Raízes da crise no Estado presentes na eleição

As eleições municipais acontecem em meio a uma grave crise política no governo de Yeda Crusius, mas com conseqüências para todos os partidos.
As siglas foram duramente atingidas na sua credibilidade e a classe política como um todo está abalada.
Parece que ninguém aprendeu a lição.
As candidaturas concorrentes ao Paço Municipal repetem a fórmula das alianças pragmáticas, que, via de regra, resultam no loteamento de cargos após o pleito, como foi escancarado pelo ex-chefe da Casa Civil Cézar Busatto no governo do Estado.
Para ganhar mais tempo na propaganda eleitoral gratuita, Onyx Lorenzoni (DEM) entregou a vice-candidatura de sua chapa a Mano Changes (PP) e prometeu pagar as despesas de rádio de tevê dos candidatos progressistas na proporcional.
Manuela D’Ávila busca convencer o eleitor de que a união entre PPS e PCdoB é coerente e demonstra a vontade de superar antigas divergências entre os partidos. Corre o risco de ser ver a história do Piratini se repetir na esfera municipal, com outros personagens.
Disfarçando a candidatura de Marchezan Jr. de independência política, o PSDB não precisou entrar no jogo antes do segundo turno e poderá escolher com tranqüilidade quem apoiar quando o momento oportuno chegar.
Como seus tradicionais apoiadores optaram por candidaturas próprias em busca de um projeto de poder, a Frente Popular do Partido dos Trabalhadores foi formada com uma sigla de empresários, o PRB, que abriga o vice de Lula, José Alencar.
No meio de tudo isso, o eleitor não pode contar nem com os jornais, que desde os tempos da ditadura, desaprenderam a ter um discurso próprio, repetindo apenas o que as assessorias de imprensa escrevem nos press-releases.

“Sirvam nossas patranhas de modelo à toda terra…”

Elmar Bones
As gravações ouvidas nos últimos dias estão expondo as vísceras da política no Rio Grande do Sul. Estão pondo abaixo o mito de que no Estado se pratica uma política diferenciada – mais ética, mais comprometida com o interesse público.
Havia até uma referência histórica para isso, o positivismo borgista com seu moralismo. Agora vai ficando claro que era só para rechear discurso.
Nos anos 60, Franklin de Oliveira escreveu “Rio Grande do Sul, o novo nordeste”, livro polêmico. Dizia que o Estado estava empobrecendo e apresentava níveis de desenvolvimento equivalentes ao dos mais pobres estados nordestinos.
A profecia de Franklin de Oliveira para a economia se realizou na política. No sentido de usar a política para se apropriar do dinheiro público, o Rio Grande do Sul parece hoje o velho nordeste. Aquele dos coronéis, que confundiam o seu com o do Estado ou vice-versa.
Por mais que o deputado Cezar Busato tente explicar, o que está declarado nas gravações tem coerência total com o que realmente acontece.
O Banrisul é uma das fontes de financiamento do PMDB, diz Busato.
Todos sabem que o presidente do Banrisul é uma indicação do senador Pedro Simon, desde o governo Rigotto e que permanece no cargo por vontade do senador. O senador Pedro Simon tem se mantido distante do governo, sem abrir mão do seu campo de influência.
O Detran seria, segundo a afirmação de Busatto, a fonte de financiamento do PP, com Otávio Germano à frente. “Custa muito caro romper com Otávio Germano”, diz Busatto em seu diálogo com Feijó.
Em seguida, em demonstração de realismo político, o secretário descreve como ocorrem as relações dos grandes partidos dentro da estrutura do Estado.
Em cada momento a fonte é uma: já foi o Daer ( “Quanto tempo sustentou? Fortuna no tempo das obras”), a CEEE e, agora, o Banrisul e o Detran.
As conversas gravadas pela polícia federal na Operação Rodin mostram como os grupos operavam por dentro da máquina pública. As fitas divulgadas por Feijó mostram como se dava a cobertura política para essas operações.
Nesse ritmo, será necessário mudar o hino. Em vez de façanhas, “sirvam nossas patranhas de modelo à toda a terra”.

