A imprensa e a Lava Jato: quem vai botar o guizo neste gato?

O processo do MP para cassar a concessão da Jovem Pan por atentado à democracia, abre uma picada que pode dar na responsabilização dos grandes grupos de comunicação pela adesão e apoio incondicional à Operação Lava-Jato, cujos desmandos começam a ser desvelados.

“Esse é um capítulo que ainda não foi aberto, mas não há como fugir dele”, sentenciou Gilmar Mendes em entrevista recente à Record. A entrevista foi encerrada quando ele tocou no assunto.

Como a Rede Globo vai justificar centenas de manchetes no Jornal Nacional, ilustradas por um duto que jorrava dólares, baseadas em vazamentos ilegais de delações premiadas que, agora se esclarece, eram obtidas sob tortura psicológica?

O jornalista tem a prerrogativa de preservar a fonte para revelar informações  de interesse público.  Mas dois anos de manchetes baseadas em vazamentos ilegais?

O caso de Antônio Palocci é exemplar. Foi mantido na prisão até fazer uma delação como queriam os procuradores, com acusações sem provas (que ele agora desmente), e divulgada na reta final de eleição de 2018.

Os grandes grupos de mídia – Globo, Estadão, Folha de São Paulo, com  todos seus afiliados e apadrinhados – tem muitos esqueletos no armário.

Para ficar nos últimos 70 anos:  a campanha que levou Vagas ao suicídio, a tentativa de impedir Jango em 1961, o apoio irrestrito aos militares em 1964, a farsa de Fernando Collor, “o caçador de marajás” em 1989, o “fenômeno Bolsonaro” em 2018…

Em todos esses episódios sombrios para a democracia encontra-se as nítidas digitais da chamada “grande mídia”.

Em nenhum deles, no entanto,  o engajamento foi tão entusiasta e declarado quanto na Operação Lava-Jato.

Passada à limpo, a Lava Jato revela-se uma armação. Estou ansioso para ler o editorial do Globo justificando seu apoio incondicional à República de Curitiba;

Na novela, na CPI, no campo, nas cidades: a disputa pela terra no Brasil

Na novela da Globo, o conflito entre um coronel dono de terras e a viúva de um posseiro.

No  Congresso uma CPMI para investigar o Movimento dos Sem Terra.

Em diversos pontos do Brasil, o protesto dos indígenas contra o marco temporal para demarcação de suas terras.

No bairro do Santinho, em Florianópolis, a campanha dos moradores contra condomínio que vai tomar o terreno que eles usam como praça.

A questão da terra no Brasil, sua posse e seu uso, só está fora do noticiário dos grandes veículos de comunicação.

É a questão mais antiga, que remonta às origens do Brasil.

Antes de ser um território conhecido,  já era alvo de disputa.

A concessão de terras a súditos fiéis foi o principal instrumento do império português  para garantir o seus domínios.

Aí formou-se uma casta de proprietários de terras, que anda hoje vivem e se reproduzem à sombra do poder que sustentam e  que lhes garante os privilégios.

A ausência do tema no noticiário corrente revela a incapacidade dos meios tradicionais para abordar as questões que realmente importam.

 

 

 

 

Museu Ivo Caggiani: a memória sem fronteiras

O pronto acolhimento que o  Museu Departamental de Rivera deu ao acervo do historiador Ivo Caggiani,  revela a compreensão de que o importante é preservar uma memória, que transcende as fronteiras traçadas por guerras ou políticas.

A linha imaginária que separa os territórios de Brasil e Uruguai, entre Santana do Livramento e Rivera, foi o arremate de um processo de guerras e arranjos diplomáticos ao longo de séculos, para demarcar as fronteiras no extremo Sul.

O historiador Fernando Cacciatore tirou dessa vitória final da diplomacia, que se deu em Livramento/Rivera,  o título de seu brilhante livro “Fronteira Iluminada”.

Segundo  ele, a demarcação dos limites entre Brasil e Uruguai concluída em 1920 com a definição da linha imaginária entre Livramento e Rivera,  encerrou  500 anos de disputas entre Portugal e Espanha pelos territórios do Sul da América.

Diz o historiador: “Em nosso Estado, a saga de Tordesilhas, na verdade iniciada em 1421 com a primeira bula papal concedendo vantagens territoriais a Portugal, encerra-se 500 anos depois, mais precisamente em janeiro de 1920, quando são demarcados os limites entre o Brasil e o Uruguai, pelas ruas, avenidas e praças de Santana do Livramento e Rivera”.

