das classes subalternizadas e intermediárias sulinas.
Em 2 de agosto, delegação da Liga de Defesa Popular foi recebida por Borges de Medeiros e autoridades, que se comprometeram a elevar o salário dos funcionários públicos e restringir a exportação dos alimentos. Os empresários porto-alegrenses aceitaram as reivindicações e o intendente da capital determinou medidas em defesa da economia popular. O medo da generalização do movimento aos demais setores das classes subalternizadas teria contribuído ao fim vitorioso do movimento, em 5 de agosto.
Também em agosto eclodiram movimentos paredistas em Pelotas e, possivelmente, em Montenegro (A.J.Renner), em Caxias (Amadeu Rossi) e em Jaguarão (estivadores). Em Pelotas, também capitaneado por Liga de Defesa Popular, o movimento grevista estendeu-se a diversas categorias e motivou importantes choques com as forças repressivas, concluindo-se sem resultados tangíveis.
Os ferroviários criticavam o arrendamento das estradas de ferro sulinas à Compagnie Auxiliaire de Chemins de Fer au Brésil, parte do sindicato estadunidense Brazil Railway. Os serviços deficientes da companhia eram também criticados por comerciantes, industrialistas, criadores e agricultores que tinham os negócios dificultados pela baixa qualidade e algo preços do transporte ferroviário.
Em 16 de outubro de 1917, em Santa Maria, os ferroviários entraram novamente em greve, paralisando o tráfego no Estado: o acordo de agosto fora descumprido e os salários não eram pagos havia dois meses! Declaração dos grevistas propunha que a parede não era contra o “querido” RS, mas para “libertá-lo da garra do estrangeiro que não respeita um povo, seu comércio, sua indústria, suas leis e nem seu governo!”
A paralisação foi duro, com depredação de oficinas e instalações e destruição, com dinamite e fogo, de pontes, pontilhões e bueiros. Em Santa Maria, forças militares federais dispararam e mataram operários que manifestavam. Sob o patrocínio de Borges de Medeiros e do governo do Estado, comissão foi formada para estudar soluções para a greve.
Em 4 de novembro, publicou-se acordo que garantia, entre outras conquistas, aumento de salários, assistência média, salário enfermidade integral, 8 ½ horas de trabalho; cinqüenta por cento de acréscimo das horas extraordinárias. A crise na VFRGS só seria superada com sua encampação, a seguir, pelo governo do Estado, que transformaria o serviço em padrão de qualidade em todo o Brasil.
Trânsito mata de novo
Mais um feriado prolongado e mais uma vez as manchetes dos jornais da segunda-feira se repetem com os dados trágicos do saldo: mortos, feridos, danos materiais, etc. Enquanto:
1) Pessoas com pouca experiência continuarem a dirigir nas estradas (“motoristas de fins de semana”);
2) O governo não investir pesadamente nas rodovias, seja diretamente ou por concessões (que têm que ser fiscalizadas com rigor), sinalizando, refazendo trechos, equipando as polícias com os instrumentos necessários à coibição de velocidade e aferição da embriaguez de condutores;
3) As polícias rodoviárias (federal e estaduais) não forem para os trechos fiscalizar e autuar em vez de ficarem no interior dos postos;
4) Os condutores experientes não se conscientizarem que a faixa amarela não é um símbolo decorativo e sim uma regulamentação legal ao ato de ultrapassar;
5) Os contratantes de transporte coletivo insistirem na pressa das entregas obrigando os motoristas de caminhão a tomar rebites para cumprirem horários, o que os torna potencialmente homicidas na boléia;
6) A legislação continuar retrógrada e não punir os autores como delitos do Código Penal em vez de o serem os do Código de Trânsito;
7) As escolas não receberem uma disciplina específica de educação para o trânsito, obrigatória, com carga-horária mínima, ministradas por especialistas, com vistas a se educar os motoristas de amanhã, numa visão estratégica de futuro;
8) Os veículos de nossa frota não forem obrigados a sair da linha de montagem com o mínimo de equipamentos obrigatórios de segurança como airbags e freios ABS (por exemplo).