Uma Tragédia Ambiental

Li há poucos dias, nem lembro onde, uma observação preciosa a respeito da consciência ambiental: ela só nos desperta quando o problema já existe e é muito grave. A observação é rigorosamente verdadeira quando atentamos para os números que as organizações comprometidas com a defesa do meio ambiente nos apresentam na expectativa de que sejamos mais atentos ao crescimento do tumor enquistado na superfície do planeta. Eles vão se amontoando em recortes de jornais e revistas mal distribuídos sobre a mesa de trabalho numa cobrança permanente ao meu olhar aterrorizado.
Ontem mesmo, após a hora da Ave Maria, quando faço o rescaldo da leitura dos jornais, os números da destruição da Mata Atlântica me levaram à lona. Foi como se desferissem um soco no estômago em luta na qual o adversário é muito superior a minha capacidade de reação. Relaxe, tome um tranqüilizante e divida comigo o espanto e a indignação diante de tamanha violência cometida contra a natureza em nosso país, ano após ano de indiferença e incompetência de sucessivos governos.
Entre os anos de 2.005 e 2.007, somente três municípios do estado de Santa Catarina já destruíram 3.843 hectares do que resta da Mata Atlântica, o equivalente a mais de cinco mil campos de futebol. Os números só não excedem todos os limites da razoabilidade se comparados a outra constatação mais terrível: a Mata Atlântica tem apenas sete por cento da sua extensão original.E a maior causa da destruição, segundo estudos confiáveis, é a substituição da floresta diversidade na sua flora e fauna por sucessivas semeaduras de pínus , vendidos para a industria do papel.O mesmo filme abominável de outras regiões do Brasil, onde árvores e animais de todas as espécies desaparecem para que a cana de açúcar forneça combustível aos milhares de automóveis amontoados nas ruas e avenidas das grandes cidades brasileiras, levando à loucura os engenheiros de trânsito e os administradores.
Mas se os números citados são alarmantes as informações complementares a respeito da destruição criminosa da Mata Atlântica nos enchem de vergonha e indignação. A Lei da Mata Atlântica, aprovada em 2.006, visando proteger a vegetação primária e secundária do bioma, não é cumprida por falta de fiscalização. A floresta original da Mata Atlântica capitula frente a majestática presença do pínus e da absoluta falta de vontade política dos governos para que a lei aprovada tardiamente seja cumprida. Somos desmatadores ,destruidores e nos lixamos para as leis que poderiam minimizar e retardar os efeitos de uma prática deliberadamente atentatória à diversidade do que sobrou da imensidão da Mata Atlântica.Mas não somos totalmente indiferentes ao futuro dos nossos filhos e netos.Sempre há tempo para se fazer fotos das árvores remanescentes com o propósito de guarda-las num álbum capaz de dar aos nossos pósteros uma noção do que foi o mundo destruído criminosamente nossas mãos infames e mercenárias.
Os números que me provocam pesado acabrunhamento se referem a Mata Atlântica, mas não diferem,na essência, de outros números descritivos do desmatamento da Amazônia. São números que se tornam mais preocupantes na passagem de um governo para outro, sem nenhuma consideração por uma verdadeira consciência preservacionista.E que aguçam o olhar dos abutres imperialistas que desejam misturar seus cacarejos ao canto mavioso dos nossos pássaros.Ainda bem que nossa consciência ambiental já está enraizada em segmentos importantes e representativos da sociedade brasileira.Mas não sei se ainda é possível evitar a derrubada da última árvore nativa e ao apodrecimento do último curso d´água pura disponível para matar a nossa sede. As portas já estão arrombadas e os cadeados de ferro com que tentamos fecha-las zombam do comando das nossas mãos.

