Fora, vivandeiras impenitentes

Geraldo Hasse
“Estamos num sistema tecnicamente caótico no qual a cadeia de delações de crimes junto à Polícia Federal expôs as entranhas de todas as instituições, que interagem entre si como variáveis aleatórias, com controle de ninguém, e criando fatos novos a cada dia“, escreveu dias atrás o economista/jornalista J. Carlos de Assis a propósito da avalanche de acusações e denúncias no âmbito da Operação Lava Jato, desfechada há 3,5 anos para investigar lances de corrupção no governo.
A suposição inicial dos responsáveis pelas investigações da Operação Lava jato era de que os malfeitos haviam começado nos governos do PT, a partir de 2003. Aos poucos tem ficado claro que o fenômeno é bem mais antigo e envolve outros partidos, especialmente o PMDB, que se estabeleceu no poder em 1985 e daí em diante se manteve no governo mediante alianças de todo tipo.
A última e escandalosa evidência da roubalheira surgiu às vésperas do feriado da Independência, quando a Polícia Federal descobriu num esconderijo urbano em Salvador um total de R$ 51 milhões em dinheiro vivo guardado em caixas e malas.
O dinheiro seria de Geddel Vieira Lima, ex-ministro do vice-presidente em exercício Michel Temer. Anteriormente, ele fora diretor da Caixa Econômica no governo Dilma Rousseff. E bem antes, como deputado federal, fez parte do grupo conhecido como “Anões do Orçamento”, uma malta parlamentar especializada em manipular verbas federais por meio de emendas ao Orçamento Nacional.
Evidentemente, o baiano Geddel é um aprendiz desastrado entre especialistas na apropriação indébita de dinheiro público, prática justificada, em muitos casos, pela alegação de que é preciso fazer caixa para financiar as campanhas eleitorais, marcos sagrados do exercício da democracia.
Falta esclarecer se Geddel é um tesoureiro pego em flagrante delito ou se ele seria apenas o guardião de uma parte do tesouro do PMDB. Espera-se que tudo seja esclarecido antes das eleições de outubro de 2018, esta sim, uma verdadeira operação lava-jato…
Se as propinas empresariais rolassem apenas para custear atividades partidárias, talvez se pudesse perdoar os políticos. Mas são cada vez maiores as evidências de que as campanhas eleitorais têm sido usadas como instrumento de enriquecimento pessoal de praticamente todos os participantes da cadeia produtiva de mandatários do povo. Uma podridão generalizada que liga o mundo político ao universo empresarial. Como desmontar essa máquina de corrupção que trabalha para manter a desigualdade social?
A situação chegou a tal ponto que pessoas de grande prestígio intelectual como o historiador Moniz Bandeira, que foi companheiro de Leonel Brizola no exílio, estão pedindo a intervenção das Forças Armadas nas instituições de governo. Como assim?! A que preço?!
Seria bom que o processo de corrupção fosse estancado, mas é ilusão acreditar que os militares poderiam agir sem risco de contaminação e envolvimento com as quadrilhas do Mal.
As corporações militares agem estritamente dentro dos regulamentos, mas as cúpulas se deixam influenciar por interesses alheios ao seu controle e por manobras imprevisíveis. Vimos esse filme em 1964, quando o golpe militar apoiado pelas elites econômicas, pela classe média e pelos EUA se perdeu em perseguições interesseiras. Quando a ditadura acabou, em 1985, havia 9 mil oficiais superiores das Forças Armadas instalados em órgãos do governo, onde haviam ingressado a título de “vigilância” e “saneamento”.
Apenas como exercício de imaginação, caberia perguntar se a intervenção militar se daria apenas no Executivo ou incluiria o Legislativo? Deixando o Judiciário fora?! E o que fazer com os governos estaduais acumpliciados com a corrupção? E as ramificações municipais das falcatruas?
Ainda no âmbito das suposições, cabe perguntar se no novo golpe militar seria usado como referência o método de 1964, quando foram abertos milhares de inquéritos para investigar a corrupção e, na sequência, a subversão política, que serviria como pretexto para a escalada persecutória que descambou para violações dos direitos humanos só comparáveis às do Estado Novo. Seriam os novos IPMs mais eficientes e isentos do que os métodos atualmente usados pela Polícia Federal a pedido do Ministério Público, da Procuradoria Geral da República e de outras instâncias do Judiciário?
Não se pode duvidar de que é errado destruir a democracia a pretexto de consertar os defeitos do sistema democrático.
LEMBRETE DE OCASIÃO  
“Sinto-me no dever de também alertar-vos, nesta hora, e, por vosso intermédio, aos mais jovens (…) contra as mesmas e eternas manobras dos pescadores de águas turvas e ambiciosos vulgares, os quais já começam a rondar os quartéis como vivandeiras impenitentes (…) buscando, aqui e ali, despertar aspirações e estimular ambições, dessa forma espalhando a cizânia, a desconfiança, a discórdia, capazes de enfraquecer, pela desunião que propagam, a estrutura militar”.
 
General Ernesto Geisel, presidente da República, em 22/12/1976, falando aos colegas de farda em recepção no Rio de Janeiro, repetindo palavras do marechal Castelo Branco, o primeiro militar a ocupar a presidência em 1964

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