Sim, aquela  fronteira é iluminada. Mas nos últimos dias deu um apagão pro lado de Livramento.

Bolsonaro e a vacina

Márcia Turcato

Na Operação Venire a Polícia Federal identificou que Jair Bolsonaro e seus assessores haviam fraudado o registro da vacina contra covid-19 e isso trouxe à tona uma série
de suspeitas que a gente já sabia, mas que faltavam indícios.

A fraude da vacina, uma coisa tola e que seria facilmente superada se o grupo tivesse se vacinado,
aconteceu para que Bolsonaro pudesse entrar nos Estados Unidos, apesar dele
dizer que estava dispensado de apresentar o comprovante.

Improvável, porque esta  exigência está valendo até o dia 11 deste mês de maio, quando então será suspensa. O presidente Lula, que esteve nos Estados Unidos em fevereiro, apresentou o certificado internacional de vacinação contra covid-19, assim como toda a sua comitiva.
Bolsonaro sempre disse que jamais se vacinaria e fez campanha contra o imunobiológico e ainda colocou sigilo de 100 anos em informações sobre a sua saúde.

O fato de ter entrado nos Estados Unidos em dezembro, para não repassar a faixa presidencial ao presidente eleito Lula, quando o país exigia certificado de vacinação, foi o que provocou a suspeita da PF e a consequente investigação.
Essa ação está no bojo de uma investigação maior que é a das fakes news.

A estratégia adotada por Bolsonaro e sua assessoria -a provável falsificação- logo será revelada.

A deputada federal Luciene Cavalcante (PSol/SP) questionou nesta quinta-feira (4) a Embaixada dos Estados Unidos no Brasil se Bolsonaro apresentou
comprovante de vacinação ao desembarcar no país em dezembro.

No mesmo documento a deputada indaga à embaixadora Elizabeth Frawley que medidas o governo daquele país adotará caso fique comprovado que Bolsonaro usou
documento falso.

Todo o esquema de falsificação de dados da carteira de vacinação do SUS estava ancorado na Secretaria de Saúde de Duque de Caxias, Rio de Janeiro, reduto eleitoral de Bolsonaro e sua família e, por que não dizer, reduto da
milícia.
Esse episódio é só a ponta de um iceberg. Na operação da PF entorno da caderneta de vacinação, veio a tona uma sinistra conversa de assessores de Bolsonaro sobre o assassinato da vereadora Marielle Franco, em 14 de março 2018, no Rio de Janeiro, onde também foi assassinado o motorista Anderson Gomes.
Nessa conversa, degravada e divulgada pela PF, Ailton Barros, militar da reserva,  diz a Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, que sabe quem mandou
matar a vereadora. Incrível de tudo isso é que ele é um militar, diz conhecer a autoria do crime, e nunca relatou isso ao delegado titular da investigação do
assassinato. Ou seja, ele está protegendo o assassino. Barros e Cid foram detidos pela PF no âmbito da investigação do certificado falso de vacinação.
Outro fato importante que surgiu com a vacinação falsa foi a prisão do coronel do Exército Marcelo Costa Câmara, também envolvido na fasificação de documentos.
Ele era responsável por uma ABIN paralela no governo Bolsonaro. A ABIN é a  Agência Brasileira de Inteligência, órgão que tem a missão de investigar ameaças
ao Estado Democrático de Direito e à soberania nacional. O militar comandava um serviço de inteligência paralelo no Palácio do Planalto onde conduziu investigações
e fez dossiês que causaram demissões de ministros.

Nos Estados Unidos o gangster Al Capone, “o rei de Chicago”, foi condenado no dia 24 de outubro de 1931 a 11 anos de prisão por sonegação de impostos. Autor de diversos assassinatos, só foi preso por ter feito uma contabilidade amadora em seu imposto de renda.

Bolsonaro, ao que parece, terá o mesmo fim. O seu erro capital foi o de duvidar da eficácia da vacina contra covid-19 e do SUS.

VILSON ROMERO/ Voto da discórdia no Carf

Vilson Antonio Romero (*)

Talvez você nunca tenha ouvido falar no Carf, mas esse é um dos assuntos que deve movimentar a pauta política no Congresso, nesta quaresma, além do chamado arcabouço ou âncora fiscal e a eterna ladainha da reforma tributária (agora vai, dizem os otimistas!).