Cage não tem auditores para cuidar das contas públicas

Se a imprensa (a mídia) decidir ligar os fatos, vai mostrar que por trás de toda essa crise do governo está a enorme crise do Estado, ou seja, do setor público.
Por exemplo: todos esses “furos” em contratos e licitações estão de alguma forma ligados à precarização da Contadoria e Auditoria Geral do Estado, a Cage, sexagenária e respeitável instituição.
Quem conhece o assunto diz que seriam necessários pelo menos 200 agentes fiscais, mas a Cage tem menos de 80. Estão desmotivados, à espreita da aposentadoria. Por conta dessa situação, empresas como Banrisul e CEEE contratam auditorias privadas.
No final do governo Rigotto, a associação dos agentes fiscais patrocinou um levantamento com 30 casos de “ralos” por onde escoa o dinheiro público.
O que tem sido feito nessa área? Esta pergunta não é feita.
Enquanto isso, na televisão…

O Ministério da Dengue em Porto Alegre

A prática de denunciar e depois negar o que foi dito está se tornando lugar comum quando se trata da dengue em Porto Alegre. Uma contraprova do exame que confirmava o primeiro caso contraído na Capital desmentiu as manchetes dos jornais, em 16 de abril.
No mesmo dia, uma equipe da Vigilância Sanitária esteve no “piscinão da Ramiro”, um buraco com água parada no subsolo de um prédio abandonado, na esquina das ruas Cabral e Ramiro Barcelos.
Em 2007, um técnico confirmou a existência de larvas do mosquito Aedes egypti. Mas a equipe que esteve no local, em abril, garantiu que nunca foram encontradas larvas nem o mosquito da dengue no piscinão, apenas de outras espécies.
O que intriga é a recomendação para a aplicação sistemática de larvicida no local, prática pouco usual quando se trata de um mosquito comum, que não representa uma ameaça. Desde julho de 2007 o produto é empregado mensalmente no local.
Depois de esclarecer o caso da esquina da Ramiro Barcelos com a Cabral, o funcionário da Vigilância Sanitária fez um alerta: “Na obra do Rosário foram encontradas larvas do Aedes egypti”. A empresa responsável e a direção do colégio teriam sido até notificadas e tinham 15 dias para tomar providências.
Quando a reportagem do Jornal JÁ Bom Fim/Moinhos foi confirmar a informação, a versão já era outra. O mesmo integrante da equipe afirmou que foram encontradas larvas na obra, mas que não eram do mosquito da dengue, e sim do culex, inseto comum. Estranhamente, a notificação à empresa está confirmada.
Em abril de 2008, uma fonte ligada à Vigilância Sanitária revelou que uma mulher havia sido contaminada no bairro Floresta, em dezembro de 2008. Equipes do órgão municipal estavam preocupadas diante da decisão da Prefeitura de não informar a população do caso. Foram enviados apenas alertas para os hospitais e clínicas.
Da mesma forma, a versão foi desmentida e amenizada pelos técnicos. O caso não foi esclarecido, pois a mulher tinha viajado para o Rio de Janeiro. Convém ressaltar que a viagem ocorrera meses antes, mas os sintomas se manifestaram muito depois do prazo usual, de quinze dias.

Em 2050 precisaremos de dois planetas terra.