Iremos lamentar por muito tempo a perda de vidas e as lesões deformantes que vemos todas as segundas-feiras pós-feriados.
Jornalismo Ambiental
Christian Lavich Goldschmidt, escritor e ator
Na última quarta-feira, 10 de outubro, iniciaram-se no Salão de Atos da UFRGS, as atividades do 2º Congresso Brasileiro de Jornalismo Ambiental, tendo como tema Aquecimento Global: um desafio para todos. A abertura foi marcada muito mais pela entusiasmada participação do conferencista da noite, o cineasta inglês Adrian Cowel, do que pelo discurso pouco envolvente e convincente dos políticos presentes.
Com um público estimado em torno de 500 pessoas e contando com jornalistas de países como Cuba, Equador, México, Panamá e Uruguai, os organizadores prestaram uma homenagem ao ecologista gaúcho Augusto Carneiro, braço direito de Lutzenberger em muitas conquistas e que do alto de seus 85 anos continua na luta em defesa do meio ambiente.
O cineasta britânico abriu sua conferência lembrando o amigo José Lutzenberger, e citou um episódio curioso ocorrido no início da década de 80, quando viajava com o ecologista pela BR 364, no Acre: “Lutz pediu de repente pra eu parar o carro, desceu e entrou na Floresta. Depois de uns 3 minutos retornou. Quando íamos partir, ele pediu para aguardarmos uns 10 minutos. Depois da espera convidou-nos para irmos até a Floresta observar onde ele havia urinado. Chegando lá, vimos que havia muitos insetos, centenas, em sua urina. Isso provava a ausência de sal naquele ambiente”. Após a lembrança, Cowel apresentou uma síntese dos documentários realizados na Amazônia e disse ainda ter encontrado em Lutzenberger um homem corajoso, pois foi o único disposto a falar e criticar o programa de desenvolvimento na Amazônia em plena ditadura, quando o desmatamento era a política do governo.
Amigo também de Chico Mendes, o conferencista emocionou aos presentes com imagens do seringueiro em momentos de confraternização com a família e amigos, pouco antes de sua morte. Em 1986 Chico foi o primeiro candidato a cargo político a defender a Amazônia. Em 1988 foi confirmada a primeira reserva extrativista pelo governo, por isso, segundo os fazendeiros, Chico tinha que morrer.
Cowel deu ainda a boa notícia de que está doando todo seu acervo de 50 anos para a Universidade Católica de Goiás. São 16 toneladas de filmes, positivos e negativos, que virão ao Brasil após minuciosa catalogação, e que atualmente estão no porão de sua casa, em Londres. Em encontro com Lara Lutzenberger, Cowel informou que doou os direitos autorais do acervo da “Década da Destruição” à Universidade Católica de Goiás com a ressalva de que a Fundação Gaia deve poder veicular suas imagens sem ônus.
Denúncias cabeludas no Conselho das crianças
Mereceu pouca atenção da imprensa a eleição dos 50 conselheiros tutelares da Capital, no final de setembro. Marcado por denúncias cabeludas, o pleito mostra que o Conselho tornou-se mero trampolim político. Com quatro anos de mandato e um salário de R$ 3,3 mil por mês, não é para menos.
Uma das denúncias diz que os cinco primeiros eleitos são ligados ao atual secretário da Juventude, Mauro Zacher. Um deles, o mais votado do pleito, é conhecido ativista do movimento estudantil e sem histórico de atendimento à infância.
Em artigo no “OI Porto Alegre”, o secretário José Fortunatti denuncia que “muitos candidatos ofereceram ‘churrascadas’, brindes, promessas e, no dia da votação, encomendaram uma verdadeira frota de veículos para o transporte de eleitores”.
Uma acusação levada à comissão eleitoral diz que até um ônibus do Orçamento Participativo foi usado para levar eleitores.
Bienal do Mercosul, essa arte é para todos?