Unificando três Conselhos (Primeiro, Segundo e Terceiro – cada um com sua abrangência tributária), o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) foi criado pela Medida Provisória n°. 449, de 3 de dezembro de 2008, convertida na Lei n°. 11.941/2009.

Integrando o Ministério da Fazenda, é o colegiado responsável por julgar, em segunda instância, ainda na esfera administrativa, os processos de cobrança de tributos (impostos e contribuições) administrados pela Receita Federal.

São 130 conselheiros, distribuídos em seções, turmas e câmaras, especializados em espécies de tributos, com divisão meio a meio entre representantes da Fazenda Nacional e dos contribuintes, estes indicados pelas confederações empresariais, e sendo presidido por um Auditor Fiscal.

Num dos primeiros atos do atual governo, foi editada a Medida Provisória n°. 1.160/23, que, entre outras providências, reverte legislação anterior, restabelecendo o chamado “voto de qualidade ou de desempate” em prol da fazenda pública.

Isso significa que quando há posicionamentos conceituais e de enquadramento sobre eventual aplicação de sanção tributária ou acerca de determinado fato gerador, com equilíbrio entre as partes, o representante da fazenda pública desempata, em favor da União, por óbvio.

Ao contribuinte litigante cabe ou liquidar seu passivo tributário, atualizado monetariamente, ou judicializar a autuação efetuada pela Receita Federal.

Desde 2009, sempre havia sido assim, até que um “jabuti” foi inserido na Lei n°. 13.988/2020, “virando” esse posicionamento, nos seguintes termos: “ Em caso de empate no julgamento do processo administrativo de determinação e exigência do crédito tributário, não se aplica o voto de qualidade (…), resolvendo-se favoravelmente ao contribuinte”.

Essa determinação legal encaminhou para centenas de decisões favoráveis aos devedores, num perda bastante elevada de arrecadação, num conselho que tem mais de R$ 1 trilhão de processos a serem julgados. Com o agravante de que, sendo perdedora, a União não pode recorrer ao Judiciário, encerrando-se aí o litígio. Segundo o ministério da Fazenda, a mudança na legislação fez disparar o estoque de processos acumulados no Carf, de R$ 600 bilhões, em dezembro de 2019, para mais de R$ 1 trilhão em outubro de 2022.

Com a mudança proposta na MP, estima-se que a União poderia ter ganho fiscal de R$ 50 bilhões em 2023, sendo R$ 15 bilhões de forma permanente, por uma “mudança de cultura” no próprio Carf, avaliam as autoridades.

Pois os representantes do “Senhor Mercado”, tributaristas e confederações empresariais estão bradando contra essa nova “virada no jogo”, inclusive com ações judiciais no STF. É matéria polêmica que ainda será debatida e deliberada nas duas Casas do Congresso Nacional.

Tentando mitigar a divergência, o ministro da Fazenda firmou acordo com a OAB no sentido de que permaneça o voto de desempate com a União, mas que se permita ao contribuinte perdedor liquidar seus débitos com expressiva redução das cominações legais. Há especialistas questionando esse acordo, por entenderem ser um evidente incentivo ao chamado “planejamento tributário abusivo” ou até à inadimplência, sem isonomia aos demais contribuintes devedores de menor porte. Matéria na pauta. Com a palavra, os parlamentares federais e, por fim, o presidente da República na sanção ou veto do texto aprovado.

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(*) jornalista e auditor fiscal, conselheiro da ABI, membro da Diretoria Nacional do Dieese e presidente no DF da Pública Central do Servidor

 

VILSON ROMERO

VILSON ROMERO/ Mulheres, empoderamento e proteção

Vilson Antonio Romero (*)

Na população brasileira, elas são cinco milhões a mais. São 82 milhões (52,65%) entre os mais de 156 milhões de eleitores.

Porém estes números não se refletem nos diversos setores da sociedade, seja nos parlamentos, tribunais e governo, nas posições de chefia e liderança das empresas, nos postos decisórios da nação.

São somente 96 entre os 594 congressistas federais, 18% dos deputados estaduais e distritais, 16% dos vereadores, 12% dos prefeitos e duas governadoras entre as 27 UFs. No Poder Judiciário, melhora um pouco a representatividade, com cerca de 38% de magistradas em todo o Brasil. No Executivo federal, houve um avanço no atual governo, com mulheres ocupando 11 dos 37 ministérios.

Nas 250 maiores empresas nacionais pesquisadas pela consultoria Grant Thornton, 6% responderam, em 2021, que não mantém nenhuma mulher em cargos de liderança, mas cerca de 35% dos postos de presidente executivo (CEO) são do sexo feminino.