Pieternel Gruppen, com adaptação de Railda Herrero
Se o consumo continuar no ritmo atual, em 2050 precisaremos de dois planetas terra. Na metade desse século o mundo terá nove bilhões de habitantes e a produção deverá ser dividida a uma população cada vez maior. Plantas, insetos, bactérias e mamíferos vão desaparecer rapidamente. A perda da biodiversidade foi tema central de uma conferência européia na Holanda, em meados de fevereiro de 2007.
De acordo com ambientalistas participantes da conferência, se a superfície do planeta fosse dividida igualitariamente entre todos os humanos, a cada um caberia 1,8 hectare. No entanto, a maioria dos habitantes do ocidente utiliza de muito mais que isso. Na Holanda, a média é de quatro hectares por habitante, no Brasil 2,4. Outros países industrializados também utilizam muita superfície da terra, gerando graves conseqüências ao meio ambiente.
Nas últimas décadas desapareceram milhares de formas de vidas em conseqüência da evolução. No entanto, o ritmo de extinção dessas espécies é atualmente preocupante, segundo Johan van de Gronden, do Fundo Mundial para a Proteção da Natureza (WWF), participante da conferência. Desde 1970, esta ONG vem estudando aproximadamente 1.300 espécies de animais vertebrados e constatou a extinção de pelo menos 25% dessas espécies. Em algumas regiões tropicais os casos de extinção atingem a faixa dos 50%.
Para o ambientalista Van de Gronden, desde os anos 80, irrompemos a “barreira da sustentabilidade”. Em outras palavras, passamos a consumir mais do que a terra produz. Desde então, tiveram início as negociações para garantir acordos de proteção de variedades de seres vivos do nosso planeta, cujo número é estimado em 40 milhões.
Durante a Eco-92, a Conferência da Terra, ocorrida no Rio de Janeiro, 180 países estabeleceram que, até 2010, deveria haver contenção da perda ou deterioração da biodiversidade.
No entanto, a Europa, por exemplo, só conseguiu firmar acordos mais concretos para cumprir esta meta nos últimos cinco anos. Para o ambientalista Johan van de Gronden, é necessário proteger o habitat de diferentes espécies, estabelecendo as devidas conexões existentes. Na Holanda, já existem estes planos de proteção em 160 zonas, comprovando a presença do verde na agenda política nacional.

Previdência e consensos

Vilson Antonio Romero, jornalista, servidor público, diretor da Associação Riograndense de Imprensa (Ari) e conselheiro da Associação Gaúcha dos Auditores Fiscais (Agafisp).
Saiu um pouco da pauta a reforma previdenciária, pois as discussões encerradas no Fórum Nacional da Previdência Social ainda não redundaram em apresentação de propostas legislativas formais. Mas um resumo do trabalho está no sítio do Ministério – www.mpas.gov.br.
Diversos consensos foram obtidos nos debates, relacionados a mercado de trabalho, à situação dos benefícios por incapacidade, à transição demográfica, à gestão do sistema previdenciário e até à previdência rural. Cabem ser destacados, entre outros:
a) Promover a formalização do trabalho e a universalização da cobertura a partir de um diálogo social quadripartite;
b) As políticas públicas, em especial as relativas à concessão de empréstimos, subsídios e incentivos fiscais, devem estimular a geração de empregos formais;
c) Deve haver mudança na lei do estágio, resgatando e reforçando seu caráter pedagógico, evitando abusos, simulação e sonegação de contribuições;
d) Deve-se fortalecer a fiscalização contra a informalidade;
e) Deve-se rever a legislação para acelerar os mecanismos de cobrança de dívidas;
f) Devem-se criar novos mecanismos de incentivo à inclusão, com regras contributivas compatíveis com o mercado informal, intermitência contratual ou sazonalidade.
g) Deve ser buscada a desoneração da folha de salários sem aumento da carga tributária e conjugada com ações para a ampliação da formalização e da base de contribuintes, mantendo-se o equilíbrio financeiro;
h) Deve-se buscar o fortalecimento da gestão quadripartite, por meio da participação social nos órgãos deliberativos colegiados da Previdência;
i) Deve-se adotar um modelo de gestão que privilegie a modernização e profissionalização da administração previdenciária;
j) Deve-se adotar nova forma de contabilização do resultado da Previdência, que dê maior transparência às suas fontes de financiamento e suas despesas. Por outro lado, trabalhadores, governo, aposentados e empresários divergiram sobre:
a) as formas de financiar o Regime Geral de Previdência Social;
b) as regras de idade mínima e de tempo de contribuição para acesso a benefícios; a coordenação de regras dos benefícios por incapacidade com as dos demais benefícios e com o salário do trabalhador ativo;
c) a reavaliação das regras das pensões por morte. Mesmo realçando que futuras alterações não prejudicarão os atuais trabalhadores, autoridades admitem enviar ao Congresso Nacional um projeto de Emenda Constitucional contendo, inclusive, propostas que foram rejeitadas pelo Fórum, de modo a “ampliar o debate com os parlamentares e a sociedade”. Entidades sindicais já manifestaram sua preocupação, mas somente nos próximos meses teremos condições de avaliar o que sinalizam as mudanças no seguro social brasileiro.