Christian Lavich Goldschmidt, escritor e ator
Há muito tempo venho trocando idéias com os amigos sobre a arte e suas funções. Antes de mais nada, um grupo de apreciadores, e não de conhecedores. As discussões aumentaram no início de julho, quando estabeleci um diálogo com Justo Werlang, presidente da atual Bienal do Mercosul – este sim um exímio conhecedor. Na época, questionei a proposta e a arte exposta na megamostra argumentando que a grande maioria está acostumada desde cedo a apreciar imagens, sons e cores que reproduzem de forma transparente a cultura e a realidade, tanto suas como estranhas.
Nesse sentido, ficou claro que os jovens pertencentes ao meu grupo entendem que a arte tem como objetivo retratar sentimentos, emoções, épocas, os povos e seus costumes, ou até mesmo as guerras, como o fez o arquiteto e artista plástico José Lutzenberger nas aquarelas da coleção Farrapos, de 1935, ou ainda nas da coleção da Primeira Grande Guerra da França, em 1914, da qual participou como Oficial da Reserva da Infantaria.
A arte de Lutzenberger, assim como a de Renoir, Klint, Matisse e Van Gogh, cada uma a seu estilo, são de fácil compreensão – quando falo em uma arte fácil de ser compreendida, talvez o diga por estarmos em uma época bem à frente de seus contemporâneos. E talvez também estes não a compreendiam em sua plenitude na época em que viviam. O que quero dizer, no entanto, é que além da fácil leitura de suas obras, as histórias são retratadas de forma colorida, um atrativo indispensável para nós, apreciadores, não conhecedores ou críticos.
Sabemos, todavia, que na arte nem tudo são cores, e nem por isso questionamos seu valor, sua magnitude e representatividade no contexto artístico. O maior exemplo foi a exposição de Goya, que também em julho passado esteve em Porto Alegre. As imagens sombrias e obsessivas de Goya, assim como as de Francis Bacon (as de Bacon são coloridas), não são em nada prazerosas; e para nós, apreciadores, a grande arte é aquela que dá uma profunda satisfação visual. Frida Kahlo, por exemplo, com suas cores, soube expor suas angústias, sofrimentos e tristezas sem repassá-las ao espectador.
O que vemos nas edições da Bienal do Mercosul é diferente de tudo o que temos acima. Os artistas utilizam-se das mais diversas matérias e formas para transmitir algo poucas vezes compreensível para “cidadãos comuns”. Então, estariam os artistas, influenciados pelo caos da sociedade contemporânea, simples e unicamente retratando as dores da humanidade e deixando de lado o colorido da vida?
Segundo Justo Werlang, o artista está inserido no seu tempo, materializando as angústias e certezas com que convive; ele sabe do volume e gravidade dos desafios que deveríamos enfrentar imediatamente: questões como violência, miséria, saúde, habitação, etc. “Quando dizes da mostra de gravuras de Goya e percebes as angústias por que passou em sua vida, tens a oportunidade de perceber essas mesmas angústias, essa mesma faixa de vibração, em diversos dos trabalhos que compõem a 6ª Bienal do Mercosul”.
Em meio a tantas dúvidas e indagações, a pergunta latente é: Sem conhecer a história da arte, seus personagens e obras, sua evolução, como é possível para nós, leigos, entendermos e apreciarmos a arte contemporânea, a arte exposta na Bienal? É uma arte para todos ou somente para os eruditos? Como conhecedor e colecionador de artes, Werlang diz que as linguagens, os vocabulários presentes nas propostas artísticas contemporâneas são muito novas.
Assim, é difícil penetrar em seus conteúdos. Mas uma das propostas pedagógicas desta Bienal é apresentar os trabalhos como uma solução visual a que chegou o artista, a partir do problema com que se defrontou. A obra de arte como resultado de uma reflexão, como solução de um problema. Como os problemas com que nos defrontamos são mais ou menos iguais em todo o planeta, eventualmente essa seria uma forma de permitir ao público em geral penetrar nos conteúdos poéticos das obras expostas. Quanto mais nos julgarmos sabidos, prontos, menores condições teremos de apreciar o que surge de novo.