Além desse empoderamento tímido, como nunca, a mulher tem sido muito atacada na sociedade brasileira.

Todas as formas de violência aumentaram no Brasil em 2022, com 18,6 milhões de mulheres vítimas de agressão segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). A lista de ataques envolve ofensas verbais e sexuais, perseguição, ameaças com faca, arma de fogo ou físicas, espancamento ou tentativa de estrangulamento, lesão provocada por algum objeto que foi atirado nelas e esfaqueamento ou tiro. A pesquisa também apresentou um outro dado repudiável: uma em cada 3 brasileiras com mais de 16 anos sofreu violência física e sexual provocada por parceiro íntimo ao longo da vida.

As medidas protetivas, a proliferação de delegacias de mulheres, as prisões em flagrante, o respaldo da Lei Maria da Penha e diversas formas de acolhimento têm sido insuficientes para cessar essa tragédia diária que deixa vítimas e órfãos por todo o Brasil.

O FBSP reuniu as estatísticas de feminicídio e estupro dos primeiros semestres dos últimos quatro anos e registrou um total de 2.671 mortes. 699 somente de janeiro a junho de 2022. A misoginia e o machismo estão à solta. Temos que combater isto, para preservar, proteger e defender nossas mulheres. Basta de violência! Reflexões e atitudes indispensáveis neste Dia Internacional da Mulher e em todos os demais dias de nossa existência.

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(*) jornalista, vice-presidente da Associação Riograndense de Imprensa (ARI) 

 

ELMAR BONES/ Jornalismo: a esperteza engoliu o dono

O que está em crise não é o jornalismo.

O que está em crise é o modelo de negócios montado em cima do jornalismo.

O jornalismo padece de um efeito colateral dessa crise do modelo.

Esse modelo nasceu quando um espertalhão descobriu que, além de vender notícias, um jornal podia também vender anúncios.

Consta que foi um alemão no porto de Bremen, dono de um folheto que informava sobre o movimento de navios.

Passou a ter duas receitas,  do produto (o folheto que vendia nas ruas) e dos espaços dentro do folheto, vendidos a comerciantes.

A combinação permitiu baratear o produto, ampliar a circulação, atrair mais anunciantes…

Bem aplicada, a fórmula construiu impérios de todos os portes ao redor do mundo, o modelo disseminou-se por mais de dois séculos.  Agora faliu.

A esperteza engoliu o dono, os anunciantes tomaram conta do negócio e contaminaram irreversivelmente o produto (o noticiário).

Já o dominavam completamente quando a internet chegou com a pá de cal. Com as redes sociais, o anunciante não depende mais do jornalismo para alcançar seu público.

E como fazer jornalismo num grupo cujo negócio é usar o jornalismo para fazer negócios?

O modelo ruiu. Soterrado nos escombros está o jornalista. Justamente no momento em que é mais necessário e na hora em que novos meios oferecem possibilidades como nunca.

Ele sobreviverá? Quem vai salvá-lo?

ELMAR BONES / A foto e a Folha

A Folha escorregou num vil sensacionalismo (“a doença infantil do jornalismo”, como dizia o velho Carrazzoni), com aquela foto sugerindo um tiro no peito do Lula.

A fotógrafa Gabriela Biló não precisa justificar seu trabalho, é muito bom. Mas o editor não tem como justificar o seu. Uma foto retocada, de dez dias depois dos acontecimentos que a propiciaram, ilustrando uma matéria sobre a entrevista que Lula deu, na véspera, à Natuza Nery, na Globo News.

Só o ressentimento, por Lula ter falado à Globo e não à Folha, pode justificar aquela foto naquele lugar. Sem falar na manchete: “No foco de Lula, presença militar é recorde”. Como diria o Belmiro Southier: “OPN (obrigado por nada)”.

O pior é que o escorregão da Folha não é um acidente, é um sintoma. Mas aí já é outro artigo.

VILSON ROMERO/ Planeta pobre e desigual

Vilson Antonio Romero (*)

Bem-vindo o renovado alerta da ONG Oxfam International por ocasião do World Economic Forum, na localidade suíça de Davos: o Planeta Terra ficou muito mais pobre e desigual na última década.

Congregando 19 organizações, mais de 3.000 parceiros e com presença em quase uma centena de nações, a Oxfam atua na busca de soluções para a mitigação da pobreza, da desigualdade e injustiça sociais, promovendo campanhas, programas de desenvolvimento e ações emergenciais.