Risco para o contribuinte

A governadora Yeda Crusius está pedindo à Assembléia Legislativa autorização para arrecadar cerca de R$ 3 bilhões a mais em impostos até o final do seu mandato, que ainda não completou um ano.
Com esse dinheiro, ela garante que em 2009 as contas do governo estarão equilibradas e haverá a retomada dos investimentos públicos, estancados há quase uma década.
Para o contribuinte é um risco. O aumento de impostos não é garantia de equilíbrio, como demonstram governos anteriores.
Antônio Britto, por exemplo, aumentou o ICMS e ainda arrecadou R$ 5 bilhões com a venda de estatais. Mas não logrou o equilíbrio. Germano Rigotto também ganhou um adicional de uns R$ 3 bilhões em impostos. Deixou um déficit acumulado de R$ 5 bilhões ao final de seus quatro anos.
O desafio da governadora, portanto, não é ter coragem para aumentar impostos, isso nunca faltou. O desafio é reverter a lógica instalada na máquina pública, que faz dela um sorvedouro de recursos sem fim. A fraude dos selos, na Assembléia, e o escândalo do Detran, que está nas manchetes, são exemplares.

Quem Derrotou Flores da Cunha?

Mário Maestri, historiador e professor do PPGH da UPF
O velho caudilho rio-grandense alegraria-se com o elogio que lhe traçou Lauro Schirmer, na biografia Flores da Cunha de corpo inteiro, lançada com ampla divulgação pela RBS Publicações [239 pp, 30 reais]. Autor de outros estudos de cunho histórico, o conhecido jornalista rio-grandense aborda em forma elogiosa até mesmo aspectos pessoais discutíveis do ex-líder republicano, como a sua descontrolada paixão por “mulheres ligeiras”, pelo carteado, pelas corridas de cavalo.
Gaúcho de choro frouxo, Flores da Cunha chegaria às lágrimas com o ataque sem peias de Schirmer ao seu arquiinimigo Getúlio Vargas, antigo correligionário, companheiro de revoluções e, finalmente, responsável por sua deposição do governo do RS, em 1937, por seu exílio no Uruguai, por sua prisão na ilha Grande, no Rio de Janeiro. Sem dó, Schirmer desanca Vargas como ditador frio, mesquinho e sórdido, capaz de todas as infâmias.
Com enorme pertinência, o biógrafo destaca a minoração do papel histórico do caudilho sulino, nos anos 1930, quanto ao Rio Grande do Sul, como interventor-governador do Estado, por sete anos, e, no que diz respeito ao Brasil, como o grande responsável pela derrota da Revolução Constitucionalista, em 1932, e, sobretudo, como derradeira barreira ao golpe getulista do Estado Novo, de novembro de 1937.
A beatificação de Flores da Cunha como político liberal-democrático infesto a qualquer ditadura atrapalha a compreensão de seu enorme papel histórico. Flores foi lídimo filho do republicanismo positivista que, para defenestrar os segmentos liberal-pastoris dominantes, dominou o Rio Grande por quase quarenta anos sem pruridos democráticos. Flores da Cunha nasceu e alimentou-se nesse caldo autoritário e reinou sobre o Rio Grande, em 1930-35, sem perder o sono com a origem discricionário de seu poder.
O confronto entre Flores da Cunha e Getúlio Vargas não foi choque entre o bem e o mal, entre a integridade e a perfídia, entre a democracia e a ditadura. Para além das idiossincrasias pessoais, os dois políticos republicanos e positivistas sulinos eram um a cara do outro, farinhas do mesmo saco. No frigir dos ovos, desempenharam, de certo modo, o mesmo papel, um no Rio Grande, o outro no coração do Brasil. O choque de fins de 1937 deveu-se ao fato já sabido de que dois bicudos jamais se beijam.
Se Flores da Cunha fosse inimigo visceral da ditadura, não teria traído a palavra empenhada e reprimido correligionários e aliados rio-grandenses, condenando ao isolamento e à derrota a Revolução Constitucionalista, e, assim, assegurando que Vargas continuasse no poder. Em 1932, mesmo temendo Getúlio, o caudilho rio-grandense temia ainda mais o retorno da ordem liberal-oligárquica da República Velha, que fulminaria seu projeto de inserção privilegiada do Rio Grande na nova ordem nacional em construção.