A maior dificuldade, no entanto, não reside no desconhecimento generalizado de história da arte, mas em pensarmos que já conhecemos o suficiente. Justo Werlang lembra ainda que nada justifica ignorarmos qualquer nova proposta, e acrescenta que uma das maiores dificuldades para penetrar num mundo novo se encontra justamente na falta de disposição para aprender. Na medida em que a Bienal apresenta as propostas artísticas como conclusões a que chegou o artista depois da reflexão sobre questões com que se defronta, isso nos permitirá semelhantes reflexões. Afinal, pensar sobre a vida é cada vez mais urgente.
Farrapos: uma briga na sala de visitas
Mário Maestri, historiador e professor da UPF
Na madrugada de 14 de novembro de 1844, em conluio com o barão de Caxias, comandante máximo das forças imperiais, o general David Canabarro, chefe das tropas republicanas, entregou os soldados farroupilhas negros desarmados aos inimigos, em um dos mais vis fatos de armas da história militar brasileira. No serro de Porongos – município Pinheiro Machado –, foi dizimada a infantaria negra, acelerando a paz entre grandes proprietários republicanos e monarquistas.
A historiografia tradicional sulina explicou como lamentável e quase inexplicável “surpresa” a derrota farroupilha em Porongos. O historiador Spencer Leitman assinala que o fato deveu-se a uma vil traição. A edição de carta do barão de Caxias, pelo Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul, elucidou as razões da falsa surpresa militar.
Na carta, Caxias ordenava ao coronel Francisco Pedro de Abreu – o “Moringue” – que surpreendesse as tropas rebeldes, em 14 de novembro, e que não temesse o confronto. A infantaria inimiga – constituída sobretudo por ex-cativos – encontrava-se desarmada: “[…] ela deverá receber ordem de um ministro e do General-em-Chefe para entregar o cartuchame sob o pretexto de desconfiança dela.”
O general farroupilha David Canabarro cobriu-se de infâmia. Combinou entregar seus soldados negros, desarmados, ao inimigo, para que fossem massacrados, para acelerar o fim do conflito, através de solução final para a questão dos soldados ex-cativos, que o Império negava-se a libertar. Após o fim da guerra, em pagamento pelos bons serviços, o Império manteve-lhe no posto de general.
Caxias assinalou os objetivos do ataque. Com uma grande derrota, esperava pôr um definitivo fim à resistência dos rebeldes e acelerar as discussões sobre a rendição. Exagerando, lembrava ao oficial subalterno que o “negócio secreto” estabelecido com Canabarro levaria “em poucos dias ao fim da revolta desta província”. O segundo grande objetivo era criar as condições para solução senhorial do problema posto pelos ex-escravos armados, combatendo na infantaria de 1ª Linha e no Corpo de Lanceiro.
David Canabaro e Antônio Vicente da Fontoura eram então expoentes do partido da rendição a qualquer custo, à qual se opunham Bento Gonçalves e Netto. Menos de dois meses após a traição de Porongos, o barão de Caxias escreveria: “Davi Canabarro é hoje o chefe em cuja boa fé mais confio”. “Bento Gonçalves e Neto mostram-se pouco satisfeitos pela deliberação que vai tomar David”.
Na carta, Caxias ordena fria e hipocritamente: “No conflito, poupe o sangue brasileiro quando puder, particularmente de gente branca da província ou índios, pois bem sabe que esta pobre gente ainda nos pode ser útil no futuro.” O chefe imperial pensava já na intervenção que o Império preparava contra Rosas, presidente supremo da Argentina. Os republicanos contavam também com a guerra próxima para obter maiores concessões do Império.
A ordem do Barão era clara. Massacrar sobretudo os ex-cativos crioulos e africanos libertados da escravidão para lutar nas tropas farroupilhas, aos quais, seguindo a visão escravista senhorial da época, Caxias não concedia terem “sangue brasileiro”. Como republicanos e imperiais organizavam acampamentos distintos para brancos, índios e negros, a missão do coronel Francisco Pedro de Abreu cumpriu-se sem maiores dificuldades.