No documento intitulado “A Sobrevivência do mais rico – porque é preciso tributar os super-ricos agora para combater as desigualdades”, a organização denuncia que, nos últimos dez anos, o 1% mais rico da população global ficou com cerca de metade de toda riqueza gerada no mundo. E, em três décadas, pela primeira vez, a riqueza extrema e a pobreza extrema cresceram simultaneamente.

Entre 2020 e 2022, a parcela do 1% mais afortunado abocanhou quase 2/3 de toda riqueza gerada: cerca de US$ 42 trilhões, correspondendo a seis vezes mais do que o total arrecadado por 90% da população global (7 bilhões de pessoas) no mesmo período. Cada ricaço ganhou cerca de US$ 1,7 milhão para cada dólar obtido por uma pessoa que está entre os 90% mais pobres do mundo.

Para diminuir, mesmo que modestamente, o abismo que separa ricos e miseráveis, a Oxfam apresenta no relatório três principais recomendações aos governos: medidas extraordinárias, taxação sobre a renda dos super-ricos e imposto sobre patrimônio dos 1% mais ricos. Segundo a ONG, a fortuna conjunta dos bilionários do mundo vem aumentando a uma taxa de US$ 2,7 bilhões por dia.

Só na tributação desses super-ricos, avaliam os pesquisadores que seria possível arrecadar cerca US$ 1,7 trilhão com taxação de até 5% sobre fortunas e, no Brasil caso um conjunto de medidas for adotado, a receita extra chegaria a cerca de R$ 300 bilhões.

No que diz respeito a nós, a Oxfam Brasil lembrou que 0,3% da população brasileira tem um patrimônio superior a R$ 10 milhões de reais. E o conjunto de medidas propostas, como regulamentar taxação de grandes fortunas e aumentar as alíquotas do Imposto de Renda Pessoa Física para até 40%, além de elevar a faixa de isenção, taxar dividendos e mudar a Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL), permitiria ampliar a arrecadação em cerca de 3% do PIB.

Ou seja, um grande debate para a anunciada prioridade da reforma tributária, que sempre reputamos ser a mãe de todas as reformas se governo, parlamentares, agentes econômicos e sociedade tiverem o equilíbrio na formulação e foco na justiça fiscal com responsabilidade social. Sob pena de seguirmos num país injusto, num planeta pobre e desigual.

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(*) jornalista, auditor fiscal, conselheiro da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), vice-presidente da Associação Riograndense de Imprensa (ARI) e presidente da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (ANFIP) – romero@anfip.org.br

CARLOS WAGNER/ Atentado não pode virar nota de pé de página

Ainda é cedo para tirar conclusões sobre o impacto que terá na expansão do movimento bolsonarista o atentado terrorista que falhou e que tinha como objetivo explodir nas redondezas do Aeroporto Internacional de Brasília (DF) um caminhão-tanque carregado com 63 mil litros de querosene de aviação.

Certamente terá um impacto significativo, que diminuirá o número de seguidores e de financiadores do movimento. Por quê? O atentado não deu certo por uma questão de detalhes. Se tivesse sucesso seria uma grande tragédia. O que mostra que existem pessoas muito perigosas, que não estão para brincadeira, entre os seguidores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

Uma dessas pessoas perigosas é o autor do atentado, George Washington de Oliveira Sousa, 54 anos, preso na véspera do Natal pela Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF) no acampamento dos bolsonaristas na frente do quartel-general do Exército (QG), em Brasília.

George Washington e a família têm negócios em Xinguara, uma cidade vizinha à Floresta Amazônica, onde estive no final da década de 90 fazendo reportagens sobre madeireiras ilegais.

Fica a 800 quilômetros ao sul de Belém (PA). Lá corre muito dinheiro sujo vindo do comércio ilegal de madeira, garimpos e grilagem de terras. O braço da Justiça é curto na região. Um dos motivos é a vastidão do lugar.

Pessoas como o nosso personagem costumam fazer as coisas ao seu modo e quando sentem que correm perigo somem por uns tempos no meio do mato, reaparecendo quando a poeira baixa.

Segundo a investigação da PCDF, ele viajou mais de 2 mil quilômetros de Belém (PA) a Brasília levando em uma caminhoneta um arsenal de armas e munição com o objetivo de impedir a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Na sexta-feira (30/12), durante uma live, Bolsonaro condenou o atentado, antes de embarcar no avião presidencial e rumar para a Flórida (EUA) – há matéria na internet.