O ambicioso programa florista de relançamento da economia agrária, pastoril e industrial sulina, de 1930-37, foi continuidade e superação das iniciativas de Vargas, quando governador do Estado, em 1928-30. Getúlio rompeu apenas com seus laços sulinos porque, no governo da nação, expressando o industrialismo carioca e paulista dominante, implementou nacionalmente o mesmo projeto sonhado por Flores para o Sul. E, se não o fizesse, teria sido possivelmente afastado do governo e reduzido a uma nota de pé-de-página da história do Brasil contemporâneo.
O duro tratamento dado por Vargas ao oponente derrotado não se deveu à maldade pessoal, mas à importância e perigo político que ele representava, mesmo no exílio. Flores da Cunha prosseguiu conspirando desde o exílio uruguaio, não vacilando sequer em envolver-se na fracassada tentativa de assassinato do ditador-presidente, na madrugada de 11 de maio de 1938, quando do assalto ao palácio Guanabara, capitaneado pelos integralistas, que passaram para a história como os quase únicos responsáveis pelo ato de sangue. Certo da liquidação de presidente-ditador, Flores da Cunha distribuiu a jornalista de Montevidéu versão sobre a vitória do ataque.
A minoração do papel histórico de Flores no Rio Grande registrada por Lauro Schirmer certamente se deve ao combate incessante à sua imagem pelo Estado Novo, que lhe cassou o título de general do Exército, conquistado por hábeis, reiteradas e destemidas intervenções nos campos de batalha; retirou seus bustos e seu nome de praças, ruas e educandários e, finalmente, o julgou, condenou e encarcerou, por longos nove meses.
Na quase amnésia histórica rio-grandense, certamente desempenhou papel significativo o retorno de Flores da Cunha à política, após 1945, em oposição visceral ao seu desafeto já despida de sentido político e social, nas filas da conservadora UDN, que jamais gozou de prestígio, sobretudo popular, no Sul, onde reinou forte o PTB de Getúlio, Jango, Brizola. No crepúsculo de sua vida, em 1955, o velho caudilho redimiria-se de sua opção conservadora, ao apoiar, como presidente interino da Câmara, a liquidação pelo general Lott das articulações golpistas do seu partido, a UDN, para impedir que Juscelino Kubitschek e João Goulart, eleitos presidente e vice-presidente, assumissem os cargos.
Flores da Cunha arregimentou contra o projeto ditatorial de Vargas, que sabia ser estruturalmente antagônico com a autonomia e desenvolvimento industrial do Rio Grande, a então poderosa Brigada Militar, forças irregulares, equipadas com modernas armas iugoslavas, e oficiais e tropas anti-golpistas do exército sediados no Rio Grande. Seu poderoso esquema militar foi vergado sem resistência devido a deserções internas.
Essas defecções registraram que importantes facções sulinas negaram apoio ao projeto autonômico de Flores da Cunha, satisfeitas com a posição subordinada de “Celeiro do Brasil” destinada ao Estado na nova reorganização nacional do trabalho em construção.
A moderna historiografia sulina registrou a adesão maciça dos intelectuais sulinos ao Estado Novo, despreocupados com a subordinação do Estado ao industrialismo do Centro-Sul. Foi como se o florismo não tivesse deixado herdeiros mesmo intelectuais no Rio Grande. Em 1945, com o fim da ditadura, o grande acontecimento cultural foi a celebração das raízes pastoril-regionalistas, na literatura e no tradicionalismo, e não a retomada dos ideais floristas. Apenas em 1958, o jovem governador Leonel Brizola, o derradeiro caudilho sulino, voltaria a questionar a minoração nacional do RS. Responsável pela restituição do nome de Flores da Cunha ao Instituto de Educação, retirado durante o Estado Novo, Brizola seguiria muito logo também para o exílio uruguaio, devido a golpe militar que, apoiado pela imensa maioria dos proprietários sulinos, consolidaria sem dó a subordinação nacional e internacional da economia sulina.