Na madrugada de 14 de novembro de 1844, as tropas do Império caíram sobre os 1.200 soldados rebeldes, capturando-lhes a bagagem, abarracamento, armas, arquivos, estandartes, munições, a última peça de artilharia farroupilha. Cem combatentes, sobretudo negros, teriam sido mortos e 333 presos. Em Porongos praticamente desaparecia a infantaria negra farroupilha.
A rendição sancionada em Ponche Verde, facilitada pela traição de Porongos, foi acordo entre grandes proprietários. O Império pagaria as contas contraídas pelos republicanos, manteria nos postos os oficiais farroupilhas que permanecessem sob armas, indenizaria os chefes republicanos. Os farroupilhas aceitavam a anistia e entregar os soldados negros restantes, como o fizeram.
Jamais houve contradição social entre os republicanos e os imperiais. A Guerra Farroupilha tratou-se sempre de briga na sala de visitas.
Que governo queremos?
Christian Lavich Goldschmidt
Governo é definido como um sistema de controle social, no qual o direito de promulgar e de anular leis é outorgado a um grupo particular na sociedade. Sendo um corpo governante da nação, o grupo tem de tomar a iniciativa em assuntos relacionados ao exercício do poder e da autoridade, determinar políticas, negócios administrativos, e assim por diante.
As ideologias fizeram nascer vários “ismos”, como resultado, hoje existem diferentes tipos de governo. Existem os que promovem o liberalismo, a democracia, o socialismo, etc. Em outras épocas, existiam as formas de governo democrática e teocrática (regime político de um estado governado por sacerdotes, que governavam o país baseando-se em oráculos ou revelações recebidas diretamente de Deus ), bem como o regime dos reis. Hoje, ainda podemos encontrar países monárquicos como: Omã, Catar, Arábia Saudita e Butão.
A democracia é uma forma de governo que valoriza a liberdade, os direitos humanos e a igualdade. No entanto, a democracia da antiga Grécia nem sempre foi acolhida por seus cidadãos. Platão criticou a democracia e afirmou que um governo autocrático teria mais condições de construir uma nação. Aristóteles, um aluno de Platão, grandemente influenciado por suas idéias, propôs que a aristocracia seria o tipo ideal de governo.
Hoje, a democracia é aceita como o modelo perfeito de governo, mas esse tipo de governo é relativamente desgastante. Seus procedimentos democráticos exigem discussões prolongadas e os assuntos são decididos por maioria de votos. Precisamos estar cientes de que a decisão da maioria nem sempre traz os melhores resultados. Se o povo fizer escolhas pobres, o país poderá cair na “oclocracia” (exercício do poder ou do governo pela multidão), na “regra anárquica”. Na democracia, os cidadãos devem fazer julgamentos certeiros ao votarem em candidatos, caso contrário, o governo que as pessoas elegerem não será capaz de cumprir verdadeiramente seu papel. Como o Brasil funciona de acordo com os princípios democráticos, seus cidadãos precisam tomar um entusiástico interesse pela política, de modo a assegurar que o país não decaia na regra anárquica.
Numa democracia, ao invés de deixarmos tudo nas mãos dos políticos e autoridades administrativas, o ideal é que nos interessemos em escolher políticos que sejam pessoas responsáveis e honradas em construir um país cada vez melhor para todos.
Posição contra o garanticídio da liberdade de imprensa
Eduardo Dutra Aydos, advogado e cientista político
A justiça criminal, que decide sobre o bem mais precioso – de par com a própria vida – que é a liberdade das pessoas, se rege por critérios de decisão marcadamente formais, que respondem ao máximo socialmente desejável de garantias processuais. Por isso, a regra geral do processo contempla a autonomia das jurisdições civil e penal. Um ato pode não ser crime e, mesmo assim, ser ilícito, respondendo por esse o civilmente processado.