Tem sido rotina o ex-presidente condenar os seus seguidores sempre que levam a sério as bravatas que ele diz e se envolvem em uma tragédia, como foi o caso do policial federal penal Jorge Guaranho, que em agosto invadiu a festa de aniversário do tesoureiro do PT Marcelo Arruda, em Foz do Iguaçu (PR), gritando “sou Bolsonaro”, e o matou a tiros – há matérias da internet.

Na ocasião, Bolsonaro condenou a atitude de Guaranho. Mudou alguma coisa? Não. Porque o fato é o seguinte: a enxurrada de bravatas e fake news divulgadas por Bolsonaro e os líderes que fazem parte do seu círculo íntimo inundam as redes sociais bolsonaristas e acabam influenciando pessoas como Guaranho e Washington a se envolverem em episódios violentos.

O que escrevi não é opinião. Mas fatos que já publicamos. Recentemente, o delegado-geral da Polícia Civil do Distrito Federal, Robson Cândido, que interrogou o autor do atentado em Brasília, demonstrou espanto com o grau de convencimento de Washington quanto à veracidade das fake news que circulam pelas redes sociais bolsonaristas.

A respeito de pessoas que se deixam influenciar e cometem atos violentos consultei um especialista no assunto que conheci em 2004, quando trabalhei no caso do serial killer Adriano da Silva, que cumpre uma pena de 171 anos por matado 12 meninos em cidades do norte do Rio Grande Sul.

Ele disse o seguinte: “É como te resumi na ocasião sobre o Adriano. É como se alguém ligasse uma chave dentro da cabeça deles e eles saem matando”. Também lembrei das grandes manifestações de 2013, que aconteceram em várias capitais do Brasil. Eu trabalhei na cobertura dos eventos entre os manifestantes. Lembro que nos primeiros dias famílias inteiras participavam dos protestos, que não tinham uma pauta específica. À medida que o tempo foi passado, começou a radicalização, aumentaram os atos violentos e as famílias desapareceram das manifestações.

Até acontecer esse atentado do caminhão-tanque em Brasília, os acampados que estavam na frente dos quartéis eram descritos pela população como pessoas exóticas, que tentavam se comunicar com extraterrestres, adoravam tanques de guerra, cantavam hinos e faziam outras coisas curiosas.

Depois do episódio do caminhão-tanque, a conversa mudou de rumo e os acampamentos passaram a ser tratados como “ninho de terroristas”. Esse motivo, somando a outros dois, esvaziaram os acampamentos. Os outros motivos são a viagem de Bolsonaro para os Estados Unidos, na última semana do ano passado, e a posse de Lula na Presidência da República, no primeiro dia de 2023. O esvaziamento dos acampamentos não significa que o bolsonarismo esteja sendo extinto. Continua mais forte do nunca. Os acampamentos eram uma estratégia de luta deles. Essa estratégia chegou ao fim e uma nova deve vir por aí. Seja ela qual for, vai encontrar um contingente menor de seguidores do ex-presidente porque as famílias (pai, mãe, filhos) começaram a se afastar depois do episódio do caminhão-tanque. Há uma regra não escrita que se repete: sempre que um movimento de massa se radicaliza, as famílias se afastam. A respeito do caminhão-tanque ainda restam muitas coisas a serem esclarecidas. A investigação policial está focada em seguir o rastro do dinheiro que financiou os acampamentos na frente dos quartéis, em especial o do QG em Brasília, onde foi planejado e executado o atentado.

O fato concreto sobre o episódio é que o caminhão-tanque estava estacionado nas imediações do aeroporto e o caminhoneiro descobriu o explosivo e acionou a polícia. Como os investigadores chegaram a George Washington, pouco sabemos. Ele foi denunciado por algum companheiro ou a PCDF tinha gente infiltrada no acampamento? Tive o cuidado de ler várias vezes o depoimento do autor do atentado em busca de alguma pista nas entrelinhas. A única coisa que fica claro é que ele atira a bronca no colo do ex-presidente, dizendo que foi para uma guerra por ter acreditado na pregação das redes sociais de que era preciso salvar o Brasil dos comunistas.

Arrematando a nossa conversa. Uma coisa é financiar um movimento político. Outra, é apoiar um grupo envolvido com atentados terroristas. Pela relevância desse caso, a imprensa não pode permitir que ele se torne uma notícia de pé de página.

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