Imprensa, pressões e tribunais

Vilson Antonio Romero, jornalista, diretor da Associação Riograndense de Imprensa
Os jornalistas brasileiros trabalham atormentados por pressões das mais diversas origens buscando alterar matérias, editar textos ou evitar publicações que mencionem situações, pessoas ou empresas em situação irregular, ilegal ou criminosa. A Revista Imprensa atesta esta condição ao tabular e divulgar pesquisa com 400 profissionais em atividade no primeiro semestre deste ano. E reforça: 86% dos repórteres, editores, apresentadores e pauteiros que responderam à enquete já sofreram pelo menos dois tipos diferentes de pressão profissional, interna ou externa.
As ocorrências mais freqüentes envolvem: pedido de não publicação ou divulgação de matéria (73%), ameaça de processo jurídico (47%), solicitação de manipulação de dados ou informações (39%) e ameaça de demissão ou afastamento efetivo (18%). Apesar de a maioria maciça dos entrevistados (85%) reconhecer que a liberdade de exercício da profissão é mais complicada e mais estreita no interior do Brasil, outra pesquisa recente também traz preocupação aos profissionais da imprensa dos grandes centros.
A organização não-governamental (ONG) Article 19, com sede em Londres e escritório recentemente instalado no Brasil, e que pauta sua atuação com a bandeira da liberdade de expressão, revela dados assustadores sobre a relação entre a imprensa, o cidadão e os tribunais.
Com base em levantamento feito pela revista Consultor Jurídico, a Article 19 constata que existe uma ação de indenização por danos morais para cada jornalista que trabalha nos cinco principais grupos de comunicação do país (Folha, Globo, Estadão, Três e Abril). Estão tramitando cerca de 3,1 mil processos para um universo de 3,3 mil profissionais atuando nos setores de comunicação social destas empresas.
Um outro dado preocupante é que o valor médio das indenizações passou de R$ 20 mil em 2003 para R$ 80 mil em 2007, enquanto o salário médio de um jornalista brasileiro é R$ 1,5 mil.
Apesar de a maioria dos processos versar sobre nomes e empresas reveladas em processos, apurações e investigações sobre corrupção, desvios de recursos e escândalos envolvendo políticos, governantes e magistrados, fica evidente a fragilidade da estrutura legal sobre a qual se assenta o pilar da liberdade de imprensa no país.
Tanto a elevada pressão sofrida nas redações ou fora delas pelos profissionais no exercício da atividade de bem informar, quanto a ameaça constante de serem – estes mesmos profissionais – chamados “às barras dos tribunais”, evidencia a falta de um marco regulatório no setor, a inexistência de salvaguardas classistas e jurídicas e escancara uma conjuntura desmotivadora evidente para os jornalistas que pretendem independência, isenção e profissionalismo na busca e na transmissão da informação.