É o caso de pessoa que provocou um incêndio na residência de um desafeto. Mas que, denunciado por crime de incêndio com perigo à incolumidade pública – art. 250 do Código Penal – foi absolvido, por não se terem configurado os elementos fáticos do tipo penal – porque o incêndio não representou risco a vida ou patrimônio de um número indeterminado de pessoas. A absolvição, com fundamento no art. 386, III do Código de Processo Penal – haja vista o fato não constituir aquela infração penal – foi tecnicamente correta. Poderia o juiz, antes da sentença, ter modificado a qualificação jurídica do fato, e aplicado pena correspondente ao crime de dano, mas essa é apenas uma faculdade sua e não uma determinação processual. Não o fez, mas nem por isso afastou o caráter ilícito da conduta incendiária. Justo, pois, que o autor fosse civilmente condenado a indenizar os danos causados.
Não se pode utilizar esse exemplo, entretanto, para dar-se legitimidade e eficácia à actio civilis ex delicto, quando, o fato não constitui infração penal, porque não é sequer ilícito, nos termos do art. 23 do Código Penal – ou seja, quando o ato foi praticado em estado de necessidade, legítima defesa, exercício regular de direito ou estrito cumprimento do dever legal. Prevalece, nestes casos, uma exceção sábia e conseqüente da regra geral da autonomia das jurisdições. Dispõe o art. 65 do Código de Processo Penal, que faz coisa julgada no juízo civil a decisão absolutória criminal que reconhece uma excludente de ilicitude. Não havendo ilícito, não há que falar-se em indenização.
Ora, pretender um inadvertido operador do direito, que qualquer absolvição criminal fundada no art. 386, III do CPP, autorize a ‘actio civilis ex delicto’, até se poderia compreender – não justificar – como um fortuito cochilo do hermeneuta, deixando de aplicar à regra geral, a exceção que a confirma. Mas, demonstrar-se conhecimento dessa exceção – no que se refere, especificamente, à excludente de ilicitude da legítima defesa – e postular sua ineficácia no que tange aos demais incisos do art. 23 do CP e do art. 65 do CPP, é muito mais grave e preocupante. Porque denuncia a intencionalidade clara e inequívoca do respectivo garanticídio.
O espectro do retrocesso institucional barbariza essa pretensão. Ela assoma a esfera pública em debate forense contemporâneo, com endereço certo e aplicação direcionada aos profissionais e empresas de comunicação social. Mas sua virulência tem abrangência muito mais ampla que o cerceamento da liberdade de imprensa. Afeta todos que, agindo no regular exercício do seu direito e até no estrito cumprimento do seu dever legal, estão sujeitos a ferir interesses contraditados ou provocar danos indesejados. Médicos, administradores, políticos, advogados, policiais, membros do Ministério Público e magistrados, pela urgência da sua intervenção, pela força da sua expressão e dos seus argumentos, pelo poder de polícia ou jurisdição que a lei lhes assegura e lhes cobra, na defesa dos seus pacientes, administrados, constituintes e da cidadania em geral, não estão isentos de praticar atos e tomar decisões que contrariam interesses, que provocam dor privada e que produzem oposição.
É justo que, pelo seu excesso ou abuso, culpa ou dolo, os agentes privados ou públicos do interesse social respondam em juízo. Mas, pretender que, absolvidos no foro criminal, pelo reconhecimento de conduta irrepreensível, lícita e devida, ainda se submetam, no foro cível, aos riscos inerentes de todo processo judicial, inclusive ao ônus de uma condenação técnica por erro ou desídia do seu próprio defensor, é uma fraude de segundo grau às garantias essenciais da Democracia Constitucional. É sujeitá-los, em primeira instância, ao mau uso do processo judicial, punitivamente promovido pelos interesses contrariados. E, numa instância superior de anti-juridicidade, é promover a corrosão militante da República, da Democracia e da vida boa em sociedade, que necessitam do exercício pleno e conseqüente da liberdade e da autoridade, para a garantia da Constituição e dos direitos fundamentais da cidadania.
Não importa se movida por conveniência política ou por ideologia autoritária, não importa se promovida no curso de um litígio forense, ou se defendida na cátedra de um curso acadêmico, essa tese é execrável. E por sua pública repercussão deve ser confrontada, onde quer que se ouse promover, pela contestação aberta e militante da cidadania atingida.